Pages Menu
Categories Menu
Mídia e adultização de meninas

Mídia e adultização de meninas

Nas páginas de revistas assim como nas ruas encontramos meninas com roupas, maquiagem e poses de mulher. A infância vai embora cada vez mais cedo e as meninas entram no mundo adulto mesmo sem estarem preparadas para essa transição. Mas, afinal, por que as crianças estão deixando de ser crianças? Para a professora da Universidade do Estado da Bahia, Cristhiane Ferreguett, a adultização precoce da menina acontece por pressão dos meios de comunicação que incentivam o consumo de produtos e serviços. “Criança com o comportamento de criança consome menos e por isso a publicidade e a mídia solicitam que as meninas se vistam como uma mulher adulta, usem maquiagem e outros produtos.” Ela explica que as crianças vivem em uma sociedade com forte apelo ao consumo e, bombardeadas pela publicidade, passam a ter desejos de aquisição de bens supérfluos que em sua imaginação irão transformar a sua vida para melhor. “Nesse contexto, batons, sombras, esmaltes, roupas e sapatos apropriados para a mulher adulta são oferecidos para as meninas como sendo algo necessário para a vida delas”, explica Ferreguett.

Não é difícil achar na mídia conteúdos que contribuem para que crianças assumam posturas e comportamentos de adultos. A antecipação e a ampliação da faixa etária que consome produtos femininos significam mais lucros para o mercado. Nos meios de comunicação e no dia a dia, encontramos desde lojas que vendem sutiãs com bojo para meninas e sapatinhos com salto até salões de beleza com serviços de adulto também para o público infantil. Da mesma forma, a imagem predominante na mídia é a da mulher erotizada, além de conteúdos com apelos sexuais constantes que acabam exercendo influência sobre o comportamento das crianças. Vale lembrar que a adultização chega para meninas e também para meninos na medida em que as crianças precisam assumir responsabilidades e preocupações de adultos, como o medo da violência, da falta de dinheiro e vivenciar exigências da sociedade relacionados ao consumismo e ao ideal de perfeição.

Em sua tese de doutorado “Relações dialógicas em revista infantil: processo de adultização de meninas”, defendida na PUC-RS em agosto de 2014, Cristhiane Ferreguett, que é do Departamento de Letras, analisou a edição especial para meninas de seis a onze anos de uma revista infantil de grande circulação. Ela estudou o discurso publicitário presente em reportagens da revista e os efeitos de sentido produzidos no que se refere à adultização precoce da menina. Segundo ela, “as reportagens da revista analisada parecem uma espécie de guia de comportamento para o consumo de produtos que a criança não precisa consumir. Falsas necessidades que substituem relações e valores humanos autênticos e promovem a crença que nossa identidade está alicerçada sobre os bens que possuímos ou consumimos.” O estudo parte de considerações a respeito da criança em uma perspectiva sócio-histórica e desenvolve reflexões sobre a comunicação de massa, publicidade em geral e publicidade para crianças, além de uma abordagem sobre a legislação específica.

A autora observa que, como em um jogo de sedução, há “um empenho do locutor em se aproximar da criança e conquistar sua confiança, usando para isso uma variação de tom, ora de um locutor infantil, ora de um adulto que quer – aparentemente – cuidar e proteger.” A adultização precoce da menina é construída discursivamente e também pode ser observada pelos modelos adultos apresentados como referência de como a menina deve se vestir, se maquiar, se pentear e do modo como ela deve agir e ser. Ela completa que todas as reportagens analisadas para a produção de sua tese desobedecem ao Código de Defesa do Consumidor, CDC, bem como o Código de Autorregulamentação Publicitária do Conar.

O processo de adultização da criança incentiva o consumo de produtos normalmente desnecessários para uma criança. A criança não é responsável pela compra mas é afetada pelos valores divulgados pelas mensagens da publicidade. “Acredito que meninas não precisam de salto alto, de kits de maquiagem, de joias ou de bijuterias. Todas essas necessidades são criadas pela mídia e pela sociedade de consumo. Uma menina que vive sua infância, sem se preocupar com o que dita o mercado da moda, consome muito menos que uma menina que se importa em seguir os modelos preestabelecidos pelo mercado do consumo” explica a autora da tese.

E como as famílias encaram a adultização precoce? Cristhiane conta que sua pesquisa não teve o objetivo de entrevistar pais, mas é possível observar nas redes sociais que muitos estimulam as próprias filhas em práticas que são mais apropriadas para os adultos. “Quando pais postam fotos de suas filhas bem pequenas com unhas pintadas ou roupas justas e curtas vemos que muitas pessoas comentam positivamente em tom de aplauso e com o valor discursivo do tipo “está ficando mocinha!” ou “que linda!” Mas eles estão de certa forma reproduzindo, sem criticidade, o discurso midiático”, explica.

Ela espera que o seu estudo sirva de apoio para o trabalho do professor do ensino fundamental junto às crianças no processo de discussão de textos midiáticos – em especial o texto publicitário – e para o embasamento de uma leitura crítica de revistas e outros produtos de comunicação que circulam em nosso meio social. “A escola precisa inserir a leitura crítica e a discussão de textos midiáticos, especialmente os publicitários, em suas atividades rotineiras, além de desenvolver projetos para capacitar melhor o professor nesse sentido. Uma educação séria e comprometida com um futuro mais humano e menos consumista deve fazer um discurso contrapondo com o discurso midiático”, defende a autora que também integra a Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc.

Por Desirée Ruas – Jornalista/Rebrinc – 27/03/17

Tese “Relações dialógicas em revista infantil: processo de adultização de meninas”acesse aqui