O ritual de passagem do Jardim para a Primeira Série na Áustria
Como mãe de um pequeno estudante do Jardim de Infância, participo a cada fim de ano letivo, das festividades de encerramento na escola.
Confesso que esse ano de 2017 houve uma comemoração que me chamou muito a atenção: a despedida dos aluninhos que se “formaram” no Jardim e irão começar a primeira série.
Abro aqui parênteses para situar os leitores: tudo o que narrarei daqui para frente se passa na Áustria, que é onde moro já há 5 anos.
O convite para a festa de encerramento no Jardim de Infância do nosso distrito sempre é extensivo a todos os familiares que desejem comparecer: pai, mãe, avós, irmãos.
Nos anos anteriores, a despedida das crianças que concluíam o Jardim era sempre privada, ou seja, apenas seus pais, as professoras e os demais coleguinhas e não toda a comunidade escolar como foi dessa vez.
Logo que me acomodei para aguardar as apresentações das crianças percebi uma decoração diferente no meio do pátio: um portal sobre o qual estava escrita a palavra “escola” e, à sua frente, um grande colchão emborrachado, desses para prática de ginástica. Curiosa estava; curiosa fiquei até começarem os “rituais de passagem”.
Findas as celebrações de praxe, inicia-se, então, a cerimônia de “adeus” aos coleguinhas mais velhos.
Toda a comunidade fez uma grande roda e, no centro, estavam os “formandos”. Do nada, surge na multidão uma professora com um carrinho de mão – sim, desses de obra mesmo – forrado com um cobertor e grita o nome do primeiro aluninho ou aluninha. Ele(a) senta no carrinho e, enquanto a professora percorre o trajeto, toda a comunidade celebra junto, batendo palmas, gritando parabéns ou fazendo um aceno de adeus e, finalmente, quando o percurso termina, o pequeno ou a pequena é, gentilmente, despejado em frente ao portal “escola” – lembram? -, passa por dentro dele e recebe o que aqui se chama de Tüte, um cone cheio de coisas que ele(a) irá precisar para iniciar a vida estudantil: lápis, caneta, apontador, borracha e muitas guloseimas.
Vale ressaltar que toda essa festa é, de verdade, a coroação de uma etapa diferenciada para esses pequenos que se despedem. Explico-me: quando a criança entra em idade pré-escolar, ela recebe tarefas diferenciadas dos demais coleguinhas de Jardim.
Na turma do meu filho, existe uma escala de trabalho com o nome das crianças que “trabalharão” durante toda a semana. Essa divulgação é feita toda a segunda-feira. Muito bem, esses pequenos, então, ficam encarregados de levar e trazer a louça (copos e pratos) para o horário do lanche, ficam encarregados por fiscalizar a limpeza da sala de aula e do ambiente, juntando lixinhos, papéis e coisas afins e, em algumas situações, ficam responsáveis por receber os pequeninhos, a acolhê-los, ajudá-los com o vestuário, tirar os sapatinhos da rua e colocar os sapatinhos do colégio (aqui, por questões de higiene, as crianças não entram com sapatos comuns dentro das salas de aula. Compra-se, então, um sapatinho só para o colégio), enfim.
Além dessas atividades diferenciadas, essas crianças passam a integrar automaticamente o Clubinho Pré-escolar. Essa, sim, é a efetiva preparação para o ingresso na escola.
O Jardim de Infância, em parceria com a escola primária do distrito, desenvolve atividades de integração entre um e outro estabelecimento de ensino, a fim de minimizar o mais possível o choque quando da troca de realidade. Então, os integrantes do Clubinho, durante os meses que antecedem seu ingresso na primeira série, participam de atividades dentro da futura escola, com os futuros professores e com os futuros colegas.
Assim como no Jardim, os alunos maiores da escola primária (já na quarta série) dão as boas vindas aos integrantes do Clubinho e os auxiliam na jornada de ambientação. O contato é semanal.
A comunidade é devidamente informada acerca dessas atividades através do jornal do distrito e quando do início do ano letivo, na primeira reunião de pais, a professora de cada grupo do Jardim de Infância explica toda a dinâmica. É um esforço conjunto pelo bem dos pequenos e os resultados são muito bons.
Voltando, então, à brincadeira com o carrinho de mão: o ato é simbólico, lúdico, simples, mas diz muito sobre a preparação do(a) cidadãozinho(a) que está começando sua vida, pois alguém o preparou, o envolveu, e o carregou até ali, e, se tudo deu certo, ele(a) já tem condições de, sozinho(a), cruzar o portal e adentrar a escola.
Aqui, não se conhecem festas de formatura de Jardim nos moldes brasileiros, sendo esse o ritual de passagem, do Jardim de Infância para a primeira série, no nosso distrito!
Até a próxima!
Fotos: Ana Dietmüller
Saiba mais sobre a colunista Ana Dietmüller
Nascida em Porto Alegre, em 1974.
Graduada em Direito pela PUC, também de Porto Alegre/RS, em 1996; pós-graduada em Direito Internacional pela UFRGS, em 2008.
15 anos de experiência profissional, militando na advocacia corporativa. Solução, diplomática, de conflitos tanto judiciais quanto de relacionamentos interpessoais, é um diferencial.
Infância feliz, cheia de brincadeiras ao ar livre, na pracinha, com os amiguinhos do condomínio. Muita amarelinha, 5 Marias, bola e bicicleta; aniversários dentro do apartamento mesmo e docinhos feitos pela mãe e avó.
Adolescência inquieta, questionadora e de muito estudo, mas também, de muito cinema, passeio com as amigas, violão e muitas amizades.
Juventude de muito estudo e trabalho, mas, também, de muitas relações humanas, viagens e trocas de experiências.
Moradora da Áustria há quatro anos, casada com um austríaco e mãe de um austro-brasileirinho. Vida simples, mas em um mundo diferente, rodeado de educação, cultura, civilidade e muito investimento no ser humano, sobretudo na diversidade cultural.
Apaixonada por literatura e, por consequência, amante das letras, aventuro-me a escrever minhas próprias linhas.
Meus interesses? História, literatura, filosofia, música, gastronomia, viagens, línguas, mas, principalmente, o ser humano!
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