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Publicidade infantil – O consumo desde pequenos

Publicidade infantil – O consumo desde pequenos

Por Renata da Silva – estudante de Jornalismo da Unipampa – Universidade Federal do Pampa (Conteúdo produzido para a Disciplina de Laboratório Digital II e publicado originalmente no Medium)

 

Músicas animadas, cores fortes e uso de personagens conhecidos. À primeira vista, parecem imagens inocentes e divertidas, porém esses meios que a publicidade se utiliza para chamar a atenção das crianças já estiveram envolvidos em muita discussão sobre a influência dela no público infantil


No menu, a persuasão
Em 2003, a TNS/InterScience realizou um estudo mostrando que 80% das compras familiares sofrem influência das crianças, sendo que o produto que mais consomem são os alimentos. Normalmente, são com pouco teor de vitamina, com excesso de açúcar, sal e gordura, que são ingeridos em momentos de lazer, fora de casa ou em frente à televisão.

Comerciais que incitam ao divertimento, como do achocolatado Toddynho ou o oferecimento de brindes pelo consumo, como do salgadinho Elma Chips para colecionar o tazos, apenas demonstram o poder de influência que as propagandas infantis têm, acompanhadas de elementos negativos. Um desses é o aumento da taxa da obesidade infantil que, segundo um levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, em 1974/75, 3,9% dos meninos e 7,5% das meninas de 10 a 19 anos estavam acima do peso. Em 2002/03 esse número subiu para 18% sobre os meninos e 15,4% sobre as meninas.

A ideia de vender produtos colecionáveis faz com que a criança consuma em excesso determinado alimento que fornece o brinquedo. Foto: Carolina R.

Outra questão referente à alimentação infantil é a estratégia utilizada nas redes de fast food e restaurantes para atrair um público mais novo para seus estabelecimentos. A presença de espaços com brinquedos, como playground, ou espaços criativos com jogos, fazem com que a criança prefira ir a esses locais do que em outros, e o oferecimento de brinquedos colecionáveis como da rede Mc Donalds. Eles oferecem junto com o Mc Lanche Feliz, brinquedos com o rosto do personagem que no exato momento está tendo destaque na mídia, como o relançamento dos personagens do video-game Mario Bros em função do lançamento do novo jogo Super Mario Odissey, produtos esses que transmitem a sensação de ganhar algo, mas que se você quer aquele brinquedo, deve consumir o específico lanche em um específico local, o que faz as crianças adquirir o hábito de continuarem indo a esses locais quando crescem. “ As crianças vivem em uma sociedade que a educa direta ou indiretamente. Um exemplo bem banal: por mais que a criança tenha uma alimentação equilibrada em casa, quando ela vai a um restaurante o “menu kids” não oferece opção de legume ou verdura nos pratos infantis. Já está posto o que é comida de criança. E assim as crianças são educadas”, comenta a psicóloga, idealizadora e co-fundadora da rede Ninguém Cresce Sozinho Patrícia L. Paione Grinfeld.

Tabela: Renata da Silva

Programas infantis como objeto da Publicidade
Assistir desenhos na televisão fez parte da infância de muitas pessoas. Para os pais, era um dos poucos momentos em que os filhos se aquietavam, para as crianças era um momento de divertimento. Essas animações normalmente costumavam ser passadas em um programa onde havia um apresentador e uma plateia composta por meninos e meninas que interagiam e participavam de jogos. Entre um bloco de comercial e outro, era comum a exibição de propagandas de brinquedos, acessórios ou comida de tal personagem de desenho ou de algum apresentador. Sem intervenções ou leis jurídicas sobre isso, a publicidade tinha uma forte presença na televisão.

Anos 70

Agildo Ribeiro e o boneco Topo Gigio no programa Mister Show. Foto: Renata da Silva

Durante essa década, eram poucos os programas de auditório infantil, sendo que seu foco principal era reproduzir desenhos, como o programa Globo Cor Especial, com exibição que durou de 1973 a 1983. Outro que ganhou destaque foi Mister Show (1969–1970), que contava com o ator Agildo Ribeiro e o boneco Topo Gigio, um ratinho original da Itália, como apresentadores. Seu sucesso foi tanto que, com o fim do programa Mister, Gigio teve um somente seu, o Topo Gigio Especial (1970–1971), que era exibido nas tardes de sábado. O boneco teve sua imagem para vender discos musicais infantis, filmes, brinquedos, gibis e roupas, o que já demonstrava um modelo que se seguiria nas décadas seguintes, se utilizar da fama de algum personagem para vender produtos com seu rosto.

