A saúde alimentar nas comunidades indígenas
Por Antônio Coquito* – Jornalista e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo – Rebrinc
“Uma característica necessária a todos que pretendem atuar nos territórios indígenas é saber ouvir, buscando conhecer as comunidades, seus saberes e suas regras de organização social e suas formas de cuidados com a saúde e o ambiente. E mais, é preciso entender a grande sociodiversidade dos povos indígenas, que necessitam de um olhar diferenciado.”
Com esta constatação, iniciamos a conversa com a Anabele Pires dos Santos sobre a sua atuação em alimentação e nutrição nas comunidades indígenas. Ela é nutricionista graduada em nutrição pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e especialista em saúde indígena pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Hoje, atua como docente no Curso de Especialização em Saúde Indígena da Universidade Federal de São Paulo/Universidade Aberta do SUS.
Foi no período de graduação, nas aulas de Antropologia e Práticas Alimentares e Educação Alimentar e Nutricional, que Anabele despertou sua paixão em atuar junto aos povos indígenas. Anabele conta que “ao final do curso recebeu o convite para o trabalho na tribo Xacriabá (Norte de Minas Gerais), nas atividades de campo do Projeto Distribuição Espacial da Desnutrição da População Infantil e das Nosologias Prevalentes, no período de 2000 a 2006, em populações indígenas de Minas Gerais. Da pesquisa, ela declara que “a identificação foi imediata.” Junto disto, a nutricionista comenta que “a recepção e as parcerias com as comunidades vieram logo de início, motivando o trabalho pautado no diálogo e na troca de conhecimentos.”
O olhar prioritário
Diversas são as intervenções para compreender de forma mais ampla, interagir e promover a cidadania e assimilar a riqueza alimentar nas tribos indígenas. De forma prioritária, Anabele defende “ é necessário priorizar o acompanhamento do estado nutricional de crianças menores de cinco anos e das gestantes”. Toda a observação e a realidade de informações geradas fomentam o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena (SISVAN I), instrumento recomendado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Ministério da Saúde (MS). “Os indicadores permitem descrever e prever as tendências das condições alimentares e nutricionais de forma regular nas comunidades, contribuindo na construção e avaliação de políticas públicas, nos programas e ações voltadas à saúde desta população”, explica a nutricionista.
Um dos pontos que chama a atenção de Anabele é o quadro epidemiológico. Segundo ela, “O I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas é marcado por alta prevalência de desnutrição e anemia entre as crianças e sobrepeso e obesidade entre as mulheres.” No caso dos índios adultos, ela cita “o alto número de doenças não transmissíveis (DCNT) como o diabetes mellitus e a hipertensão arterial.”
Promover a saúde em comunidades indígenas exige alinhamento com o Núcleo de Apoio à Saúde Indígena (NASI) , que tem papel importante e ao mesmo tempo desafiador. “É preciso orientar os índios sobre novos alimentos que entram nas aldeias, em sua grande maioria industrializados, ricos em gordura e sal, e pobres em vitaminas e minerais.” E acrescenta “precisamos despertar e valorizar os hábitos alimentares tradicionais e promover ações de fortalecimento que permitam e incentivem esses hábitos. ”
Segurança alimentar em território indígena
A segurança alimentar e nutricional (SAN) em terras indígenas é de muita complexidade. Anabele cita que, em 2009, o Relatório do Diagnóstico Politransdimensional em SANs com povos indígenas de Minas Gerais revelava o quadro de insegurança alimentar que perpassava por diversas dimensões relacionadas com a alimentação. Para a nutricionista, para discutir SAN indígena “é preciso garantir acesso a terra e água de qualidade, manejo adequado das roças, garantia de caça e coleta sustentável dos alimentos.”
Outro grande desafio na saúde indígena são as barreiras geográficas que se somam à vulnerabilidade social. Anabele conta que “as distâncias dificultam o acesso às comunidades, prejudicando o acompanhamento sistemático da população e a efetivação de parcerias que contribuam com a melhoria da saúde e da realidade vivenciada”. Um ponto defendido pela nutricionista é que “as atividades de alimentação e nutrição devem interligar e se integrar com ações de outros setores que promovam a melhoria das condições dos índios”.
