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Infância e mídia: todo cuidado do mundo é pouco

Infância e mídia: todo cuidado do mundo é pouco

Por Débora Figueiredo – Graduada em Filosofia, mestranda em Psicologia sobre a relação infância-mídia e integrante da Rebrinc. Mora em Fortaleza (CE)

Publicado originalmente no blog Menos Telas, Mais Janelas

A relação que se dá entre a infância e a mídia é delicada. Quando paramos para ler e refletir sobre o tema, descobrimos uma série de riscos que correm nossas crianças e a própria infância.

A mídia é feita por pessoas, ou melhor, por grandes grupos de pessoas. Essas pessoas – ou grupos – possuem valores e princípios que são transmitidos através dos veículos de comunicação. Tais valores e princípios não necessariamente são favoráveis à formação de quem assiste, sobretudo quando quem assiste ainda não entende muito bem como o mundo funciona, afinal, está na fase do descobrimento, o que é o caso dos pequenos.

Grandes empresas midiáticas sobrevivem de publicidade. No geral, elas ganham dinheiro vendendo um tempo determinado de sua programação para que outras empresas possam anunciar os próprios produtos. Será que essas empresas midiáticas se preocupam com os valores e princípios que são passados em sua programação pelas demais empresas? Bom, não é o que parece.

No horário nobre, uma peça publicitária anuncia, ao mesmo tempo, um filme infantil que está em cartaz na maioria dos cinemas brasileiros, alimentos de baixo valor nutricional e brindes com imagens dos personagens do filme estampados.

Em outra peça publicitária, transmitida aproximadamente no mesmo horário e na mesma emissora, vemos um bicho peludo, azul e simpático, que claramente chama a atenção das crianças, conversando com uma mãe e um garoto. A mãe convida o bicho, que representa conectividade com a internet, para sair com eles. Ele pergunta se pode ir na cadeirinha (seria uma tentativa de minimizar o estrago?) e o garoto responde prontamente que sim. E lá vão eles felizes: mãe, criança e bicho simpático dançando na tela do tablet do pequeno.

Essas duas peças publicitárias são suficientes para notarmos que não, os grandes grupos midiáticos não estão interessados em transmitir valores edificantes. “Filme legal” que se liga a uma “comida gostosa” (há controvérsias), que se liga a um “brinde legal”; “Bicho legal” que se liga a uma “atividade legal e prazerosa” que é brincar com telinhas. Além de tudo, há, claro, os estímulos explícitos e implícitos ao consumo.

Lembrando que foram citados apenas dois exemplos: um que mostra a típica publicidade dirigida à criança onde o conteúdo consiste em estimular o consumo de alimentos prejudiciais à saúde – tema amplamente discutido em livros e documentários – e outro que, além de chamar a atenção dos pequenos, faz apologia ao uso de telas pelas crianças – tema que, embora relativamente recente, já levanta suspeitas dos mais diversos profissionais a respeito das consequências negativas desse uso.

Até aqui não estamos dando a devida consideração à objetificação das mulheres – e muitas vezes de homens também -, aos padrões de beleza impossíveis e às noções de certo e errado, justo e injusto que são passadas nesses veículos e que as crianças, como esponjinhas, acabam por absorver, caso não haja um forte acompanhamento dos pais – o que nem sempre é possível, devido ao cansaço, tempo de trabalho, etc.

Em tempos de forte combate à publicidade infantil, que claramente prejudica a formação das crianças, ver peças publicitárias como essas é uma verdadeira afronta aos pais, educadores, profissionais da comunicação social, psicologia, pedagogia, fonoaudiologia, medicina, direito, entre outras áreas, que se preocupam com a formação cultural, ética e moral das crianças.

Esse tipo de publicidade e essa transmissão de valores precária não estão presentes apenas nas emissoras de TV que, como vimos, no geral pouco se importam com a qualidade do que é transmitido desde que gere lucros, mas também nas ruas, nos shoppings, nos videogames e, claro, na internet, que hoje é acessível não apenas em casa, em grandes computadores de mesa, mas em aparelhos portáteis como tablets e smartphones. O que você diria se visse que seu filho, por um acaso, abriu um jogo onde o objetivo é dar tapas em uma mulher? Pois é, pode acontecer. Toda atenção do mundo parece mínima quando o assunto é a exposição de crianças à mídia.

Imagem: Freepik