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Rebrinc e Alana debatem a proteção da infância na mídia

Rebrinc e Alana debatem a proteção da infância na mídia

Os direitos das crianças e dos adolescentes na mídia também estiveram na pauta do 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, ENDC, realizado no Instituto Metodista Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, nos dias 10, 11 e 12 de abril. O tema foi debatido na atividade autogestionada “Comunicação e direitos da infância”, realizada pela Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, e pelo Instituto Alana.

Organizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, FNDC, o 2º ENDC reuniu na capital mineira cerca de 700 participantes, sendo militantes de movimentos sociais, sindicatos, estudantes, ativistas e educadores de todo o país, além de palestrantes do Uruguai, Argentina e Canadá. Na cerimônia de abertura, realizada no dia 11, os convidados falaram sobre os desafios para a democratização da mídia e apresentaram as iniciativas já em andamento pelo mundo com relação ao tema.

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Renato Godoy, do Instituto Alana, participou da abertura do 2º ENDC

Vários discursos e um único desafio: fazer com que a Constituição seja cumprida e que os meios de comunicação, concessões públicas, sejam usados para divulgar conteúdos educativos, informativos e culturais, sem monopólios e oligopólios.

Na fala da maioria dos convidados brasileiros estava a necessidade de entendermos a diferença fundamental entre a regulação democrática da mídia e censura que o país já viveu em décadas passadas. Foi lembrado que a regulação democrática se faz por meio de mecanismos democráticos como acontece em vários países do mundo. “A democratização da mídia é fundamental para o fortalecimento da democracia no país”, disse Rosane Bertotti, coordenadora nacional do FNDC.

Emiliano José, Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica no Ministério das Comunicações, representou o ministro Ricardo Berzoini, e disse que precisamos avançar para além da Constituição. “Mas se fosse respeitado, ao menos, o que determina nossa Constituição Federal já seria um grande avanço para o país”, lembrando do desrespeito aos direitos humanos e aos direitos das crianças que acontece diariamente na mídia.

Debarte Comunicação e Direitos da Infância no 2º ENDC

Desirée Ruas, da Rebrinc, Guilherme Fiúza Zenha, produtor audiovisual, e Bia Barbosa, do Intervozes

Debate sobre mídia e infância

A atividade autogestionada da Rebrinc e do Instituto Alana, “Comunicação e direitos da infância”, reuniu temas como publicidade infantil, classificação indicativa, políticas públicas para a produção audiovisual infantil e o desrespeito aos direitos humanos nos programas policialescos em exibição no país.

Renato Godoy, do Instituto Alana, que também participou da abertura do 2º ENDC, falou sobre a importância da defesa dos direitos da infância e da adolescência na mídia. Ele explicou o trabalho que vem sendo feito pelo Instituto Alana para que a resolução 163 seja cumprida e para a punição das empresas que continuam direcionando publicidade para a criança. A resolução 163 do Conanda reforça a proibição já existente no Código de Defesa do Consumidor que prevê a ilegalidade da publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”.

Classificação indicativa

Veet Vivarta, consultor da Rede ANDI América Latina, alertou para o grave retrocesso que podemos presenciar em breve com o possível fim do sistema de classificação indicativa. Uma ação no Supremo Tribunal Federal já possui quatro votos favoráveis à ação movida pelas empresas de comunicação. Ele lembrou que o relator da ONU para a liberdade de expressão, Frank La Rue, quando ainda ocupava o posto, considerou o sistema brasileiro da classificação indicativa, construído com amplo debate da sociedade, um exemplo para todo o mundo. Mas as empresas não aceitam ser multadas pelo descumprimento do sistema que, segundo elas, interferem na liberdade de expressão. Veet lembrou que a ideia de que o controle remoto deveria ser o único instrumento a ser usado para regular a mídia, um dos argumentos apresentados pelos juízes contrários à manutenção da classificação indicativa, retira a responsabilidade e o compromisso do produtor de conteúdo e os transferem para o telespectador. “Infelizmente, nós não temos nenhum esforço das emissoras com a implementação de políticas em favor da classificação indicativa, um mecanismo para proteção da infância. O que as empresas querem é nenhuma regulação ou interferência nas suas atividades”, finalizou Veet.

