II Fórum Cultura Infância acontece no Rio de Janeiro
“Pensamos que o objetivo da vida não é ser adulto, que a juventude é um marco de possibilidades, mas que nós, jovens, somos invisíveis para nos expressarmos em relação à realidade. A adolescência é muitas vezes considerada como o meio do caminho, não há incentivo para vivê-la plenamente. Então os jovens só têm a opção de ser adultos rapidamente, pois ser criança, aparentemente, seria regredir na vida. Pensamos que o jovem e a criança não apenas se alimentam de cultura, mas também produzem, fazem parte dela. No entanto por que grande parte dos programas culturais nos subestimam? Medo do que possamos vir a ser?”, indagam os estudantes da Escola Sá Pereira, do Ensino Fundamental,
participantes do I Fórum Nacional Cultura Infância em 2014
Nos dias 10 e 11 de abril, acontece no Rio de Janeiro o II Fórum Nacional Cultura Infância, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura. O evento será no Centro de Referência Cultura Infância/Teatro Jockey.
O Grupo de Trabalho Nacional Cultura Infância reúne profissionais da área em um encontro de diálogo, articulação em rede nacional e escuta pública para o aprofundamento do documento elaborado em 2014: Uma política pública para a Cultura da Infância, transversal e “multidisciplinar”, com o objetivo de implementação desta política nas esferas governamentais.
Futuro incerto
Além de atividades culturais e artísticas diversas, durante o evento, acontece uma exposição com um recorte dos 10 anos do Centro de Referência Cultura Infância. A exposição ficará em exibição permanente no Centro de Referência Cultura Infância/Teatro Municipal do Jockey.
Artistas e frequentadores do Centro de Referência estão preocupados com o futuro do espaço após a notícia da rescisão do contrato por parte da prefeitura com o Jockey. O atual Secretário de Cultura do Rio de Janeiro Marcelo Calero declarou: “se é para pagar aluguel, prefiro investir numa área da cidade onde não há tantos teatros públicos”.
A fotógrafa Andrea Nestrea diz que perdeu a conta de quantos espetáculos maravilhosos registrou no local. “Devo ao Centro de Referência Cultura Infância Rio, que nasceu e cresceu naquele espaço, todo esse aprendizado que é fotografar espetáculos. Além do Centro de Referência, o teatro abriga um dos festivais mais incríveis do Rio de Janeiro, o FIL – Festival Internacional Intercâmbio de Linguagens. Fechar um teatro já seria um absurdo, mas esterilizar um teatro com uma programação viva, extensa, intensa, que abriga oficinas, residências artísticas, encontros, peças, shows e que prioriza, fundamentalmente, uma programação voltada para a formação de um público infantil me parece um absurdo completo”, desabafa. (Não ao fechamento do Teatro do Jockey no Facebook).
I Fórum
Além do problema da perda de espaços, como anda a cultura dedicada à infância no Brasil? Quais as políticas públicas que garantem que meninos e meninas produzam cultura e também tenham acesso às produções culturais no país?
O I Fórum Nacional Cultura Infância, realizado em setembro de 2014, foi uma oportunidade para se pensar no tema e apresentar propostas para ajudar a mudar a atual situação. O evento, realizado no Rio de Janeiro dentro da programação do 12º FIL Festival Internacional de Intercâmbio de Linguagens, nos dias 23 e 24 de setembro de 2014, contou com a participação de artistas, produtores, pesquisadores, educadores, gestores públicos e privados, estudantes, em discussões sobre a cultura feita para e por crianças e adolescentes.
O evento realizou a I Oficina de Sistematização do Plano Nacional de Cultura, que produziu um documento sobre o desenvolvimento das metas específicas do setor, a Carta do Rio. O documento busca ampliar as metas da cultura infância assim como estabelecer ações objetivas para os próximos dez anos, visando a implementação da Cultura Infância transversal e multidisciplinar em todo o país. O texto da Carta do Rio está dividido em quatro eixos temáticos: tempo, espaço, linguagem e educação. Em cada um deles, há três sugestões de encaminhamento. A Cultura Infância acolhe manifestações e processos culturais e artísticos produzidos por crianças, adolescentes e adultos, além de processos de participação e criação coletiva, que visam investigar e pensar a infância. Compreende o brincar como a principal linguagem e manifestação da infância, assim como também contempla as linguagens e manifestações artísticas e culturais que têm a criança e o adolescente como produtores, gestores e público de produções e processos, sejam eles contemporâneos, tradicionais, eruditos, populares, étnicos, entre outros.
