Alimentação saudável na escola: vamos conseguir?
Por Desirée Ruas – Jornalista e especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade. Integrante da Rebrinc.
Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal encontramos projetos de lei relacionados à alimentação escolar saudável em tramitação há anos. Uma lei federal é fundamental para resolver o impasse entre os que defendem o livre comércio nas instituições de ensino e aqueles que acreditam que educação alimentar precisa também acontecer na cantina da escola.
O que nossos filhos devem comer em casa e na escola? A pergunta, aparentemente simples, é hoje um dilema. A primeira e mais consciente resposta seria: uma alimentação saudável e mais natural possível, sem ultraprocessados, que garanta os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento. Sendo assim, imaginamos que todas as ações que buscassem aproximar as crianças e os jovens desse tipo de alimentação seriam recebidas com festa. Mas muitos interesses vêm à tona quando o assunto é repensar os hábitos alimentares das famílias e reduzir o acesso a alimentos não saudáveis.
Leis existentes
A primeira lei sobre o assunto entrou em vigor em 2001, em Santa Catarina e, no Paraná, a regulamentação específica passou a valer em 2005. Outros estados e municípios, além do Distrito Federal, também ganharam, nos últimos anos, leis semelhantes que objetivam melhorar a qualidade do lanche disponibilizado nas escolas.
Em Minas Gerais, a Lei 18.372/2009 proíbe a venda e distribuição gratuita de alimentos muito calóricos e pobres em nutrientes como frituras, doces, salgadinhos, picolés cremosos e refrigerantes. A Resolução 1.511*, da Secretaria Estadual de Educação, regulamentou em 2010 os produtos cuja comercialização é proibida nas escolas estaduais. Apesar da existência da lei que é destinada a todas as escolas de Minas Gerais, o argumento que ainda escutamos em algumas escolas privadas é que ainda aguardam uma regulamentação específica para elas. E sem uma fiscalização adequada a situação torna-se ainda mais complicada. Apesar do problema crescente da obesidade infantil e juvenil e da necessidade da promoção da educação alimentar e nutricional, as medidas que disciplinam a venda de alimentos nas escolas ainda encontram muitos obstáculos.
Os bons hábitos alimentares começam em casa, ainda nos primeiros anos de vida das crianças, e o aprendizado continua ao longo da vida, principalmente no ambiente escolar. Famílias e escolas devem atuar conjuntamente para reverter hábitos alimentares inadequados e, para que isso aconteça, diálogo e reflexão são fundamentais. Acostumamos nossas crianças com alimentos práticos e de longa duração, encontrados facilmente nas prateleiras dos supermercados, mas que comprometem a saúde. Pais e mães devem participar do ambiente escolar para ajudar na busca de alternativas mais saudáveis para a alimentação dos filhos, seja a merenda comprada ou levada de casa. Sabemos como as crianças aceitam com facilidade guloseimas e como, muitas vezes, é difícil convencê-las a terem uma alimentação mais saudável. Mas qual criança vai a uma cantina comprar uma fruta se há um freezer com sorvetes cremosos bem ali em frente? Como deixar que as próprias crianças escolham o que vão comer em um local com tantas tentações açucaradas?
O bombardeio publicitário que chega até as crianças por meio da televisão, da internet e de outros tipos de mídia também tem um peso decisivo na questão da escolha por alimentos ultraprocessados e não saudáveis. Precisamos enfrentar diariamente a publicidade na mídia, as ações de marketing dentro das instituições de ensino, os baleiros nas portas das escolas e a pressão das entidades que defendem os interesses dos comerciantes.
O argumento das entidades que defendem o comércio das guloseimas nas cantinas escolares é que, se o alimento pode ser produzido, ele deve também ter livre permissão para a venda, qualquer que seja o local. Mas quais seriam os critérios para a venda de tais produtos alimentícios em um espaço onde as crianças fazem suas escolhas sem a presença dos responsáveis? Os interesses comerciais de alguns grupos podem se sobrepor à proteção da infância?
Também alegam que a competência para legislar sobre assuntos de produção e consumo seria exclusiva da União. O mesmo argumento foi usado pelo prefeito de Belo Horizonte para justificar o veto a um projeto de lei aprovado na Câmara dos Vereadores em julho de 2011 que proibia a venda de alimentos com brindes.