 

Propaganda da Turma da Mônica de 1976 da Maionese Cica. Foto: Renata da Silva

Ainda assim, as propagandas presentes na televisão eram em sua maioria de produtos para o público adulto, como alimentos ou serviços, só que certos comerciais eram em animação ou se utilizavam de personagens infantis conhecidos, o que chamava a atenção das crianças.

Anos 80
A estratégia nessa década era abandonar o modelo publicitário baseado no rádio, mas copiando o padrão americano de televisão. Surgem nessa época os conhecidos programas de auditórios com apresentadores, plateia infantil que interagia com jogos para ganhar prêmios e ainda, exibição de desenhos. O que surpreendia era a quantidade de produtos infantis que passavam nos comercias e até mesmo durante os próprios programas.


Xuxa Meneghel, apresentando seu programa Xou da Xuxa. Foto: Renata da Silva

Xuxa Meneghel com o programa Xou da Xuxa (1986–1992), Angélica Huck, que na época tinha apenas 13 anos de idade, substituindo Xuxa em 1987 no Clube da Criança na extinta TV Manchete, Mara Maravilha, com o programa Show Maravilha (1987–1994) no SBT, o Programa do Bozo, que teve 7 versões, e TV Fofão (1983–1989), sendo que de todos esses, o Xou da Xuxa foi o que mais ganhou destaque, o que levou a Rede Globo a lançar em 1986 um CD com as músicas do programa que vendeu cerca de 2 milhões e 622 mil cópias.

Com o sucesso do Xou da Xuxa,que batia 21 pontos de audiência, os comercias infantis predominavam nos intervalos do programa, e em alguns, apareciam a imagem de desenhos infantis e de apresentadoras conhecidas como Angélica.

Link das informações da tabela

 

Mostrar o quanto era divertido e saboroso ter os produtos e comidas que eram anunciados nas propagandas era a estratégia mais utilizada nos anos 80. Comerciais que mostravam crianças interagindo, saboreando danones e brincando com seus brinquedos, de modo bem felizes, eram um modelo bastante apresentado na TV. Comerciais como a da Boneca Bolinha de Sabão da Estrela em que uma menina aparentemente feliz brinca de fazer bolinhas igual à boneca.

Anos 90
Nessa época, novos formatos de programas infantis aparecem. Com uma pegada parecida com a dos anos 70 e a transmissão de séries e novelas focadas no público infantil.

A personagem Priscilla(à direita) conversa com um dos “técnicos” do programa TV Colosso. Foto: Renata da Silva

Em 1993 surge a TV Colosso, no estilo de instâncias de uma emissora de TV, o programa reproduzia o dia a dia em uma televisão, sendo apresentado por pessoas que utilizavam bonecos caracterizados de cachorro, e crianças. Além da exibição de desenho, o programa possuía alguns quadros originais. Outros que também ganharam destaque foram Caça Talentos (1996–1998), comandada por Angélica Huck, o Bom Dia e Cia (1993-Atual) e TV Cruj (1997–2003). Porém, esses programas aparentavam ser cópias melhoradas ou adaptadas dos anteriores, mas a televisão conseguiu perceber que as crianças se interessavam muito mais além de desenhos animados.

Novelas como Carrossel (1991–1992), Chiquititas (1997–2001) e séries infantis como Rá Tim Bum (1990–1992), Mundo da Lua (1991–1993) e Castelo Rá Tim Bum (1994–1997) retratavam o mundo pelo olhar das crianças, além de lançar muito desejo sobre elas. Que menino não gostaria de ter o gravador de Lucas Silva ou os produtos licenciados de Chiquititas para as meninas? A venda de produtos resultantes dessas exibições renderam um bom dinheiro para os produtores. Em 1997, o primeiro álbum das Chiquititas vendeu 1,2 milhão de cópias e até teve uma segunda versão em 2013 com novos atores, mas que não obteve o mesmo sucesso de antes.