Debate Comunicação e Direitos da Infância no 2º ENDC

Veet Vivarta, da Rede Andi, Guilherme Fiúza, produtor audiovisual, Renato Godoy, do Instituto Alana e Bia Barbosa, do Intervozes

Programas policialescos

Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes, falou sobre o desrespeito aos direitos humanos que são praticados todos os dias nos diversos programas policialescos que tomaram conta da televisão brasileira. O detalhamento de crimes e a exposição de jovens suspeitos e de suas famílias são práticas comuns nestes programas que deixaram de ser esporádicos na TV. “Esse tipo de programa incentiva a população a apoiar a diminuição da maioridade penal”, afirma Bia. Ela explica que, com muitos anunciantes, a divulgação da violência passou a ser uma pauta lucrativa para as emissoras. “O Intervozes vem monitorando por meio de uma pesquisa os programas exibidos no rádio e na TV em dez estados brasileiros. Os impactos para quem está sendo exposto e para quem recebe o conteúdo são imensos e precisamos de uma regulação democrática da mídia que defenda os direitos humanos”, reitera. Para Bia Barbosa, a exposição da violência nos meios de comunicação e o desrespeito diário aos direitos humanos precisam deixar de ser naturais na mídia brasileira.

Produção audiovisual

Guilherme Fiúza Zenha, produtor audiovisual e diretor, dentre outros, do filme O Menino no Espelho, falou da importância da infância e do conteúdo que é produzido para ela. “Os canais comerciais não dão a importância devida para a programação infantil e a TV pública precisa ter um lugar de destaque nesse sentido, tanto em produções quanto em audiência”, comentou. “Precisamos de produções nacionais porque a criança se pergunta por que minha casa, minha escola e minha rua não são iguais às que aparecem no seriado e no filme que elas veem na TV”, lembrou Fiúza. Ele falou também como as crianças estão ligadas aos conteúdos audiovisuais e como as emissoras estão interessadas em conteúdos multiplataformas, que têm espaço na TV e na internet. Lembrou que precisamos pensar no conteúdo que é produzido para a criança na internet. “As opções de programação sem grade definida, que permitem a pessoa escolher o que vai ver, já são uma realidade hoje. Mas elas não são acessíveis para todos. A TV aberta necessita de qualidade de conteúdo para o público infantojuvenil”, comentou.

Também foi discutida a necessidade de se buscar políticas públicas que contribuam para a produção audiovisual infantil de qualidade na TV aberta sem depender de publicidade direcionada às crianças nos intervalos, seguindo exemplos de outros países como Alemanha e Inglaterra. O abandono da programação infantil pela TV aberta não é um reflexo da proibição da publicidade infantil com a resolução 163, como comentou Laurindo Lalo Leal Filho no artigo “O fim dos programas infantis na TV“, publicado no portal Carta Maior. “O abandono das crianças pelas emissoras comerciais exige uma resposta institucional. É necessário que no ato de outorga das concessões de TV exista uma cláusula obrigando as emissoras a reservarem espaços generosos e bem localizados de suas grades de programação ao público infantil”, escreveu Leal Filho.

Infância, mídia e consumo

Para Desirée Ruas, jornalista e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo, as muitas possibilidades de comunicação tornam ainda mais complexo o desafio de cuidar para que as crianças não sejam alvo de apelos para o consumo, violência, erotização e outros conteúdos que contribuem para a adultização da infância. No debate, ela falou sobre os temas mídia, infância e consumo e lembrou da necessidade de pensarmos o que a criança consome, seja alimento, roupas, livros e programação audiovisual. “É preciso garantirmos a proteção da infância, o que significa estarmos atentos à informação e à publicidade que chegam até ela. Ela frisou também como as manchetes de jornais impressos vendidos até por R$0,25 e os programas sensacionalistas contribuem para a adultização da infância. Nas bancas de jornais e na TV, a criança tem contato com conteúdos que não são saudáveis para sua faixa etária.