A ideia do documento também é assegurar que todos os estados e municípios que aderiram ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) prevejam metas, programas, ações e dotações orçamentárias para a cultura da infância. Além disso, o texto sugere a criação de 100 Centros de Referência Cultura Infância, para onde convergiriam as políticas públicas voltadas à cultura da infância no Brasil.
Para Karen Acioly, idealizadora do FIL e do Fórum Cultura Infância, a sociedade precisa entender a importância da implementação da cultura infância transversal e multidisciplinar em todo o país. Karen, que também integra a Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, se preocupa com a forma como os estímulos consumistas interferem na cultura da infância. Ela explica que as crianças são estimuladas a ‘consumir cultura’ de shoppings e de bens, ao invés de bens culturais. “Ao ‘consumir’ esse tipo de cultura – lembrando que cultura é uma relação dinâmica entre homem, sociedade, tempo e espaço – a criança não se percebe como produtora de conhecimento. A criança recebe ‘lixo cultural’ como ouro através das mãos dos adultos que, a princípio, deveriam ser mãos confiáveis, visto o respeito que as crianças nutrem pelo saber dos adultos”, lamenta Karen Acioly.
O documento esteve na pauta da 25ª Reunião Ordinária do plenário do Conselho Nacional de Política Cultural, CNPC, que ocorreu nos dias 24, 25 e 26 de novembro de 2014, em Brasília. Sobre a apreciação da Carta do Rio, o CNPC informou que um relatório executivo ainda será disponibilizado com as principais deliberações.
Leia entrevista com Clarice Cardell, que representou o I Fórum Cultura Infância e fez a leitura da Carta do Rio durante a última reunião do CNPC.
História do Centro de Referência Cultura Infância/Teatro do Jockey
Sem saber o futuro do espaço, Karen Acioly, fundadora e diretora artística do Centro de Referência, conta que “a história do Centro é a trajetória de um lugar transformado em espaço, a partir da ação e do movimento de muitas pessoas que acreditaram – e continuam acreditando – ser possível um lugar de excelência para o que melhor se produz nas artes integradas, na multidisciplinaridade, para crianças (desde a mais tenra infância), adolescentes, jovens e toda a família.”
A ideia de se criar o Centro de Referência no Rio de Janeiro nasceu em 2001, quando Karen percebeu que não existia nenhum espaço público na cidade dedicado à sensibilização e à formação de novas plateias, onde houvesse continuidade e sistematização de ofertas variadas de programação de qualidade que proporcionasse o “cruzamento de universos artísticos”.
Ela conta que pouco a pouco foi ganhando adesões e a proposta emplacou em 30 de março de 2003, quando a então Secretaria Municipal de Cultura (gestão Ricardo Macieira/Miguel Falabella), decidiu abraçar a causa.
“A abertura do espaço se deu com o espetáculo “Sinfonieta Braguinha”, que contava com oito solistas, a Orquestra Sinfônica Brasileira (jovem) e eu mesma, como narradora dos maravilhosos contos musicados dos disquinhos infantis de Braguinha. Neste mesmo ano estreou a primeira ópera para bebês no Brasil: “Bagunça, a ópera baby”, que escrevi e dirigi com um pouco de medo de não haver publico. Resultado: sucesso de público e crítica”, relembra.
O Centro de Referência funcionou como um espaço de sistematização de ações voltadas ao público infantil, mesmo que, atendesse ainda a programação noturna voltada para o publico de adolescentes, jovens e toda a família. “Os primeiros tempos foram de muitas dificuldades e muita criatividade, a exemplo da campanha “Enquanto a poltrona não vem” (2004), responsável por angariar doações de almofadas entre crianças, pais e muitos, muitos artistas, devido a falta de poltronas confortáveis no teatro e a ausência de verba para comprá-las. Numa trajetória de altos e baixos pelo estabelecimento de um espaço cultural multidisciplinar para crianças e jovens, em 2009, o Centro de Referência do (então) Teatro Infantil, esteve ameaçado de fechar pela carência absoluta de recursos, conseguindo recuperar o fôlego graças a persistência de uma equipe capacitada e coesa no estabelecimento de parcerias, convencimento do poder público e diálogo com a comunidade artística e acadêmica sobre os sentidos e importância da Cultura Infância”, conta Karen.
Em 2009, o Centro de Referência do Teatro Infantil, passou então a se chamar Centro de Referência Cultura Infância. “Em pioneira iniciativa, anunciando que a cultura da convergência chegaria ao Rio de Janeiro, a pleno vapor! Em 2012, por 10 meses as ações do CRCI são suspensas. Em Dezembro de 2012, as ações são retomadas graças ao convite do Prefeito Eduardo Paes, dessa vez com aporte financeiro e apoio do então Secretário de Cultura, Sergio Sá Leitão”, explica.
