Cyberbullying pode começar em casa
Por Lucas Parisi – Psicólogo cognitivo com estudos focados em comportamento digital, dependência de internet, infância e família. Integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo
Uma pesquisa recente do C.S. Mott Children’s Hospital da Universidade de Michigan denominada Parents on social media: Likes and dislikes of sharenting revelou o seguinte: mais da metade das mães e um terço dos pais reconhecem que eles compartilham os prós e os contras na criação dos seus filhos, enquanto usam a internet.
Casos de exibição dos problemas rotineiros nos lares estão tomando proporções muito maiores com um tipo de comportamento que especialistas chamam de oversharenting, uma das palavras mais citadas na web em 2013 e, conforme tudo indica, cunhada pelo Wall Street Journal. Acontece quando pais usam excessivamente as mídias sociais para exporem questões relacionadas à criação dos seus filhos.
Num exemplo prático é mais ou menos assim: a criança faz um vômito, o pai ou mãe fotografa e logo em seguida a foto está na rede social seguida de dúvidas e pedidos de socorro. Neste exemplo, o caso pode parecer uma maluquice e digno de perguntas do tipo: “como pais podem fazer isso com os filhos?”. Conforme revelado na pesquisa não é uma maluquice. É prudente pensar que esta situação é “absurda”, mas neste contexto, estamos falando de pais Y com características exageradas e com traços de early-adopters, os grandes usuários de tecnologias digitais.
A pesquisa revela também que eles não estão tão preocupados com as potenciais consequências negativas do overshareting e sim em resolver seus problemas. A escassez do tempo e o dia a dia corrido dos pais têm gerado em seus cotidianos comportamentos impulsivos mediados por uma necessidade imediata de resolução de conflitos e problemas. Com isso, as tecnologias digitais como Facebook, Twitter, blogs e demais mídias (como os grupos de WhatsApp) são parceiros fortes na compensação e autopreservação dos pais quando estão diante de uma possível frustração em sua dinâmica familiar.
As crianças, com certo medo, estão se distanciando destes tipos de plataformas digitais. Segundo pesquisas do comportamento infantil na internet, as crianças de até 11 anos, já começam a sair das redes, onde seus pais estão infiltrados. Eles alegam principalmente que a identidade digital deles, ou as múltiplas identidades quando falamos de Nativos Digitais – compartilhadas por seus pais -, não estão de acordo com o que eles acham ou pensam de si mesmos. Logo é prudente pensar que os riscos de privacidade e segurança dos filhos estão neste sentido, ficando comprometidos.
A pediatra Sarah J. Clark, pesquisadora associada do Departamento de Pediatria da Universidade de Michigan, destaca que “compartilhar as alegrias e os desafios da paternidade e da maternidade documentando a vida das crianças publicamente, tornou-se uma norma social, com efeitos positivos e negativos.”
Quando pensamos em norma social, a pesquisa deixa claro que os pais estão muito dispostos a convidar outros pais para o over-share online e isso os deixa mais tranquilos, e segundo eles, aptos a compartilharem com segurança as suas vivências em família, trocando experiências muitas vezes comuns. Mais da metade dos pais, precisamente três quartos deles, dizem que conhecem alguém que partilha informações sobre seu filho e que, portanto, poderia ser apto em auxiliá-lo em tomadas de decisões mais prudentes.
Aqui se vê um tipo de equivalência de padrão que pode ser drástico.
Mas, e então, se algo pode ir para a rede, o que de fato pode ser mais prudente quando pais compartilham situações sobre seus filhos? Casos como comentários tipo “hummm, que delícia comendo o bolo da vovó!” ou “tomando banho de mangueira no jardim!” (a criança nua não, por favor), seguidos de fotos, podem ser situações muito agradáveis ao convívio social da criança.
Entregar a privacidade dos filhos na internet é o grande problema. O mais prudente é sempre a conversa, o diálogo e a aceitação dos limites que a criança pede e requer, quanto à exposição de sua imagem. Talvez isso possa parecer incompreensível, o fato da criança aceitar ou não a exposição de suas fotos, mas certamente não é. Imagine a criança chegando na escola e os coleguinhas comentando a foto que circulou na internet enquanto ela vomitava? Não podemos pensar que os limites da privacidade da criança existe somente depois que ela atinge uma idade X ou Y ou seja capaz de escolher. As teorias psicológicas do desenvolvimento explicam que a partir dos 6 anos, qualquer criança já compreende satisfatoriamente a maioria das regras das relações sociais e percebe quando alguém pode ou não estar quebrando uma dessas regras.
A internet não pode ser um assombro para os filhos e nem tampouco um motivo de desajuste entre as famílias. Seu propósito não é este. Assim, pais, fiquem atentos, nem tudo precisa ir para a internet. Estejam atentos aos seus filhos. Na dúvida, dialogue com eles, crie espaços para a manifestação do pensamento e dos sentimentos. Sua família agradece.
Imagem: internet