“Apesar de acreditarmos que precisamos diminuir a exposição das crianças às telas, defendemos que a TV aberta, como concessão pública, e que está disponível para todos, deve atender aos interesses da sociedade, com conteúdos que promovam a educação e a cultura, protegendo os direitos das crianças”, frisou Desirée. Ela defendeu a criação de políticas públicas que garantam conteúdos de qualidade na mídia lembrando que comunicação e a cultura andam juntas. Desirée Ruas defendeu a importância das pessoas apoiarem a manutenção da classificação indicativa, incentivarem uma programação infantil de qualidade na TV aberta e participarem de movimentos em defesa da criança, como é o caso da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc.

Apelos sobre crianças e jovens

O debate contou com participações de pessoas de várias partes do país que falaram sobre as dificuldades que as famílias e as escolas enfrentam para discutir consumo e mídia com crianças e adolescentes. Professores de escolas da zona rural e da zona urbana falaram como o consumismo interfere nas relações entre os alunos. “Aqueles alunos que têm os lápis de cor dos comerciais da TV sentam na frente e os que não podem ter sentam lá no fundo”; “todos querem ser amigos dos alunos que têm tablets”; “os celulares modernos são adquiridos por famílias de baixa renda após os insistentes pedidos e como forma de garantir que os filhos não sejam discriminados ou sofram bullying”, relataram alguns educadores.

Outros participantes descreveram as dificuldades entre a teoria e a prática para proteger a infância dos conteúdos com apelos sexuais. “Como vamos fazer com que uma família siga o sistema da classificação indicativa, que recomenda os conteúdos exibidos na TV de acordo com faixas etárias, em uma moradia de apenas três cômodos? São locais onde tudo o que acontece na casa é na frente de todos, inclusive da criança.” “Como vamos conversar com as crianças e com os adolescentes que têm acesso precocemente a diversos conteúdos por meio da internet e dos programas televisivos, como novelas e reality shows, sobre sexualidade? Como lidar com crianças que iniciam sua vida sexual aos dez anos de idade? De que forma podemos proteger a infância e a adolescência do mal uso dos aparelhos de celulares que facilitam o bullying e a exposição do próprio corpo, o que é feito pelos próprios jovens nas redes sociais?”

Além das angústias dos educadores, pais, mães e integrantes de movimentos sociais, também foram levantados a necessidade de uma educação para a mídia desde a infância, o fortalecimento da luta para erradicar o trabalho infantil e um olhar atento sobre a publicidade de cerveja. A cerveja, por não ser considerada bebida alcoólica pela legislação, tem sua publicidade exibida em qualquer horário na TV brasileira, o que tem grande impacto sobre a criança e o adolescente.

Juventude engajada

Como exemplo de como é possível ter o engajamento dos jovens no processo de construção de uma mídia mais democrática e responsável, alunas do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo, participantes do projeto Observatório da Mídia Regional do Instituto Alana, falaram sobre as suas pesquisas e do trabalho com oficinas de leitura crítica da mídia.

Sâmia Bechelane, do Fórum das Juventudes da Grande BH, também presente no 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, lembrou que “democratizar a comunicação envolve, entre outras coisas, iniciativas que promovam a diversidade e a pluralidade nos meios, como o estabelecimento de cotas de produção regional e mecanismos de financiamento para mídias alternativas”.

Para ela, tais mudanças favorecem diretamente grupos juvenis que se organizam para manter suas próprias formas de comunicação e inserir suas questões no debate público. “Além disso, é fundamental estabelecer mecanismos de enfrentamento à violação de direitos humanos na mídia – sabemos que os veículos tradicionais tendem a estereotipar e desqualificar a juventude, sobretudo jovens negros e pobres, muitas vezes representados como problemas sociais, criminosos ou suspeitos em potencial”, reforça Sâmia Bechelane.

O 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação permitiu um debate amplo sobre a necessidade de uma mídia democrática, plural, regional, e sem a concentração na mãos de poucos grupos como acontece hoje no país. Na ocasião, como resultado das discussões, foi formulada a Carta de Belo Horizonte (Leia aqui).

 

#2ENDC

Participantes do 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação: esforço coletivo pela democratização da mídia