Karen Acioly frisa que o Centro de Referência Cultura Infância/Teatro do Jockey abrigou e abriga em sua história, expoentes da cultura Infância – de excelência – para crianças e jovens e tem o compromisso de manter em sua programação o alto nível das produções, recebendo novos autores, diretores, artistas visuais, cineastas, estimulando o surgimento de novos conteúdos, dramaturgias e pesquisas em linguagens artísticas, intercâmbios nacionais e internacionais.
De março de 2003 a março de 2015 foram 885 atrações, entre espetáculos, oficinas (multidisciplinares) , workshops, exposições, projeto-escola, ateliers de bi-nacionalidade e pesquisas de linguagens. O público estimado (crescente, principalmente nos 3 últimos anos, com aporte da Secretaria Municipal de Cultura) foi de 444.000 espectadores entre 2003 e 2014, num teatro com capacidade de 135 lugares. As linguagens beneficiadas foram o circo contemporâneo, circo tradicional, dança, música (em diversos estilos), teatro, teatro de marionetes, teatro do objeto, teatro de máscaras, teatro digital, teatro físico, tradição popular, mix de linguagens, ópera, mímica, artes visuais, cinema, novas mídias.
Conheça o trabalho do Centro de Referência Cultura Infância.
Conheça a Carta do Rio para Cultura Infância:
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2014.
Esta carta foi elaborada com base nas discussões realizadas no Centro de Referência Cultura Infância – Teatro Jockey – Rio de Janeiro, entre 23 e 24 de setembro de 2014, por ocasião do I Fórum Nacional Cultura Infância.
A Cultura Infância acolhe manifestações e processos culturais e artísticos produzidos por crianças, adolescentes e adultos, além de processos de participação e criação coletiva, que visam investigar e pensar a infância.
As discussões foram divididas nos eixos: Tempo, Espaço, Linguagem e Educação, que tiveram a intenção de atender a todas as crianças e adolescentes brasileiros, seja por ações e estímulos criados e produzidos por eles, seja por estímulos e reconhecimento de artistas, produtores, educadores e pesquisadores dedicados à infância.
Foram priorizadas três diretrizes por eixo, a partir da sistematização do acúmulo de diretrizes, propostas e metas produzidas desde 2008, no âmbito do Ministério de a Cultura. A fim de criar um alinhamento conceitual e teórico destas propostas, entende‐se que a
Cultura Infância compreende o brincar como a principal linguagem e manifestação da infância, assim como também contempla as linguagens e manifestações artísticas e culturais que têm a criança e o adolescente como produtores, gestores e público de produções e processos sejam eles contemporâneos, tradicionais, eruditos, populares, étnicos, entre outros.
Ainda foi considerado que, as manifestações e processos culturais e artísticos, sejam eles infantis e/ou dedicadas às crianças, são importantes e essenciais vias de interpretação, significação e entendimento do mundo.
As propostas de todos os eixos reconhecem a criança e o adolescente como prioridade absoluta, com base no artigo 227 da Constituição Federal Brasileira/88. Atendem também ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, LEI 8069/90) que entende as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos que, principalmente, os reconhecem como cidadãos e agentes de cultura em toda sua complexidade, que oferecem contribuições relevantes e essenciais para o desenvolvimento humano e cultural do país, devendo assim legitimar a Cultura Infância como manifestação cultural brasileira. Ainda foi destacada a importância de relacionar as propostas a toda possível diversidade de iniciativas, grupos e programas dedicados à infância em âmbito municipal, estadual, distrital e nacional, de modo a garantir que as mesmas contemplem as dimensões regionais e nacionais, suas necessidades, autenticidade e criatividade e, além disso, a inovação permanente e contínua de ações e novas propostas.Deve, assim, nunca estar relacionado a um único programa de governo já existente, ao contrário, todas as ações e propostas deverão ganhar caráter articulador e agregador como política pública de Estado entre todas as iniciativas. Para tanto, torna‐se necessária a inclusão da representação da Cultura Infância no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC).
Propomos ao Ministério da Cultura e ao CNPC a inclusão de três metas na revisão do Plano Nacional de Cultura:
1- Criar o Fundo Nacional Cultura Infância que garanta a implementação, realização e fomento das políticas públicas culturais para a infância, contemplados no PNC pela Meta 47, de forma transversal e transdisciplinar;
2- Criar 100 Centros de Referência Cultura Infância para a convergência das políticas públicas voltadas à Cultura Infância (transversal e multidisciplinar) em todo território nacional;
3- Assegurar que 100% dos estados e municípios aderidos ao Sistema Nacional de Cultura prevejam metas, programas, ações e dotações orçamentárias para Cultura Infância.
