Mata do Planalto: uma luta pelo direito ao verde e pela infância
Por Desirée Ruas – Jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade
Como preservar as áreas verdes que sobreviveram ao crescimento das cidades, ao avanço do concreto e do asfalto e que resistem à especulação imobiliária? E quais as contribuições da mídia e da escola para este debate? Qual a relação entre a proteção à infância, a educação ambiental e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado?
Vamos a um exemplo concreto? E quando a sua filha chega em casa contando que a professora de Ciências levou para ser trabalhada em sala de aula uma reportagem sobre a Mata do Planalto (uma área de Mata Atlântica ainda preservada com mais de 120 mil metros quadrados que abriga inúmeras nascentes em Belo Horizonte)? Você pensa: que notícia boa! Afinal, você atua na defesa da área. Mas em seguida você descobre que a professora defendeu a construção de prédios no local. Segundo ela, “como está escrito no jornal” não tem problema construir dois condomínios com 760 apartamentos na Mata do Planalto já que parte da área será transformada, pela construtora, em um parque para a população. Mas, como assim?
Precisamos falar sobre educação ambiental, sobre aulas de Ciências, sobre as falsas verdades que circulam pela mídia, sobre o marketing das empresas, sobre o poder econômico que tenta se sobrepor a todas as causas, sobre o verde da minha cidade. Mas pode também ser o verde da sua cidade. Aquela pequena ou grande região perto de onde você mora que muda com as estações do ano, que dá flor, fruto, que atrai pássaros e borboletas, aquele cantinho que tem vida. Vida que o concreto, o asfalto e os grandes empreendimentos querem sufocar.
E, quando a mídia, que é financiada também por construtoras, coloca o foco na promessa da criação de um parque feito pela construtora? E quando as pessoas não conseguem ver os impactos ambientais de dois grandes paredões de apartamentos que serão colocados dentro de uma área verde? E quando as pessoas não enxergam o papel da Mata, mesmo sem visitação, que é a preservação das nascentes, das espécies vegetais e animais, garantindo a permeabilidade do solo, influenciando o clima local, sendo um banco de sementes de diversas espécies… É a vida sendo preservada pela comunidade que sempre morou ao redor, e que hoje cuida e quer manter aquele refúgio ali. E que sabe que não se pode permitir a perda de nem uma pequena parte da vegetação porque já perdemos demais.
O que dizer da escola que usa uma reportagem sobre o tal parque para falar sobre áreas verdes do espaço urbano? Sucessivamente a visão distorcida do valor da natureza vai se cristalizando. Primeiro falta leitura crítica da mídia e segundo não vemos participação das escolas nas discussões sobre um tema que é de toda a cidade. (Leia sobre o tema aqui: Não, nós não estamos)
Somos também levados a acreditar que o poder público não tem condições de criar e manter parques e que toda a cidade precisa ser privatizada. Somos levados a acreditar que um espaço que não está aberto à visitação não está cumprindo o seu papel como se a natureza tivesse sempre que servir ao ser humano. Somos levados a acreditar que a especulação imobiliária é que manda nas cidades e que não há saída a não ser derrubar o verde e também casas antigas que guardam muito da nossa história para dar lugar a mais prédios.
Em fevereiro, os integrantes do movimento Parque Augusta estiveram em BH falando sobre a mobilização deles por lá. Falaram da luta pelo direito ao verde. São diversos coletivos pelo Brasil trabalhando pelo mesmo ideal. E isso não é apenas uma luta para beneficiar quem é vizinho a uma determinada área, é uma mudança de paradigma e uma forma de revermos nossas prioridades. Isso impulsiona mudanças na legislação e muda todo o cenário das áreas verdes que ainda restam e que precisam ser integralmente protegidas nos centros urbanos.
E o que acontece em Belo Horizonte com a Mata do Planalto e com o Parque Jardim América, em São Paulo com o Parque Augusta, e em diversas partes do país precisa do engajamento das pessoas. É uma luta para além da preservação integral de uma área verde. É um debate sobre a permissão que é dada para que alguns poucos sejam beneficiados em detrimento do coletivo, da geração atual e sobretudo das futuras.
O vídeo dos Salvadores da Mata do Planalto fala sobre esse olhar da infância sobre a natureza. Um olhar que vê a vida, a graça e a beleza. É preciso acreditar que defender o verde e proteger a infância andam de mãos dadas. E que a mídia e a escola precisam fazer o seu papel.
Publicado em 5 de maio de 2016
Foto: cenas do vídeo Salvadores da Mata do Planalto
Créditos do vídeo:
Produção e Edição: Raissa Faria
Direção e Imagens: Leticia Garcia
Saiba mais sobre a colunista Desirée Ruas:
Sou jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, educadora ambiental, palestrante e ativista da infância. Atuo como multiplicadora em educação para o consumo desde 2004 divulgando temas como educação, mídia, cidadania e sustentabilidade. Moro em Belo Horizonte e faço parte da Rede Brasileira Infância e Consumo desde sua criação. Na Rebrinc pude me conectar a pessoas e movimentos que informam, refletem, questionam e inspiram pela construção de uma cultura do cuidado e da paz, pela infância e por todos nós.
Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br