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Por que permanecer na luta?

Por que permanecer na luta?

 

Porque fico incomodada quando olho para comerciais de internet móvel chamando crianças para permanecer conectadas a aparelhos o tempo todo, quando penso que deveriam estar conectadas à família, à terra, à rua, às praças, aos bichos e aos amigos. Conectadas ao cheirinho daquela comida feita por alguém especial, ao canto mágico dos passarinhos, à sensação de colocar o dedo na massa crua de bolo e ao sabor da comida preferida sendo apreciado com calma.

Porque fico assustada quando vejo pesquisas que apontam que o sedentarismo e a obesidade têm aumentado no Brasil e no mundo.

Porque não consigo entender pessoas que se vangloriam de ter consumido porcarias quando crianças e que dão para os seus filhos alegando que se elas não morreram, então não tem problema dar para eles.

Porque fico, sim, com o coração na mão quando vejo uma criança de menos de três anos consumindo, sozinha, um sorvete enorme do fast food mais famoso do mundo.

Porque sei que tem mãe que sabe, mas tem mãe que nem sonha que aquele leite em pó tão lotado de vitaminas e minerais não é tão maravilhoso assim e isso vale para todos os recheados e lanchinhos com desenhos estampados (ou não).

Porque alguma coisa me diz que quando coloco um eletrônico na mão de uma criança para que ela fique “mais calma”, ela está apenas acumulando energia, que depois se transforma em ansiedade, que depois acaba por ser medicada, quando tenho a impressão de que o melhor remédio seria o livre brincar.

Porque acho que ser adulto é ter responsabilidades, é trabalhar com coisas que nem sempre são o que queríamos para nós, é ter que ser sério em alguns momentos, é ter que tomar decisões que podem mudar radicalmente o rumo de nossas vidas. E, sinceramente, não acredito que nos nossos primeiros anos de vida já deveríamos entrar nesse ritmo e nesse modo de viver.

Porque eu sinto muito por, nos momentos de tédio de uma filha única, ao invés de ter lido Alice no país das maravilhas, Pinóquio, os contos dos Irmãos Grimm e Esopo, só para citar alguns, joguei vídeo game e assisti TV. Digo isso porque lembro com carinho das histórias que minha mãe contava (inventadas ou não), mas não lembro com a mesma saudade das tardes solitárias na frente do vídeo game. Hoje estou descobrindo a magia dos clássicos infantis, quando, na verdade, queria estar redescobrindo e retomando minha infância através deles.

Porque no condomínio onde morei durante parte da minha infância e adolescência, não vejo mais as crianças brincando de esconde-esconde (pique-esconde), pega-pega, elástico, corda, bola, bandeirantes, sete pecados, carimba (queimada) ou pedrinhas. Vejo crianças sentadas em bancos, ora mexendo no celular ora conversando sobre o que viram nas conversas que participaram no celular.

Permaneço na luta principalmente porque a infância (ou infâncias, como preferir) é vista pelo mercado, e pelos grandes que estão por trás dele, como lucrativos nichos de mercado, apenas. E se não permanecermos, quem permanecerá?

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Imagem: tela Cabra-cega de Otaciano Arantes (1978)

 

Colunista Rebrinc

* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:

Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

Leia também outros textos da colunista Débora Figueiredo:

Os gigantes continuam sendo humanos

Quaresma de 2015: crianças no olho do furacão

Para refletir: sobre mães, consumo e lembranças

 

 

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