Esta carta foi redigida coletivamente durante a plenária de conclusão do I Fórum Nacional Cultura Infância com contribuições de representantes de diferentes regiões do Brasil, da sociedade civil organizada, dos Pontos de Cultura, Pontinhos, artistas, produtores, gestores públicos e privados, pesquisadores, universitários, educadores, crianças e adolescentes.
Eixo Tempo:
Dimensões contempladas: O Brincar, Tempo e infância, Infância e memória.
1- Garantir o tempo presente da criança para brincar. Incentivar e estimular os adultos à prática lúdica, para que compreendam e se sensibilizem para o universo da infância. Criar núcleos de documentação e prática da Cultura da infância: mapeamento, registro, preservação, valorização, acesso e disponibilização à Cultura tradicional da Infância (brinquedos e brincadeiras) de todo o país, integrando esse acesso às novas tecnologias.
2- Reconhecer, declarar e assegurar o exercício e tempo da infância em constante criação e recriação, dando visibilidade e prioridade absoluta à sua cultura.
3- Garantir o compartilhamento e troca entre as várias gerações e entre os mestres da Cultura da Infância, detentores dos saberes relacionados aos brinquedos e brincadeiras.
Eixo Espaço:
Dimensões contempladas: Todos os espaços são entendidos como espaços potentes de cultura e cidadania, e a questão geográfica e territorial foi destacada para garantir o reconhecimento da diversidade em cada modo de viver, de estar e conviver na cidade e nos ambientes, sejam eles rurais, urbanos, do interior, das pequenas, médias e grandes cidades do país. Vale ainda ressaltar que o espaço foi entendido de maneira ampla, onde estão contemplados espaços públicos, espaços abertos, fechados, virtuais e a natureza.
1. Criar, equipar, manter, cuidar, reconhecer e ampliar, de forma continuada, espaços públicos, inclusive os virtuais, voltados para a cultura infância, seguros, saudáveis e acessíveis, que valorizem o brincar livre, a arte e o contato com a natureza.
2. Democratizar o acesso à cultura e expressão das crianças e adolescentes nos espaços e equipamentos culturais, favorecendo a convivência familiar, comunitária e intergeracional, respeitando a diversidade e as diferenças, valorizando as múltiplas linguagens artísticas, e a troca de fazeres e saberes.
3. Criar e fortalecer políticas públicas continuadas de fomento e investimento, em níveis municipais, estaduais e federal, voltadas especificamente para criar, equipar, manter, reconhecer e melhor aproveitar os espaços existentes
(escolas, bibliotecas, museus, teatros, cinemas, pontos de cultura, praças, parques, entre outros), e projetos específicos para criação, manutenção, mobilidade e ocupação dos espaços destinados à Cultura Infância, distribuídos por todas as regiões do Brasil.
Eixo Linguagem:
Dimensões contempladas: fomento, formação, estímulo, manutenção, circulação, intercâmbio e reconhecimento.
1. Garantir diferentes mecanismos anuais de financiamento e estímulo para criação, produção, manutenção e circulação de produções que tenham a criança e o adolescente como público e como agente de cultura.
2. Assegurar que os estados e municípios aderidos ao Sistema Nacional de Cultura prevejam metas, programas, ações e dotações orçamentárias para Cultura Infância.
3. Criar, reconhecer e apoiar redes nacionais de artistas, produtores, educadores e pesquisadores dedicados à infância, contemplando ações de formação, articulação e intercâmbio, tais como: mapeamento de iniciativas, laboratórios criativos, seminários, festivais, mostras, oficinas e residências artísticas em âmbito regional, nacional e internacional.
Eixo Educação:
1. Identificar, promover e fomentar ações culturais que reconheçam as crianças e adolescentes como geradores, produtores e gestores de cultura em seus processos formativos (formais e não formais);
2. Garantir processos dialógicos, continuados e transversais de formação em cultura da infância e arte como via de interpretação, significação e entendimento do mundo, para todos os agentes educativos (educadores, mediadores, gestores), contemplando as linguagens das artes, as culturas tradicionais de matrizes africanas e indígenas, as culturas populares, a diversidade biocultural e a acessibilidade;
3. Fomentar a formação de crianças adolescentes e educadores nas diferentes linguagens da arte por meio do incentivo das ações curriculares e extracurriculares de fruição e criação artísticas nas escolas e espaços públicos culturais, e do estimulo a continuidade de ações já existentes, de forma a garantir a experiência da arte na infância, em sua diversidade geográfica, histórica e estética.