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Publicitária defende fim da publicidade dirigida a crianças

Publicitária defende fim da publicidade dirigida a crianças


Matéria publicada no Portal EBC – Jornalista Adriana Franzin.

A entrevistada, Nádia Rebouças, é integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo

 

Áudio da entrevista:

Transcrição da entrevista:
EBC: As empresas que fazem uso da publicidade infantil estão alegando que o país já tem leis e regras suficientes, tem o Conar e várias formas de coibir esse abuso e que essa nova resolução do conanda é de alguma forma exagerada. Qual é a sua opinião e a opinião do Instituto Alana sobre esse assunto?

Nádia Rebouças: Em primeiro lugar, é importante eu explicar que eu fui publicitária diretamente envolvida com propaganda por quarenta anos e por isso conheço muito bem como funcionam as estratégias. Segundo lugar, eu queria começar dizendo o seguinte: nós estamos vivendo uma grande crise ética nesse país, uma crise de percepção sobre os nossos valores e, com certeza, entre eles está a questão da educação e o que estamos fazendo com as crianças. Essa discussão que ganha destaque nos últimos dois anos vem nesse arcabouço de um país que começa a discutir o que faz com suas crianças e seus jovens. Uma discussão ampliada de conteúdo que é disponibilizado nas escolas, nas televisões, nas revistas, e também na publicidade. Então, essa discussão da resolução 163 do Conanda toca a publicidade, mas esse ano nós já tivemos uma revista que foi recolhida das bancas o que atinge o jornalismo. Foi uma Vogue Kids que tratava as crianças com uma sensualidade precoce. Então, nós estamos vivendo uma troca de valores.No caso específico da publicidade, nós temos uma veiculação intensa em cima das crianças que tem resultado em inúmeros problemas. Talvez o principal deles em termos de custo para o país seja a obesidade. Nós temos hoje 33% da população com excesso de peso e 15% e crianças obesas que geram problemas de diabetes, de coração… Eu estou falando aí só de custo físico, custo que cai lá no SUS, como foi na época do cigarro. Então, da mesma maneira que na época do cigarro levou anos, grandes debates, disseram que tudo seria destruído, que nunca mais teríamos Formula 1, que tudo ia acontecer, está acontecendo neste momento com a publicidade infantil. Mas quando chega um momento da maturidade da sociedade, isso avança e não tem muito o que fazer porque a sociedade passa a escolher alguma coisa que ela quer e começa a fazer contas do custo disso. Nós temos uma linha que é bastante defendida pelo ilustrador e criador Maurício de Sousa que diz que vai acabar a economia, que nós vamos ter uma perda econômica enorme se a gente parar com a propaganda infantil. Na realidade, não é verdade isso porque o mercado se adapta, se ajusta conforme as decisões superiores não comerciais. Então você tem um discurso do lado comercial e um discurso que não é só do Instituto Alana mas é da Rebrinc (Rede Brasileira Infância e Consumo), por exemplo. Uma rede enorme de pedagogos, antropólogos, sociólogos, psicólogos, jornalistas, publicitários como eu, que participam da Rebrinc sob o conselho do Alana onde todas essas questões vem sendo estudadas há cerca de 6 anos. Isso é um desenrolar natural da coisa e o mercado vai se ajustar porque a propaganda não vai acabar. Mas vamos pensar que nós podemos ter uma propaganda dirigida para quem pode decidir, quem tem condições de escolher, não por uma criança que é incapaz inclusive de separar o que é um comercial do Discovery Kids e o que é o programa desenho do Discovery Kids porque, como você usa os personagens no comercial, aquilo tudo se confunde na cabeça dela.Aí a argumentação que foi o começo da sua pergunta: que nós já não temos o Conar para resolver isso… O Conar realmente vai resolver quando extrapola o nível da abusividade, ou seja, alguma coisa que realmente vá contra todos os princípios lógicos da sociedade. Acontece que a questão da resolução vai mais além porque não é só o que é falado na publicidade, é uma discussão que é sobre a publicidade infantil na sua totalidade. Ou seja, temos o direito de trabalhar com uma criança até 12 anos e explorar a vulnerabilidade dessa criança? Temos o direito de achar que o pai e a mãe podem decidir sozinhos…