Uma característica que marca a publicidade infantil dessa época é a chamada de atenção do público pela linguagem utilizada pelas propagandas e não pela qualidade do produto. Utilizando uma linguagem chamativa e em certos pontos, exagerada, o produto era mostrado como algo totalmente necessário, mas que pouco ou nunca abordava suas qualidades. Exemplos como a sandália love xu da Xuxa, em que meninas de seis a sete anos diziam frases em inglês com uma entonação romântica, e em certos pontos, sexuais, direcionadas a uma sandália, o que passava a ideia de que amor e o consumo da sandália eram sinônimos. Outra como a tesoura do Mickey, onde a linguagem provocativa da criança repetindo a frase “eu tenho, você não tem”, apenas reforçando a ideia de precisar ter a tesoura, mas que não explica o porquê.

De lá pra cá, os programas infantis ainda estão presentes na televisão brasileira. Os mais famosos são reprisados, o modelo anterior de estrutura ainda é copiado e programas como Bom Dia e Cia passam ainda nos dias de hoje, mas hoje todos esses enfrentam um concorrente à altura para chamar atenção do seu público-alvo.

A Publicidade explorada na internet

Podendo ser definida como uma televisão sem intervalo, a internet se tornou a opção de lazer preferida das crianças e adolescentes. Foto: Carolina Rodrigues

Com a falta de tempo ou poucos recursos financeiros para cuidar dos filhos ou entretê-los, muitos pais oferecem desde cedo aparelhos eletrônicos como celulares e notebooks para que as crianças se distraiam. Além de que, com sucesso que youtubers possuem hoje, muitas crianças os veem como exemplo de sucesso que querem seguir.

Enquanto que a programação infantil na TV Aberta vem caindo, principalmente a partir de 2014 quando foram proibidas as propagandas para o público infantil, segundo um levantamento da Folha de 2015, o número de crianças que acessam a internet é um dos mais altos do mundo, segundo pesquisas da Tic Kids Online Brasil. Em 2016, 69% das crianças e adolescentes acessavam a internet mais de uma vez por dia, 62% tiveram contato no ano de 2016 com publicidade pelas redes sociais e 43% pediam aos pais para comprar algo que viram nas propagandas.

Na mesma pesquisa, 46% dos entrevistados disseram que os pais têm muita percepção sobre o que o filho acessa, e apenas 11% disseram que os responsáveis não têm ciência de nada que acessam.

Vídeo: Carolina Rodrigues

Uma questão presente que faz o público infantil optar passar seu tempo na internet é o tempo ilimitado e poder de escolha do que prefere assistir ou acessar, como comenta Helena Basso, mãe da Laura de 3 anos.

Diferente dos videogames que se tinham antes da difusão da internet, os jogos online representam um dos produtos que são consumidos pelas crianças, pois durante as partidas dos jogos, é comum que o jogo queira oferecer algum incremento ou melhoria para avançar de nível, mas cobrando um preço em dinheiro real, além de que aparecem propagandas de outros games, seja para baixar ou comprar. Em 2016, 7% de crianças e jovens realizaram algum tipo de compra de games e 40% disseram que viam propagandas através de sites de jogos, segundo a Tic Kids.

Com a popularização dos youtubers e o acesso maior de crianças à internet, o número de visualizações e entrada infantil de produção de conteúdo no Youtube apenas cresce no país. De agosto/15 a agosto/16, houve um aumento de 564% de visualizações de canais de youtubers infantis, com 226% de vídeos postados por esses canais e uma subida de 550% inscritos, segundo dados da pesquisa Geração Youtube.

Galeria de vídeos da youtuber mirim Julia Silva, de 10 anos e possui 2,8 milhões de inscritos no seu canal. Foto: Renata da Silva

Com formato de vlog, normalmente os conteúdos produzidos nos canais infantis apresentam as crianças mostrando produtos infantis como maquiagens, brinquedos e roupas que compraram ou que ganharam de certas marcas, abrindo caixas de presentes recebidos, vídeos brincando e encenando novelinhas com bonecas, ensinando receitas culinárias, dando dicas e conselhos e jogando e comentando jogos como Minecraft. Uma produção que não exige muito custo, fácil de fazer já que se baseia em brincadeiras comuns de crianças. Para alguns youtubers, se torna uma fonte de renda, como o youtuber Ryan, de seis anos.

Tabela: Renata da Silva

Para as empresas comerciais, se torna mais vantajoso e econômico enviar produtos para esses youtubers, levando eles a fazerem a propaganda, sabendo que cada canal tem seu público específico e que as visualizações e acessos são maiores do que se fosse na televisão. Em outubro desse ano, um dos poucos programas infantis da TV aberta, o Bom Dia e Cia, teve uma queda de 13% da audiência e em 2014, o valor para inserção de 30 segundos de algum produto no programa era de R$ 76.830,00.

