Pages Menu
Categories Menu
Os gigantes continuam sendo humanos

Os gigantes continuam sendo humanos

 

Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia

Após assistir ao curta Do giz ao tablet, resolvi fazer um texto com algumas reflexões que venho tendo há alguns anos, desde que as escolas começaram a se destacar pelo uso das novas tecnologias em sala de aula.

O trabalho de marketing feito para promover escolas é um tanto curioso. Através das peças publicitárias, ficamos sabendo qual colégio aprovou mais no vestibular, qual cresceu mais em aprovações em institutos tecnológicos militares nos últimos anos, qual teve o primeiro lugar nos cursos de Medicina e Direito, quais fornecem aparatos tecnológicos de última geração. Curioso porque geralmente o foco não é a formação humana daqueles indivíduos, mas sim os números ou as máquinas. Crianças e adolescentes são transformados em números e estatísticas para promover uma instituição que deveria ser responsável por, junto com os pais, formar pessoas conscientes, responsáveis e que entendem como o mundo funciona em seus vários aspectos, tais como o biológico e o social.

Considero ingênua a ideia de que os professores que são contra o excesso de tecnologia em sala de aula têm medo de serem substituídos pelos aparatos tecnológicos. Sou professora e ainda lembro do curso que fiz sobre como utilizar as lousas digitais. Alguns professores empolgados e eu imaginando como seria trocar uma aula onde o que eu mais fazia era falar para e com os meus alunos – ou seja, falar e ouvir – por uma aula onde eu iria fazer com que eles prendessem a atenção em mais uma tela, como se não bastassem os celulares, TVs, tablets e videogames aos quais eles já passavam o dia expostos. Eu sentia que estava no caminho certo quando ouvia deles mesmos que minhas aulas eram boas sem precisar de quaisquer artifícios tecnológicos. “Já estamos cansados de tanta aula com slides!”, eles diziam. De modo que eu jamais tive medo de “ser substituída” por um aparelho. Atento para o fato de que ao entrarmos no mais famoso site de pesquisa da web e abrirmos o link “Acadêmico”, vemos uma alusão à famosa frase de Newton: “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”. É bom lembrar que embora o site nos dê rápido acesso a inúmeros artigos acadêmicos, tudo aquilo foi produzido por pessoas e não por máquinas, atualmente tão exaltadas. A tecnologia é apenas um suporte, um auxílio. Os gigantes continuam sendo humanos.

Sou contra excesso de aparelhos eletrônicos em sala de aula porque acredito que há outras maneiras de trocar conhecimentos de forma positiva tanto para o professor quanto para o aluno. Porém, infelizmente, escolas não são apenas pura e simplesmente instituições de ensino que priorizam o aprendizado de qualidade acima de tudo. Escolas, sobretudo as particulares, são empresas. E como, para toda empresa, o lucro é um detalhe importante. Que escolas escolheriam pagar mais e melhor professores qualificados para dar aulas em turmas com no máximo quinze alunos? Professores que poderiam acompanhar melhor a realidade de seus alunos, tirar dúvidas com mais tranquilidade, observar o ritmo de aprendizado e estimular o conhecimento adquirido através do contato com a natureza e com o outro. Acontece que tudo isso demandaria, além do que já foi dito sobre mais professores e melhores salários, mais salas de aulas, mais recursos para aulas extraclasse e menos vínculos lucrativos com empresas de tecnologia, etc.

Embora a tecnologia seja uma grande facilitadora no dia a dia de adultos que sabem usá-la com responsabilidade – na medida em que pode nos livrar de filas de banco, por exemplo – ela jamais, em hipótese alguma, terá a capacidade de substituir o contato real com outro ser humano. Nós nos expressamos com o olhar, com as mãos, com o tom de voz, com o contato físico, seja ele um aperto de mão ou um abraço. Dizemos muito com cada um desses gestos. Somos seres complexos: sentimos medo, raiva, mágoa, alegria, tristeza, angústia, ciúmes. Precisamos aprender a lidar com todos esses sentimentos e somente podemos aprender com o contato com nós mesmos e com o outro; e esse outro está longe de ser uma máquina.

Steve Jobs, um dos maiores nomes da tecnologia contemporânea, não deixava que seus filhos mexessem em telas, mesmo que fossem as que ele mesmo fabricava.

“Toda noite, Steve fazia questão de jantar na grande mesa longa na cozinha deles, discutindo livros e história e uma variedade de coisas”, ele disse. “Ninguém nunca pegava um iPad ou computador. As crianças não pareciam nem um pouco viciadas nesses aparelhos.”

Enquanto, sem dúvidas, muitos outros pais permitiam o uso irrestrito das novas tecnologias, o guru do touch screen discutia sobre livros e partilhava bons momentos com os filhos. Será que dá para imaginar o porquê disso? Perdão pela repetitividade, mas: a tecnologia – e nesse caso, as telas – jamais, em hipótese alguma, terá a capacidade de substituir o contato real com outro ser humano e com o mundo que nos cerca.

Então, em tempos de escolas cada vez mais aparelhadas, que afirmam que os alunos mudaram e que a proposta de ensino mudou também, é preciso muita reflexão. Será que a inserção profunda e precoce de crianças no mundo das novas tecnologias é algo vital? Será mesmo que os alunos mudaram? Mudaram como? E por quê? Essa mudança é positiva até que ponto? Enquanto nos deslumbramos com escolas aparelhadas, elas continuam (e se deixarmos, vão continuar) tratando crianças e adolescentes como máquinas e um punhado de números. Isso não mudou. Nossos alunos continuam, com ou sem telas, apenas desempenhando o papel passivo de receptores. Há, sim, a necessidade de mudar a proposta de ensino, mas essa proposta não tem que ser necessariamente vinculada a telas e marcas (consideradas “aliadas” por essas escolas). Com isso não quero dizer que devemos abolir qualquer tipo de tecnologia das escolas, o que seria um completo absurdo. Tendo a concordar com a fala do professor Michel Torres no vídeo Do giz ao tablet (7:54), que diz que o ideal é que o estudante consiga equilibrar o conhecimento científico com o acesso às novas redes e espaços interativos que a internet possibilita.

Eu mesma cheguei a criar um grupo numa rede social para compartilhar conteúdos interessantes da rede com meus alunos. Dava muito certo, mas aquilo era uma atividade que participava quem se interessava e não era acessada em sala de aula. Ora, a sala de aula é a oportunidade de estarmos efetivamente juntos, aprendendo juntos, compartilhando conhecimento e nos aprofundando em determinados conteúdos.

O que quero dizer, afinal, é que precisamos pensar mais profundamente sobre o que é o ensino e quais as prioridades para os alunos enquanto seres humanos em formação. Na educação, por mais que a tecnologia se aprimore, as pessoas deverão continuar sendo as peças mais importantes do processo de aprendizagem e construção do indivíduo.

 

Colunista Rebrinc

* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:

Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

Leia também outros textos da colunista Débora Figueiredo:

Quaresma de 2015: crianças no olho do furacão

Sobre o desaparecimento da infância

Post a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *