Na internet tudo é multiplicado e para sempre, alerta especialista
Conteúdos adultos sendo acessados por crianças, divulgação de brincadeiras perigosas, exposição do corpo e de cenas íntimas, divulgação de dados pessoais, ofensas, discriminação, cyberbullying… Os relatos são diários: crianças e adolescentes envolvidos em situações embaraçosas e prejudiciais ao seu desenvolvimento por causa do uso indevido de tablets, ipads, smartphones. Além de diversão, informação e interação, tais aparelhos podem expor seus usuários a riscos diversos. Se até os adultos cometem erros no uso da tecnologia, imagine crianças e adolescentes. Conversamos com a especialista em segurança digital e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo, Fabiana Gutierrez, que explica alguns pontos importantes sobre o uso da tecnologia e suas consequências.
Como as crianças e os adolescentes estão usando as novas tecnologias?
Somos seres sociais. O problema é que a tecnologia nos tornou seres virtualmente sociáveis. Preferimos nos relacionar com alguém que está atrás da tela do que uma pessoa que está ao nosso lado. E, infelizmente, é isso que está acontecendo com as crianças e os adolescentes que são expostas massivamente a todos os tipos de gadget. No entanto, o uso da tecnologia é algo que não dá mais para evitar. O grande desafio é o uso consciente das ferramentas digitais.
Como as famílias estão acompanhando o uso das ferramentas digitais?
Muitos dos pais não sabem o quanto os filhos usam, para que usam e, pior, muitas vezes desconhecem as ferramentas, ficando ainda mais difícil orientar. Independente das discussões se crianças e adolescentes devem ter seu próprio tablet ou celular ou quantas horas devem usar, há dois pontos fundamentais que devem ser levados em conta. Um deles é a mudança das relações trazida pelo internet. Em primeiro lugar, a internet trouxe o conceito de nuvem, que é algo que eu vejo mas não pego. O que era físico e material, portanto real, se transformou em algo que eu não sei bem onde está, que “se apaga da minha tela” e, por isso, acho que não é real. Isso se agrava por eu não ver a reação do outro diante do meu comentário ou mensagem. Fica fácil eu ter coragem e dizer tudo que penso sem precisar olhar no olho da outra pessoa. Os adolescentes, em especial, estão com dificuldade de lidar com o “real”. Passam horas nos chats e não conseguem se encontrar e conversar. Apagar um post indesejável ou um comentário mal colocado traz a ilusão de que está tudo bem, a pessoa não se ofendeu ou se magoou com o que foi dito, assim como as fotos e vídeos compartilhados. O impacto é real sim. Não é porque não se vê mais a mensagem ou foto ou está armazenado “nas nuvens” que não aconteceu de verdade.
E o segundo ponto a ser considerado?
Na internet tudo é multiplicado e é para sempre. A tal da viralização que todos dizem significa total descontrole da informação (post, comentário, vídeo, foto…). Uma vez na internet, o compartilhamento começa e aí é praticamente impossível saber o tamanho do estrago. Além disso, para sempre é literalmente para sempre. Não adianta apagar. Seguramente alguém já salvou, compartilhou, guardou e vai repostar quando você menos esperar.
E como ficam os adolescentes?
Diante desse cenário, os adolescentes são os mais vulneráveis a cair nas armadilhas da rede. Parte pela falta de maturidade, parte pela ingenuidade ou aquela sensação de que tudo podemos quando somos jovens. Eles não imaginam que podem estar sendo enganados, como acontece muitas vezes com casos de pedofilia. Ou compartilham fotos íntimas na confiança de que o outro não irá divulgar. Ou ainda, se sentem protegidos pela tela e pelo grupo para atacar outras pessoas com ofensas e multiplicar insultos.
O que o adolescente precisa entender em relação ao uso da internet e das redes sociais?
Não é a toa que o bom uso da rede se chama Cidadania Digital. É imprescindível o envolvimento dos familiares e a orientação dos jovens para um uso seguro da rede. Não adianta punir ou proibir. A chave é educar. Mostrar os riscos e desafios desse novo modelo de relação que surge e incentivar principalmente o olhar cidadão. A rede não deve substituir jamais o real, o olho no olho. É desafiador ter um novo olhar sobre as redes sociais e usá-las de forma adequada. Fotos geram muitas curtidas e alimenta o ego mas expõe, comentar o que se pensa sem filtro dá a sensação de poder mas dá margem a bate-boca, compartilhar posts ou foto de alguém com mensagens pejorativas é “divertido” mas fere.
Quais os pontos fundamentais para os adolescentes entenderem a cidadania digital?
Para começar, o adolescente devia ter em mente esses três pontos:
– Respeito com o próximo: Eu falaria isso pessoalmente? Esse comentário é necessário? E se fosse para mim?
– Segurança: É necessário compartilhar essas informações como local onde está (check in), onde costumar ir, onde estuda, onde mora, telefone, email? Conheço essa pessoa para incluí-la no meu círculo de amizades?
– Exposição: Tudo bem qualquer um, ou seja, qualquer um mesmo – familiar, professores, futuros chefes, porteiro, médico, etc – ver essa minha foto ou ler esse meu post? Mesmo que for daqui alguns anos?
Para tornar a internet um ambiente seguro, o adolescente precisa entender o que de fato pode acontecer, os rastros que pode deixar e o impacto que isso tem na sua vida hoje e no futuro. Afinal, o que está na rede é para sempre.
Quer saber mais sobre o tema? Quer compartilhar alguma experiência? Escreva para contato@rebrinc.com.br e dê o seu relato sobre o tema.
Desirée Ruas /Jornalista Rede Brasileira Infância e Consumo – Rebrinc
Foto: Arquivo Rebrinc
Publicado em 10 de janeiro de 2017