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Por que a porta da escola é assim?

Por que a porta da escola é assim?

Por Desirée Ruas – Jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade

Se a distância permitir, por que não ir à escola a pé? Isso é o que propõe o Pedibus, o ônibus andante, uma iniciativa econômica, ecológica e divertida. Uma matéria do Portal Aprendiz mostra como está o projeto na Suíça, iniciado no ano de 2000, e que tem o apoio da Associação de Transportes e Meio Ambiente. A iniciativa foi criada em 1991 na Austrália. O projeto também está ganhando adeptos em cidades da França, da Bélgica, da Holanda, da Itália, do Reino Unido e da Alemanha, sobretudo nos centros urbanos pequenos. Há também grupos de crianças que utilizam bicicletas no trajeto. Adultos acompanham a fila de crianças que chega ao seu destino com segurança.

Projeto Pedibus

Enquanto as crianças caminham na Suíça, de forma organizada e divertida, estamos aqui no Brasil, sem sair do lugar, com os grandes desafios para levar e buscar os alunos nas escolas. E a cultura do consumo do automóvel individual permanece, lota as ruas e as avenidas, toma o nosso precioso tempo, gera acidentes, conflitos e poluição. Também é fonte de maus exemplos, principalmente nas portas das escolas. Onde se deveria educar também para o trânsito, o caos cria desentendimentos e brigas. Pais irritados e crianças estressadas e um problema quase insolúvel.

Por que nossos filhos costumam estudar tão longe de casa? Quantos fazem uso do transporte coletivo, ônibus e metrô, para levar e buscar os alunos? E os motoristas das vans escolares, que deveriam ter alguma ajuda por contribuírem para reduzir o número de veículos na porta das escolas, têm que disputar uma vaga com os demais carros, quando não há espaços reservados para eles. E eles estão sempre apressados para cumprir os horários, levando e buscando os alunos. Os pais motoristas, muitas vezes, não querem parar um pouco mais distante para evitar o acúmulo de veículos nas escolas. Querem parar na porta, param em fila dupla e complicam a vida de muita gente. É sempre assim: só um instantinho! E mais um, e mais um… Mas em alguns locais, quando as escolas estão localizadas em pontos muito movimentados da cidade, não há saída. Não há vagas, nem perto nem longe. Ou se para em fila dupla ou a criança perde a aula. E os conflitos são diários entre os pais de alunos, a escola, os motoristas de vans, os pedestres, os agentes de trânsito e por quem está apenas de passagem. Com muito estímulo feito pela publicidade, ter um carro é um desejo de consumo alimentado desde a infância. E o carro que deveria ser um instrumento para facilitar a vida das pessoas é hoje sinal de complicação e de insegurança.

Podemos dar um tratamento diferenciado para as portas de escolas, sejam elas públicas ou privadas, buscando alternativas para o embarque e desembarque de alunos? Escolas pelo país buscam minimizar os transtornos com algumas ações. Projetos de carona solidária, alterações nos horários de entrada e de saída, estabelecimento de pontos de encontro longe das portas das escolas, quando um ônibus leva os alunos até um local de pouco movimento onde os pais com seus veículos podem estacionar com tranquilidade e pegar seus filhos. Há também escolas que adotam esquemas de drive thru, quando funcionários ajudam no embarque e desembarque dos alunos.

A escola diz que o problema é do excesso de veículos, os órgãos responsáveis pelo trânsito culpam a falta de educação dos motoristas e os pais e mães reclamam da falta de opções para fazer com que seus filhos cheguem à aula. Enfim, ver o projeto PediBus, que leva as crianças pelas ruas da cidade, promovendo uma interação com o espaço urbano, reduzindo o sedentarismo das crianças e movimentando a comunidade faz a gente se perguntar: por que continuamos dizendo que não tem jeito, seja para o trânsito ou para mudanças no dia a dia das cidades?

Mais incrível ainda é ver os desafios que os alunos precisam enfrentar em alguns pontos do planeta com a falta de estrutura e riscos naturais como corredeiras e penhascos. Veja aqui. No Brasil também encontramos estudantes enfrentando inúmeras adversidades para estudar, sem condução apropriada, sem lanche, sem água, sem material didático e até mesmo sem a própria sala de aula ou professor.

Quando pensamos em nossas vias urbanas, planejadas e sinalizadas, a primeira impressão é que o acesso à escola deveria ser simples. Mas nem sempre é. A tumultuada rotina dos pais e a falta de transporte coletivo de qualidade que atenda às necessidades das pessoas são uma realidade. E nós temos muita dificuldade em mudar hábitos. O uso do automóvel é um deles e a cidade feita para os carros e não para as pessoas, também.

Cuidar da infância exige um olhar cuidadoso sobre o espaço urbano e sobre o consumismo e as dependências que criamos para ela, sendo a cultura do automóvel uma delas. Com o uso do transporte coletivo ou conquistando mais ciclovias, seja por meio de caminhadas pelo bairro quando a distância permitir o deslocamento a pé, carona solidária e rodízio de pais motoristas, passe livre nos ônibus coletivos, há sempre meios para se garantir que alunos de escolas públicas e privadas tenham acesso à escola, com segurança e tranquilidade.

O reflexo dos transtornos gerados na entrada e na saída das aulas repercute negativamente nas crianças. “Acho que meu pai não vai vir me buscar”. “Mamãe, acho que eu vou perder a prova hoje”. Parar em fila dupla, estacionar ou parar em local proibido, buzinar, desrespeitar os demais. Somos os primeiros instrutores de direção dos nossos filhos, futuros motoristas. A criança, que é obrigada a conviver com tal situação diariamente, começa a aprender a cultura da impaciência e da competição e a brigar pelo espaço urbano, com sentimentos de posse e egoísmo. Precisamos investir na cultura de paz e desarticular a cultura da violência, com razão e coração, com ideias e motivação.

Campanhas educativas nas portas das escolas acontecem no início dos períodos letivos. Depois, os agentes de trânsito costumam aparecer apenas para multar. Mas o problema exige um esforço maior de todas as partes envolvidas. Devemos garantir o acesso da criança à escola, seja ela pública ou privada, em ruas tranquilas ou movimentadas.

Quando os órgãos de trânsito de uma cidade dizem que não podem promover mudanças em um local em que há uma escola porque temos que respeitar os demais usos daquela via, estamos dizendo que a infância não tem prioridade. O acesso ao estudo, com segurança, não tem prioridade. E que a cidade não é feita para as crianças.

 

Publicado em 15 de abril de 2016

 

Tire suas dúvidas e saiba como criar uma linha do Pedibus.

Veja outras ideias para reduzir o trânsito na porta das escolas.

Imagens: Projeto Pedibus

Vídeo do Projeto Pedibus:

Saiba mais sobre a colunista Desirée Ruas:

Sou jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, educadora ambiental, palestrante e ativista da infância. Atuo como multiplicadora em educação para o consumo desde 2004 divulgando temas como educação, mídia, cidadania e sustentabilidade. Moro em Belo Horizonte e faço parte da Rede Brasileira Infância e Consumo desde sua criação. Na Rebrinc pude me conectar a pessoas e movimentos que informam, refletem, questionam e inspiram pela construção de uma cultura do cuidado e da paz, pela infância e por todos nós.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

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