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Classificação Indicativa no STF: os votos dos Ministros Dias Toffoli e Edson Fachin

Classificação Indicativa no STF: os votos dos Ministros Dias Toffoli e Edson Fachin

 

Raquel Gutierrez de Azevedo* – Advogada, graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Pós-Graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo.

 

O sistema de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça pode ser alterado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº2404 que tramita no Superior Tribunal Federal (STF). A ADI baseia-se na discussão da constitucionalidade do Artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é respaldado pelo Princípio da Proteção Integral, disposto no Artigo 227 da Constituição Federal, diante do direito da liberdade de expressão, trazido pelo Artigo 5º, IX. O Artigo 254 determina que quem transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação” está sujeito à “multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.”

A proposição da ADI se deu pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) alegando que a expressão “em horário diverso do autorizado”, presente no Artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, destoa de nossa Constituição. Isso porque, segundo a Ação, a conduta de exibir programação sem a Classificação Indicativa e em horário diferente do autorizado passível de punição é uma “censura disfarçada”, que implica em controle estatal da gestão de programas e sua exibição. Na qualidade de amicus curie, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) pediu que também se declarasse inconstitucional a expressão “a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”, presente no mesmo artigo.

O primeiro Ministro a proferir seu voto foi o também Relator da Ação, Dias Toffoli, e o fez de maneira nada favorável aos defensores da manutenção da Classificação Indicativa como medida fundamental e indispensável de proteção à infância e à adolescência.

Em seu voto, explica que o pleno exercício da liberdade de expressão é decorrente dos mais variados direitos fundamentais, sendo inadmissível qualquer forma de disciplina ou autorização prévia, salvo o disposto pela própria Constituição Federal. Também considera que decidir o horário da exibição do programa consiste na dimensão formal da manifestação do pensamento, ou seja, da forma com que será feito. Portanto, qualquer tentativa estatal de intervir nessa decisão seria uma espécie de censura.

Para ele, apenas a simples presença do aviso da Classificação Indicativa em todo programa é suficiente para proteger a infância, sendo abuso de poder qualquer vinculação de horário. Ao manter a expressão “fora do horário autorizado”, o artigo ganha caráter impositivo – consequentemente, inconstitucional – e não meramente indicativo, como o permitido na Constituição. Para não cair em censura velada, cabe ao Estado fornecer todos os meios de informação aos pais, dando-lhes “educação” e autonomia para decidir o que é pertinente de ser visto por seus filhos. Observa que as próprias emissoras se sentiriam desconfortáveis em exibir programas para maiores de 16 ou 18 anos em horários com audiência majoritária de crianças e adolescentes.

Como consequência prática, as emissoras seriam apenas obrigadas a informar a respectiva classificação de um programa, conforme indicada por órgãos governamentais, podendo exibir o programa em outro horário caso discorde do indicado, sem qualquer consequência jurídica, desde que mantenha os pais cientes do real teor de seu conteúdo. A parte favorável do voto foi a manutenção de todas as penalidades impostas caso algum programa seja exibido sem sua respectiva classificação, e a possibilidade de recorrer ao Judiciário para ver aplicada multa ou suspensão do programa por dois dias.

Os ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia e Ayres Brito (aposentado) concordaram integralmente com o voto de Dias Toffoli. No entanto, em novembro de 2015, o Ministro Edson Fachin discordou em parte de seus colegas e votou pela interpretação conforme a Constituição da expressão discutida, ao invés de declarar sua nulidade.

Inicia seu voto concordando com os demais colegas de que em hipótese alguma a censura é tolerada por nossa Constituição Federal. Contudo, ressalva que caso o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente seja interpretado conforme os Artigos 5, §2º e 220 da Constituição Federal e o disposto no Pacto de São José da Costa Rica, os dois direitos seriam harmonizados, sendo desnecessária a declaração de inconstitucionalidade e consequência nulidade pleiteada.

