Dilemas de uma princesa
Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia
Era uma vez…
Uma princesa chamada Luana. Ela tinha dezesseis anos e adorava seu nome, que lembrava a lua, que lembrava a noite, que lembrava o brilho de sua pele escura e radiante. Ela tinha cabelos lindos e crespos, que ela gostava de enfeitar com uma ou várias flores. Era uma princesa guerreira. Toda noite, vestia-se com um macacão azul marinho de tecido leve e cortes largos, repleto de pontinhos brilhantes que pareciam estrelas. Ela passava na imensa biblioteca do castelo e escolhia cuidadosamente um livro, depois saía escondida de casa, já que o rei, seu pai, havia proibido que moças saíssem após o pôr do sol. Todos os dias, Luana visitava uma casa diferente, mas que tivesse necessariamente pelo menos uma criança. Ela sentava com essa criança, brincava um pouco, perguntava o que ela gostava de fazer, como eram os nomes dos melhores amigos dela e qual sua cor preferida. Luana ouvia as respostas encantada. Achava lindo o modo como as crianças eram espontâneas e cheias de imaginação. Depois de um tempinho, Luana pegava seu livro e contava uma linda história sobre amizades, brincadeiras e lendas antigas de seu povo. Depois disso, ela voltava para casa com o coração tão grande e feliz que parecia até que ia ficar maior que ela.
Luana tinha vários sonhos. Que meninos e meninas pudessem brincar do que eles quisessem; que eles pudessem escolher suas cores preferidas; que pudessem correr até cansar; gritar para avisar sua melhor amiga que ela está prestes a ser pega no pega-pega; pudessem suar e se sujar sem medo de serem repreendidos pelos pais. Luana sabia que em algum lugar no mundo havia princesas que não podiam fazer nada disso e sentia muito por elas. E foi assim que ela descobriu: ela estava passeando por um bosque de baobás quando viu uma senhora com sua netinha. Uma linda menina que gostava de correr e pisar na lama. Assim que a pequena garotinha fez isso pela primeira vez, sua vó olhou para ela e fez um sinal para que ela fosse a seu encontro. Quando a menina chegou, ela disse: – Bela, não faça isso nunca mais. Lembre-se que princesas não fazem esse tipo de coisa. Luana ouviu aquilo e ficou intrigada! Como assim não fazem? Correu imediatamente para casa ainda um pouco atordoada e foi direto para a biblioteca. Achou um grande livro dourado que contava várias histórias de princesas que, de fato, não podiam brincar, correr e se sujar. Ela ficou um tanto triste porque quando aquela vó estava falando de princesas, se referiu apenas àquelas princesas que seguiam uma vida rigorosamente comportada. Ué, mas e eu? Pensou a Luana. Será que eu não sou uma princesa de verdade? Passou alguns dias tão triste e chorando tanto que até esqueceu de sair para contar histórias, as luzes do seu macacão azul foram apagando aos poucos. Foi quando ela teve uma ideia.
Foi procurar sua mãe, uma rainha delicada e amorosa, para saber um pouco mais sobre ela mesma e aquelas outras princesas. “Meu amor, por que você não me disse antes o que estava sentindo?” Foi quando a rainha conversou por longas horas com sua filha, explicando que as pessoas não precisam ser iguais, não precisam seguir um modelo cheio de regrinhas para serem quem são. Na realidade, ela disse, o que precisamos mesmo é aprender a respeitar as pessoas ao nosso redor, nós mesmos e o planeta em que vivemos. Ou seja, todas as pessoas, a terra, o ar, a água, as plantas e os bichos; e que isso, sim, deveria ser ensinado a todas as crianças do mundo todo, princesas ou não. Acontece que isso é muito, mas muito mais difícil de se aprender do que aprender a sentar, pegar em talheres, pintar as unhas e fazer maquiagem.
Luana guardou aquelas palavras e decidiu construir uma escola. Não uma escola de princesas, mas uma escola de amor. Nessa escola as crianças eram livres para aprender o que quisessem, em seu ritmo. Eram ensinadas sobre a natureza, o modo como nosso mundo se divide, a maneira como nos comunicamos e interagimos uns com os outros. Sempre com aquela palavra como base de tudo: respeito.
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Publicado em 13/10/2015
Imagem: Freepik
* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:
Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.
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