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Suicídio: o que o sistema de ensino pode ter a ver com isso?

Suicídio: o que o sistema de ensino pode ter a ver com isso?

 

Por Silvia Adrião – Integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo

As recentes notícias de jovens que se suicidaram na cidade de São Paulo nos chocam. Todo respeito ao luto é necessário. Um ato como este pode ter muitas razões e variáveis. Quero chamar atenção aqui apenas para uma parte deste problema que é a que compete à escola. Temos visto uma busca acelerada de várias instituições para realização de encontros com psicólogos, palestras e orientação para alunos e pais sobre os ocorridos. Sem dúvida, estes encontros são importantes e auxiliam, mas enquanto o sistema de ensino, baseado na competição e na alta performance não mudar, encontros como estes terão pouco alcance. A reflexão que quero deixar aqui é sobre a contribuição da metodologia adotada por escolas que, de certo modo, também pode favorecer situações de violência e depreciação entre os jovens. Ressalto que não faço menção a nenhuma escola específica e que o texto propõe uma reflexão abrangente, sobre um sistema de ensino mais amplo.

Em recente pesquisa que realizei com jovens estudantes do ensino médio ou recém egressos do ensino médio, da grande São Paulo, sobre “A contribuição do sistema de ensino, baseado na competição e em resultados, para a manutenção ou aumento da violência na sociedade”* , alguns dados preliminares chamaram a atenção e podem nos dar pistas de que o modelo de ensino pode deixar marcas bastante preocupantes nos alunos. Setenta e oito por cento dos alunos participantes da pesquisa afirmam que já se sentiram humilhados no ambiente escolar, algumas ou várias vezes, por atitudes da própria escola. Este dado é muito importante para todos que atuam nas escolas repensarem seus atos e efeitos. A educação emancipatória e promotora da igualdade deve zelar pelos alunos. É evidente que, no processo de crescimento de cada indivíduo, há frustrações e conflitos que são normais e até bem-vindos para o amadurecimento e o fortalecimento da personalidade. Porém, quando a escola é a promotora da inferiorização do estudante, continuamente, deve se rever e buscar alternativas.

Uma outra questão perguntava se a escola compartilhava ou compartilha com os outros alunos os resultados em provas ou similares de cada um. As opções “sempre compartilham” ou “às vezes compartilham” somam sessenta e cinco por cento das respostas. É um número bastante expressivo que demonstra o comportamento da maioria das escolas. Parece um ato até insignificante, mas compartilhar o resultado de provas entre os alunos ajuda a criar um clima de trabalho colaborativo entre os jovens? É mais possível que este tipo de iniciativa ajude a criar um clima de competição e, em casos de baixo rendimento do aluno, até podemos dizer, de humilhação dos estudantes. Humilhação dos alunos com baixo rendimento e pressão nos alunos com alto rendimento. Ao serem perguntados se na sua escola há (ou havia) alguma divisão das turmas por resultado em notas – exemplo: turma A, os alunos com melhor rendimento; turma B, alunos com médio rendimento, e assim por diante – vinte e cinco por cento dos alunos responderam que sim. Apesar de não ser o número majoritário, ele é bastante expressivo, posto que este tipo de atitude é extremamente contraditória quando se pensa numa escola que visa educar para a igualdade, para a tolerância e o respeito à diversidade. Organizar os jovens de acordo com seu rendimento vai exatamente na contramão dos princípios da educação que queremos.

O fato é que as escolas, e muitas famílias também, se fecham para a educação integral do jovem, investem apenas em algumas aprendizagens, ignoram ou desprezam a importância do desenvolvimento da empatia, consigo mesmo e com os outros, do aprender a ser e a viver em sociedade. Elas também não dão a devida importância à aprendizagem emocional e às formas e se adquirir conhecimentos e habilidades que não vão aparecer no resultado do vestibular, mas certamente ajudarão os jovens a enfrentarem os dilemas e os conflitos da vida, que são inevitáveis e até edificantes. Esse sistema que visa alta performance e alto rendimento precisa entender que não há perda de tempo quando investimos no diálogo, na tolerância. Não há perda de tempo quando desenvolvemos a arte, a musicalidade e a subjetividade da poesia. Não há perda de tempo quando os jovens são ouvidos e debatem seus dilemas em rodas de confiança e troca. Não há perda de tempo na Filosofia, no jogo do intervalo ou da aula de educação física. Não há perda de tempo no deixar correr e discutir algo até se esgotar, a energia e os argumentos. Não há perda de tempo no lúdico e no imaginário. Sem o investimento nestas outras aprendizagens, as escolas ainda continuarão a contribuir com mais um fator que pode levar um jovem a cometer atos extremos como os vistos.

*Pesquisa em fase de finalização para ser apresentada à banca examinadora do curso de MBA em Gestão Escolar da ESALQ/USP em julho/ 2018.

 

Foto: Pixabay

 

Colunista Rebrinc - Silvia Adrião

Saiba mais sobre a colunista Silvia Adrião:

Sou pedagoga, especialista em Construtivismo/Educação e Mestre em Sociologia da Educação.Tenho mais de 20 anos de experiência no trabalho com crianças e na defesa da cultura infantil. Sou pesquisadora e apaixonada por Literatura infantil e pela abordagem de ensino Italiana de Reggio Emilia. Encontrei na Rebrinc um espaço para ampliar o debate e o alcance das reflexões sobre infância.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br