Com relação à Liberdade de Expressão, o Pacto de São José da Costa Rica dispõe o seguinte em seu Artigo 13, §14: “A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.”. O Ministro faz uma ressalva que na língua inglesa e espanhola o termo “censura” pode significar tanto um juízo indicativo quanto uma proibição de divulgação. Ao utilizar o termo “autorização”, o Estatuto da Criança e do Adolescente estava se referindo ao juízo indicativo explicado acima. A Corte Interamericana de Direitos Humanos também reconheceu que o disposto pelo Artigo 13, §4º do Pacto de São José da Costa Rica, em seus estritos limites é a única hipótese que permite relativizar a liberdade de expressão.

Ainda considera que foi recomendado pela UNESCO aos países membros da ONU que estabeleçam um horário “divisor de águas” para a exibição de conteúdos impróprios à moral de crianças e adolescentes, já aderido por diversos países, entre eles os Estados Unidos.

A junção do horário divisor de águas com o sistema de Classificação Indicativa usado no Brasil é uma forma eficaz de garantir que o acesso às programações tenha um controle adequado. Não há ofensa desproporcional à liberdade de expressão pois em nenhum momento a emissora é impedida de exibir o programa, apenas tem seu horário do acesso controlado.

Conclui que interpretar o vocábulo “autorizado” conforme a Constituição é entender que ele não impede e exibição dos programas, mas apenas estabelece regras indicativas para o horário permitido. Portanto, é necessário manter a expressão “em horário diverso do autorizado”, pois ela possibilita que sejam aplicadas as devidas sanções às emissoras que não só desrespeitaram o dever de informar a Classificação Indicativa do programa, mas também para as que exibirem conteúdos em hora imprópria.

Inobstante, o Ministro Edson Fachin também vota pela procedência da ação, alegando que qualquer interpretação diversa da que sustentou – no sentido de proibir que o programa seja exibido – seja declarada nula e inconstitucional. Sua sustentação foi ao encontro da possibilidade de harmonizar o direito à liberdade de expressão com a divulgação da Classificação Indicativa e manutenção do “horário divisor de águas”.

Ainda aguardamos os votos dos demais Ministros, que podem concordar com o de um dos seus colegas ou trazer algo novo. Embora ambos os votos declarem que a ação é procedente, produzem efeitos práticos totalmente diversos. Pela lógica do primeiro voto, as emissoras são aconselhadas a não exibirem determinadas cenas em certos horários, sem nenhuma sanção para casos de desobediência. Apenas com o segundo voto, que mantém como meios sancionatórios a manutenção da multa e suspensão do programa, poderemos ter a certeza de que cenas próprias apenas para adultos não serão inseridas durante todo o dia. Cabe à sociedade continuar manifestando seu desejo da manutenção integral do Artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme o voto do Ministro Edson Fachin.

O respeito à Classificação Indicativa e ao horário divisor de águas não traz prejuízo algum às emissoras, mas ele se tornará presente caso o cenário seja invertido, e o acesso facilitado pelas programações inadequadas expostas em qualquer horário fragilizaria ainda mais o “efetivo” cumprimento da proteção integral. É total irresponsabilidade exigir apenas dos pais o controle do que é visto pelos filhos na televisão, pois essa é uma tarefa conjunta com o Estado e sociedade, e nossa luta é para que assim continue, com a manutenção e afirmação da Classificação Indicativa e sua constitucionalidade.

 

Para saber mais:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Amicus curie – Amigo da Corte”. Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa. Plural: Amici curiae (amigos da Corte).

Pacto de São José da Costa Rica

Acesse aqui: voto do Ministro Dias Toffoli

Acompanhe aqui: tramitação da ADI 2404

 

Publicado em 06/03/2016

Imagem: Arquivo STF

 

* Saiba mais sobre a colunista Raquel Gutierrez.

Colunista Rebrinc Raquel Gutierrez

Sou advogada e acabei de me formar. Tento acreditar que minha profissão é bem mais do que me cercar por papéis e processos. Me interesso por qualquer tema que envolva Direito de Crianças e Adolescentes, especialmente os que tratam de sociedade em rede e de consumo, adultização precoce e influência da mídia perante as crianças e seus padrões de comportamento – inclusive identidade de gênero. Espero ajudar na desconstrução dessa sociedade louca e individualista, tentando ao máximo dar prioridade absoluta e proteção integral às crianças e adolescentes, como concordamos em fazer ao promulgarmos nossa Constituição Federal.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.