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Páscoa, que trazes pra mim?

Páscoa, que trazes pra mim?

Por Laís Fontenelle – Psicóloga e integrante da Rebrinc

Publicado originalmente no site Outras Palavras

Sem dúvida não conseguimos localizar, no tempo ou no espaço, onde e quando perdemos o sentido dessa e de tantas outras comemorações. Mas certamente a mercantilização desta festa contribui para outros problemas de nossa sociedade e para que outros sentidos se percam, fazendo-se necessária e urgente uma reflexão sobre quais valores estamos passando às crianças ao comemorar a Páscoa dessa forma.

Para responder à complexa questão de qual o grande problema em presentear as crianças, ocasionalmente, com deliciosos ovos de chocolate, vou além dos aspectos filosóficos e éticos. A começar pelo simples fato de que, embora ovos de páscoa sejam considerados produtos “sazonais”, consumidos em época específica do ano, o incentivo ao seu consumo, pelas crianças, para que colecionem brinquedos, é sem dúvida preocupante em um país com índices cada vez mais alarmantes de obesidade infantil. Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009, conduzida pelo IBGE e lançada em dezembro de 2010, 33,5% da população brasileira entre 5 e 9 anos já está com excesso de peso e 14,3%, obesa. Outro, ainda mais alarmante, revela que, pela primeira vez na história, um número crescente de crianças apresenta problemas de coração, de respiração e diabetes tipo 2, todos relacionados à obesidade. Esses dados bastariam.

Mas, além disso, vale lembrar as questões legais envolvidas na discussão. Dirigir publicidade a crianças – de qualquer espécie, mas principalmente de alimentos não saudáveis – é uma prática ilegal, considerada publicidade abusiva nos termos do artigo 37, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e apoiado pela resolução 163, aprovada em 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Isso, além de ofender a proteção integral de que são titulares todas as crianças, segundo o artigo 227 de nossa Constituição Federal. E não esquecendo que a venda necessária e conjugada de produtos, sem que seja oferecida ao consumidor opção de escolha, é também proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois se configura o que chamamos de “venda casada”.

Outra questão importante, apontada por um levantamento do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) de 2010, é que o uso de personagens famosos tende a encarecer o ovo, o que faz com que os pais gastem mais somente para agradar e não frustrar os desejos dos filhos. Isso, num país desigual como o nosso, causa problemas de orçamento, uma vez que os ovos com brindes são anunciados a crianças de todas as classes sociais. Esse mesmo levantamento detectou que, na rotulagem dos ovos, constam apenas informações nutricionais de referência para adultos (2000 kcal) – o que torna ainda mais difícil aos pais saber as quantidades adequadas de consumo pelas crianças.

Talvez agora já tenhamos respostas suficientes sobre quais os problemas de se ofertar às crianças, na Páscoa, ovos de chocolate com brindes.

Essas questões, que se agravam ano a ano, não têm passado despercebidas por organizações da sociedade civil. O Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, denuncia desde 2008, ao Ministério Público de São Paulo, práticas abusivas de quatro grandes empresas produtoras e comercializadoras de ovos de páscoa: Nestlé, Top Cau, Kraft Foods e Garoto, chamando a atenção da sociedade para o problema.

Outras lutas vêm sendo travadas no país, em diferentes esferas. Nas famílias. Nas escolas. Nos poderes do Estado. Um bom exemplo é o lançamento, em 2012, do documentário “Muito Além do Peso”, de Estela Renner, que trouxe em forma de denúncia imagens chocantes da obesidade infantil no país, com uma crítica contundente à indústria alimentícia e à publicidade de alimentos não saudáveis dirigida a crianças.

Mas, apesar das grandes lutas, derrotas também vêm se acumulando. Em janeiro de 2013, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), vetou a lei que restringia a publicidade de produtos alimentícios para crianças. Pelo texto, aprovado pela Assembleia Legislativa em dezembro de 2012, seria proibido veicular anúncios de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio, entre as 6h e as 21h, no rádio e na TV. Também seria vetado o uso de celebridades ou personagens infantis na venda de alimentos, assim como o uso de brindes promocionais, como os vendidos com sanduíches em redes de fast food  ou em ovos de Páscoa.

Em fevereiro do mesmo ano, infelizmente, outra derrota: a suspensão da Resolução 24 (RDC 24), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que obrigava os fabricantes a colocar nos produtos o alerta de que o consumo em excesso poderia causar problemas como diabetes, hipertensão e obesidade. Esses exemplos dão uma ideia da força do lobby da indústria alimentícia, assim como da publicidade de alimentos dirigida as crianças.

Por esses e outros motivos é que a Páscoa deveria celebrar, de fato, renovação e transformação. Sabe-se que é uma data bastante comemorada ao redor do mundo, nem sempre da mesma maneira que nós. Que tal então festejar esta Páscoa de uma forma diferente, quem sabe com menos brindes e mais brincadeiras? Existem no repertório do brincar ótimas ideias, como corrida do ovo, coelhinho na toca, pintura de casca da ovos e tudo o mais que nossa imaginação ditar. O mais importante, contudo, talvez seja exercer nossa cidadania e cobrar das empresas que façam valer a nova resolução do Conanda, que entende ser abusiva e, portanto ilegal, a publicidade dirigida ao público menor de 12 anos.

 Foto Páscoa Rebrinc

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