Se antes as crianças já ficavam horas em frente à televisão, levando à problemas de saúde como o sedentarismo e ideia de estabelecimento de padrão a ser seguido, um problema volta a recorrer. Como aconteceu com as Paquitas, ajudantes de palco do programa Xou da Xuxa, sendo passado uma imagem adulta de meninas que tinham menos de 18 anos, como a presença da ex-paquita Luciana Vendramini na capa da revista PlayBoy, que em 1987, tinha apenas 17 anos. A distorção da imagem infantil para algo mais vulgar ainda é um assunto discutido nos dias de hoje, principalmente pela super exposição precoce das crianças.

Antecipando a fase adulta

Vender produtos como maquiagem com a cara de personagens passa a ideia de que são brinquedos. Foto: Carolina Rodrigues

Utilizar a imagem de um personagem de animação conhecido para estampar produtos estéticos acaba por transmitir uma ideia de que esse material é vendido como um brinquedo, um acessório comum para uma criança. Unida a esse fator, a influência de ídolos e imagem estética perfeita de princesas e super-heróis, por exemplo, gera uma ideia de beleza padrão nas mentes infantis.

Cueca infantil comercializada igual ao modelo adulto. Foto: Helio Ferraz

Em 2015, a Common Sense Media, uma organização dos Estados Unidos, realizou um estudo em que apontou que um terço dos meninos e mais da metade das meninas com idade entre 6 e 8 anos consideram que seus corpos não são magros o suficiente e uma em cada quatro dessas crianças já tentaram fazer alguma dieta apenas com 7 anos de idade. Sexualizar um corpo que nem se formou direito, utilizando o mesmo modelo de propagandas adultas, expondo a imagem da criança já foi tema de um processo jurídico no país. Houve “um caso recente (2014) de uma multa que foi aplicada a Revista Vogue Kids por conta de uma foto sensual de uma menina de biquíni, então eles entenderam que aquilo ultrapassava os limites, não tinha autorização judicial para essa gravação e muito menos para divulgação. Foi aplicado uma multa considerável”, comenta o advogado Hélio Ferraz de Oliveira, Presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da Subseção de Pinheiros da Ordem dos Advogados do Brasil.

A infância protegida pela Lei

Estabelecido em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante os direitos das crianças e adolescentes, sendo obrigação tanto familiar, social e do Estado o bem-estar e o desenvolvimento saudável dos contemplados por esse Estatuto. Além dele, o artigo 36º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que todo tipo de propaganda deve oferecer a identificação obrigatória da mensagem publicitária para todo tipo de público, o que significa que se uma criança assistir a um comercial, no mesmo instante ela deve reconhecer como tal para que a propaganda seja considerada lícita.

A Lei nº: 11.947/2009 sobre Alimentação Escolar oferece acompanhamento profissional e regras de alimentação nas escolas para crianças da educação básica. Além dela, há também a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor pela resolução de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), porém nenhuma delas contempla total proteção da publicidade infantil. Em 2017 se completou 15 anos em que um projeto de lei que regulamentaria a publicidade se encontra na fila para ser votada pela Câmara dos Deputados. O que ocorre é que as empresas alimentícias e de brinquedos realizam negociações para driblar essa regulamentação, como comenta o advogado Hélio Ferraz:


Em contrapartida daqueles que defendem a veiculação da publicidade infantil estão grupos como o Instituto Alana, com o projeto Criança e Consumo, e a REBRINC (Rede Brasileira Infância e Consumo), que conta com profissionais para dar suporte e esclarecimento para questões dessa área. Porém, não é somente proibindo as crianças de ver televisão ou fazer com que ela não consuma mais nenhum produto infantil, pois já temos uma influência forte da publicidade nos nossos hábitos, e a consciência sobre o assunto se torna o primeiro passo. “Nós, enquanto sociedade, precisamos oferecer aos pais e às crianças um repertório cultural amplo para que possam fazer escolhas que lhes façam sentido. Se o discurso é único e imperativo, não há a possibilidade de escolher.” (Patrícia L. Paione Grinfeld, psicóloga, idealizadora e co-fundadora da rede Ninguém Cresce Sozinho)

Mini doc com comentários de Desirée Ruas, membro da REBRINC, e do advogado Hélio Ferraz sobre o tema
Link da matéria resumida no Readmag.

 

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