Os hábitos alimentares da sociedade têm influenciado a opção alimentar indígena. Anabele esclarece que este é um contraponto que prejudica promoção da segurança alimentar, uma vez que “o índio acaba consumindo o alimento da cidade, que em geral é processado e com baixo valor nutricional”. Somando-se a este contexto, ela alerta que “a produção de alimentos saudáveis foi prejudicada, uma vez que a maioria das terras indígenas demarcadas tiveram suas atividades degradadas e seus territórios e águas contaminados por fazendeiros, garimpeiros, mineradores etc.”.
O protagonismo indígena é capaz de promover ações efetivas de alimentação e nutrição. Na visão de Anabele “faz-se necessária a construção de políticas públicas com a participação efetiva dos índios”. Desta forma, “qualificando as ações, promovendo a saúde e a SAN para esses povos e garantindo recursos para o desenvolvimento de ações sustentáveis”, acrescenta. A garantia da saúde através da alimentação e nutrição é defendida pela nutricionista. Anabele afirma que “profissionais e entidades devem se aproximar dos índios para conversar, ouvir suas percepções e ser capaz de traçar ações em conjunto.” E é taxativa “é preciso a interlocução entre o saber científico e locais, considerando que nenhum seja mais importante que o outro. Estas populações têm plenas capacidades de gerir tais questões, pois conhecem bem os problemas enfrentados. ”
(*) Antônio Coquito – Jornalista socioambiental com especialização em Marketing e Comunicação e Comunicação e Direitos Humanos com ênfase em temáticas intersetoriais – Terceiro Setor, Responsabilidade Socioambiental, Políticas Públicas, Segurança Alimentar e Nutricional e Direitos Humanos com ênfase em Educação e Cidadania.
Em Minas são:
• Doze etnias indígenas espalhados em dezessete territórios diferentes.
• Tribo Xacriabá em São João das Missões, Norte de Minas.
• As etnias são: Maxakali, Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ, Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Atu-Awá-Arachá, Caxixó, Puris, Xukuru-Kariri e Pankararu.
• As doze etnias que vivem atualmente no Estado de Minas Gerais são pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê e são aproximadamente onze mil indivíduos.
Principais alimentos tradicionais dos índios brasileiros:
– Frutas, verduras, legumes, raízes, carne de animais caçados na floresta (capivara, porco-do-mato, macaco, etc), peixes, cereais, castanhas.
Pratos típicos da culinária indígena: Tapioca (espécie de pão fino feito com fécula de mandioca); Pirão (caldo grosso feito de farinha de mandioca e caldo de peixe); Pipoca; Beiju (espécie de bolo de formato enrolado feito com massa de farinha de mandioca fina).
* Este texto refere-se aos índios que não possuem muito contato com os homens brancos e que ainda seguem sua cultura. Infelizmente, muitas tribos deixaram de lado a alimentação saudável quando entraram em contato com o homem branco.
Saiba mais sobre os povos indígenas de Minas Gerais aqui.
(*) Antônio Coquito – Jornalista socioambiental com especialização em Marketing e Comunicação e Comunicação e Direitos Humanos com ênfase em temáticas intersetoriais – Terceiro Setor, Responsabilidade Socioambiental, Políticas Públicas, Segurança Alimentar e Nutricional e Direitos Humanos com ênfase em Educação e Cidadania
Saiba mais sobre o colunista:
Sou Antônio Coquito – jornalista, escritor e um pouco poeta – amante da palavra como forma de transformar o mundo. Sempre fui e sou inquieto, quando o assunto é justiça e inclusão social. Os temas humanos e de cidadania, segurança e soberania alimentar, socioambientais e planetários são importantes para análises e construções do meu fazer pessoal e profissional. Minha ligação com a promoção, defesa e garantia da cidadania e dos direitos infantojuvenis começou nos temos de estudante de jornalismo. Entendo que uma sociedade melhor, começa com acreditarmos e construirmos possibilidades para as novas e futuras gerações. Acredito na proposta da Rede Brasileira Infância e Consumo – Rebrinc como espaço de interação e construção do pensamento e da prática coletiva para uma sociedade justa, humana e boa de viver para todos.
Fale com o autor: contato@rebrinc.com.br