Comprometimento
Na capital mineira, encontramos escolas engajadas na sensibilização das crianças e das famílias para a importância de uma alimentação saudável, dentro e fora das salas de aula, com projetos envolvendo nutricionistas e educadores para o consumo consciente. Escolas que se preocupam inclusive em orientar os pais quanto ao lanche que é enviado de casa com sugestões para um cardápio semanal, além de hortas e oficinas onde as crianças podem experimentar novos sabores.
Como ensinar alimentação saudável em sala e vender alimentos não saudáveis e proibidos por lei na cantina? Os pais e os próprios alunos devem ficar atentos a incoerências como essa. Mesmo que não haja uma lei em sua cidade e enquanto não tivermos uma legislação federal, a mobilização das famílias em prol da saúde das crianças pode acontecer de várias formas. Nós podemos contribuir para a mudança da alimentação de nossos filhos em casa e na escola.
A lei é um passo importante, mas sozinha não conseguirá ampliar a educação nutricional e a redução da obesidade entre crianças e jovens. É preciso um esforço coletivo das famílias, escolas, profissionais de saúde, organizações, governos, todos unidos contra a sedução do marketing feito pela indústria de produtos alimentícios e pela pressão dos grupos que se beneficiam da venda das guloseimas e salgadinhos. Sem dúvida, a reeducação alimentar das famílias com a mudança do estilo atual de alimentação depende também do trabalho dentro das escolas.
Se você mora em um local onde há legislação sobre a venda de alimentos não saudáveis nas escolas, informe-se e acompanhe sua aplicação. Se a escola de seu filho vende alimentos ricos em açúcar, sódio e gorduras, converse com a direção da escola, incentive a adoção de uma cantina saudável e lembre-se que a Vigilância Sanitária é o órgão responsável pela fiscalização.
Veja abaixo uma lista de produtos alimentícios com venda e distribuição proibidas nas escolas públicas estaduais mineiras de acordo com a Resolução nº 1.511 de 26/02/2010 – Secretaria Estadual de Educação. (Muitas escolas privadas tomam como referência a Resolução 1.511 pela inexistência de uma regulamentação específica para elas em Minas Gerais.)
*Trecho da Resolução nº 1.511 de 26/02/2010 – Secretaria Estadual de Educação/MG:
Art. 2º Fica vedada, nos espaços das escolas estaduais, a comercialização de lanches e
bebidas contendo os produtos e/ou preparações, industrializados ou não, que contenham altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre, sal, teor alcoólico e baixo teor nutricional, tais como:
a) frituras: batatas, biscoitos, bolinhos, coxinhas, enroladinhos recheados, espetinhos, pastéis, quibes e frituras em geral;
b) salgados e doces com massa folhada;
c) biscoitos: recheados, com cobertura, tipo wafer, biscoitos salgados e outros com alto teor de gorduras e calorias;
d) doces: balas, pastilhas, pirulitos, chocolates e bombons, suspiros, maria-mole, sorvetes de massa, picolés de massa com cobertura, chup-chup, algodão doce, gomas de mascar e guloseimas em geral;
e) molhos calóricos: catchup, maionese, mostarda, molhos à base de maionese e outros com alto teor de gorduras e calorias;
f) bebidas artificiais: refrigerante comum, light e zero, refrescos artificiais, bebidas alcoólicas, energéticos e outras bebidas similares;
g) salgadinhos e pipocas industrializadas;
h) alimentos apresuntados e embutidos;
i) sanduíches e pizzas que tragam em sua composição ingredientes como bacon, batata palha, maionese e molhos gordurosos e calóricos, mortadelas, ovos fritos, queijos gordurosos e outros ingredientes e embutidos ricos em gorduras e calorias.
Parágrafo único. As restrições mencionadas também se aplicam aos produtos obtidos por doações.
Acompanhe aqui a tramitação do Projeto de Lei do Senado 357/2015 sobre alimentação escolar saudável.
Saiba mais sobre a colunista Desirée Ruas:
Sou jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, educadora ambiental, palestrante e ativista da infância. Atuo como multiplicadora em educação para o consumo desde 2004 divulgando temas como educação, mídia, cidadania e sustentabilidade. Moro em Belo Horizonte e faço parte da Rede Brasileira Infância e Consumo desde sua criação. Na Rebrinc pude me conectar a pessoas e movimentos que informam, refletem, questionam e inspiram pela construção de uma cultura do cuidado e da paz, pela infância e por todos nós.
Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br