O que estão oferecendo para as crianças na Educação Infantil?
Por Silvia Adrião – Diretora pedagógica da Scuola Italiana Eugenio Montale (SP) e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo
A Educação Infantil é uma etapa em que a criança deve ter o direito de aprender e se desenvolver de forma completa e enriquecedora. Muitas instituições de ensino preferem utilizar materiais apostilados, com atividades prontas e padronizadas como metodologia de ensino.
Tenho duas preocupações quando vejo este tipo de material: uma é fundamentalmente ligada à natureza da Educação Infantil, onde a criança deve poder formar sua leitura de mundo de maneira livre e criativa. É uma etapa em que a criança está plena de curiosidades e a escola deve ser um espaço para ajudá-la a manter este espírito investigativo e explorar diversas linguagens. A escola não deve passar a mensagem de que o mundo é um modelo pronto e ela só deve copiar e sim permitir que ela crie e amplie seus modos de se expressar, que suas potencialidades sejam respeitadas e incentivadas. Cada vez que damos um desenho ou um trabalho pronto e simplista para uma criança subestimamos sua capacidade e dizemos, indiretamente, que suas hipóteses e criações não são válidas.
A outra preocupação está relacionada com um sistema de ensino que reproduz a mesma lógica do sistema de consumo em que vivemos, com propostas de atividades que expressam esta lógica consumista e imediatista. O fazer educacional passa a ser um produto ou uma mercadoria que se pode adquirir. Muitos destes sistemas padronizados de ensino aproveitam da imagem de serem mais legitimados pela sociedade por terem sua origem no ensino privado. O que não deve ser dado como uma verdade. Não necessariamente isso é uma garantia de qualidade.
Mais preocupante ainda é quando nos deparamos com atividades elaboradas por estes sistemas que são fornecidas nas redes públicas e remetem à padronização e à contínua formação de consumidores desde pequenos. Aqui faço referência a uma atividade de uma escola municipal do interior de São Paulo que recentemente tive acesso. As crianças tinham que, baseadas nos símbolos de marcas famosas apresentadas, buscar imagens que faziam relação. Que tipo de reflexão uma criança pode fazer ao ter, de forma legitimada pela escola, uma associação de imagens tão contundentes (a imagem de um famoso fast food e de uma famosa marca de refrigerantes) estampadas na folha da atividade?
Acredito que nós, educadores, temos que refletir ao transmitir uma atividade assim para as crianças e que a escola deveria ser um espaço poupado de toda esta lógica do mercado. Se nosso objetivo maior é a contínua formação de cidadãos críticos, autônomos, capazes de fazer suas escolhas de maneira consciente e de buscar a transformação da sociedade para uma sociedade melhor para todos, precisamos cuidar mais do que estamos oferecendo para as crianças nas escolas.
Foto: Pixabay
Saiba mais sobre a colunista Silvia Adrião:
Sou pedagoga, especialista em Construtivismo/Educação e Mestre em Sociologia da Educação.Tenho mais de 20 anos de experiência no trabalho com crianças e na defesa da cultura infantil. Sou pesquisadora e apaixonada por Literatura infantil e pela abordagem de ensino Italiana de Reggio Emilia. Encontrei na Rebrinc um espaço para ampliar o debate e o alcance das reflexões sobre infância.
Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br
Excelente!
Artigo muito bom, eu também acredito que nossas crianças precisam de atividades que estimule a descoberta o conhecimento
Reflexão fantástica! Sempre me questionei quanto a ao motivo de se alfabetizar crianças utilizando imagens de marcas famosas. Eu até entendo a proposta ou a justificativa para se utilizar tal proposta, mas não conseguia ver relevância nisso, tendo tantas outras formas de alfabetizar.
Outra coisa que me mata é ver professores de educação infantil, dando a mesma tarefinha impressa de pitura para todos os alunos e depois passando metade do dia sentados atrás da mesa colando essas tarefinhas no caderno de capa dura.
Nossa, isso me mata!!Que coisa mais medíocre. Tenho pena das crianças.