Infância: especialistas falam dos prejuízos da exposição a conteúdos adultos
Quem decide o que as crianças podem assistir? Qual é o papel dos pais no acompanhamento dos conteúdos exibidos na TV aberta e por assinatura? E o que acontece quando os pais levam seus filhos para ver filmes com Classificação Indicativa não recomendada para eles?
O sistema de Classificação Indicativa, do Ministério da Justiça, existe para ajudar as famílias. Os conteúdos de TV, vídeo, cinema e jogos eletrônicos recebem uma avaliação indicando a faixa etária que não é recomendada, o que contribui para que pais e responsáveis possam decidir com mais segurança sobre programas e filmes. É uma informação que tem como base a avaliação do uso de drogas, cenas de sexo e de violência presentes na obra audiovisual.
Uma ação no Supremo Tribunal Federal pode acabar com a Classificação Indicativa já que as emissoras não querem a associação entre as faixas etárias com as faixas horárias, e questionam a constitucionalidade do artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que define as multas. Organizações e movimentos em defesa da infância mobilizam a sociedade para a manutenção da Classificação Indicativa, alertando sobre o iminente retrocesso.
Para o pedagogo Leopoldo Nogueira Paqonawta, Mestre em Educação e Comunicação pela UFSC e Doutorando em Educação e Infância pela mesma instituição, se as emissoras de TV não respeitarem o sistema, elas devem continuar sendo punidas com as penalidades previstas em lei. Sem as multas, ele teme o aumento dos conteúdos inadequados para crianças a qualquer hora do dia, contribuindo ainda mais para a adultização e a erotização precoces.
Papel da família
Leo Nogueira acha que é inconveniente, inadequado e questionável que pais permitam que as crianças assistam conteúdos que foram convencionados impróprios a elas. “Mas o pátrio poder é dos pais e cabe ao Estado (União) e à sociedade promover a conscientização sobre o que as crianças e os jovens em formação não estão preparados para assistir. Crianças e jovens que têm acesso a conteúdo inadequado, permitido por seus pais, podem estar crescendo, mas não amadurecendo na plenitude de seus direitos humanos, propensos a não serem emocional ou psicologicamente sadios”, alerta Leopoldo. Ele completa: “quando esses pais definitivamente não fazem a mediação ou o diálogo indispensável no momento da exibição dos conteúdos, creio que a situação piora ainda mais. Há um prejuízo, muitas vezes quase irremediável, quando se tornam adultos que não sabem lidar consigo mesmos e com o próximo em bases de respeito à dignidade”. E o pedagogo vai além e questiona: “adultos misóginos, homofóbicos, sexistas, violentos, abusadores psicológica e fisicamente etc. não “aprenderam” também a serem assim com a colaboração de programas inadequados em horários que assistiam TV quando eram crianças?”
Adultização precoce
Para a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira, a mídia é uma ferramenta poderosa no que se refere à adultização. “Nas TVs, nas redes sociais e em outros tipos de mídia, o público infantil é exposto diretamente a conteúdos invasivos, muitos deles fugindo à capacidade emocional e ao arcabouço psíquico da criança para entender e elaborar tais informações. Mas tais mensagens da mídia são passadas de forma que valorizam determinados comportamentos adultizados, o que leva a criança a desejar e repetir tais atitudes em sua vida cotidiana, mesmo não dando sentido ao que está fazendo”, explica Cristina. Ela frisa que o simples fato de um reforço positivo nesses valores e comportamentos divulgados pela mídia faz com que a criança obedeça à mensagem e se comporte como o demonstrado.
Crianças nos cinemas
Nem sempre filmes sobre super-heróis ou animações são para crianças. Recentemente a Pixar anunciou sua primeira animação apenas para adultos mostrando que a linha que divide o que é próprio para crianças e o que não é, às vezes, cria confusão na cabeça de pais e responsáveis. O caso do pai que levou seu filho de 11 anos para ver o filme do ursinho de pelúcia Ted ou do recente super-herói Deadpool mostram que nem sempre as pessoas estão atentas para a Classificação Indicativa nas salas de exibição.
Mesmo sem a idade recomendada, não há impedimento para a entrada de crianças e adolescentes no cinema que estiverem na companhia dos pais, qualquer que seja o filme. Para Cristina Silveira, especialista em infância, é impensável e inaceitável que pais, que deveriam proteger seus filhos contra as invasões desse tipo, sejam os primeiros a expor as crianças. “Elas não possuem capacidade de julgamento formado, a ponto de discernir o que é verdade, daquilo que não é.”
Sobre os noticiários policialescos que invadem os lares a qualquer hora do dia, com crimes e violência, Cristina alerta sobre o papel dos adultos filtrando o que é adequado ou não. “A criança confia nos adultos e, por isso mesmo, esses noticiários são uma violação e uma invasão psíquica, de consequências sérias para as crianças”, enfatiza.
Riscos da internet
Seja nas salas de cinema ou na TV aberta ou por assinatura a recomendação é não permitir que as crianças e os adolescentes tenham acesso a conteúdos não indicados para sua idade. Além da televisão, aberta e por assinatura, jogos eletrônicos e de interpretação e o mercado de cinema e vídeos estão sujeitos à Classificação Indicativa. A internet continua sendo um grande desafio para as famílias pois não há informações, como faz a Classificação Indicativa, auxiliando na escolha de sites e blogs para pesquisas escolares ou para a diversão de crianças e adolescentes.
Ela diz que não é fácil mas é papel dos pais buscar proteger a infância de conteúdos adultos. “Eles devem estar atentos a esse acesso inadequado dos filhos a conteúdos impróprios para a idade de cada um. A TV e a internet são meios de comunicação de fácil acesso e, por isso mesmo, as crianças modernas têm facilidade de manipulação dos mesmos. Principalmente na internet, a família deve, além do diálogo constante alertando sobre os prejuízos e perigos, impor limites ao acesso e estar muito vigilante, utilizando também recursos tecnológicos de bloqueios e de vigilância constantes”, sugere Cristina Silveira.
Por: Desirée Ruas – Rede Brasileira Infância e Consumo
Imagem: Filme Ted – Divulgação
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