Eu pergunto para o ouvinte o seguinte: quantas vezes você viu uma criança chorando numa loja de brinquedos? quantas vezes você viu uma criança jogada no chão da loja de brinquedos? quantas mães de classe C, D e E nesse país, que são as mais vulneráveis à televisão, ficam com o coração na mão no Dia das Crianças no Dia do Natal porque não podem dar ao filho aquele brinquedos maravilhoso que está na televisão? Quantos pais não conseguem dizer não a seus filhos? Eu cito o exemplo do filme Muito Além do Peso onde você vê uma mãe que não consegue de jeito nenhum controlar o desejo do filho de comer batata frita e o menino já com obesidade mórbida. Então nós não podemos acreditar que o nível de informação de todos os pais é igual para que ele tenha autonomia de dizer sim ou não ao produto. Não é essa a realidade do país. É só pensar isso no ‘continente’ brasileiro. Você tem pais e mães que não têm informação, que não têm conhecimento para poder interferir. E eu posso dizer que esse problema não é só das classes mais baixas porque eu vejo mães desesperadas sem saber o que fazer com os filhos que querem a cada dia um modelo mais novo do celular. Então, você tem realmente que pensar o que que o consumo está fazendo com a nossa sociedade.

E se a gente juntar tudo isso a gente pensa o seguinte: como manter esse planeta sustentável com os níveis de consumo que nós temos? Então, controlar a publicidade infantil resolve problemas de saúde, não só de obesidade que reflete em um monte de outros como problemas, de sensualidade precoce das crianças porque muitos produtos da publicidade são vendidos dessa maneira gerando pedofilia, gravidez na adolescência… O problema é que pôr na ponta do lápis o custo dessa decisão para o lado social é muito complexo e os que defendem essa ideia não têm dinheiro para fazer uma pesquisa nesse volume como o lado comercial tem.

Então eu sou uma pessoa que acredito que o movimento social, o ativismo de determinadas causas… Chega um determinado momento que ele acontece e eu participei, por exemplo, da campanha Ação da Cidadania contra a Fome quando o brasileiro achava razoável que nós tivéssemos 32 milhões de brasileiros passando fome. O Betinho se revoltou contra isso e criou um movimento que em seis anos nós conseguimos começar a mudar a consciência da civilização, ou seja, é a publicidade e a comunicação trabalhando para a transformação. Então, o que eu posso dizer é que não há perda de mercado. Eu sou uma publicitária que mudei minha cabeça muito de uns anos pra cá. Eu tenho trabalho para fazer, mas não só para vender produto, mas também para vender causas. Então nós estamos em um momento de profunda mudança do Brasil e a propaganda das crianças é um dos itens que está aí para refletirmos.

 

EBC: Certo, Nádia, a senhora falou sobre vários temas. E eu queria esmiuçar cada um deles. De acordo com esse estudo que foi encomendado pela empresa Maurício de Sousa Produções, a adequação a essa nova regra geraria um prejuízo de 33 bilhões de reais e acabaria com 700 mil empregos. Esse é um impacto bem considerável na economia, não é?

Nádia Rebouças: É claro, mas essa é a visão catastrófica de uma mudança. Também foi feito esse raciocínio quando acabou-se com a publicidade do cigarro. Na realidade você tem que olhar esses números pensando o seguinte: não vai parar de ter a propaganda de todos esses itens que ele considerou na pesquisa, você apenas tem que mudar a linguagem. Você acha que o ilustrador vai perder emprego? Ele não vai perder emprego. Só que ao invés dele trabalhar só pensando diretamente na criança ele vai fazer outros tipos de ilustração com outros tipos de coisas. Economia não se acomoda? Esse não é o discurso dos liberais o tempo todo? Obedeça o mercado. O mercado das mães hoje está dizendo não queremos mais isso. Claro que o volume não é o total mas caminhamos para isso. Então é abrir a cabeça para a mudança e os anunciantes buscarem criar produtos, por exemplo, com menos gordura trans. E isso vai acontecer naturalmente. Todos eles já estão pesquisando como transformar os produtos em produtos mais saudáveis. Está evidentemente claro que nós produzimos coisas que não são boas para a saúde das pessoas. Então vai mudar o produto e vai mudar o jeito de fazer propaganda e isso não quer dizer que todo mundo vai perder dinheiro.

A visão dessa pesquisa é uma visão catastrófica para assustar o mercado e conseguir que a resolução do Conanda não siga adiante. Mas isso é a luta do lado de lá. Enquanto a gente está observando uma mudança na sociedade radical hoje. Você que acompanha as redes sociais vê que o número de pais que está mudando a maneira de pensar e que estão mudando a maneira de educar seus filhos, a maneira de comprar produtos, que tipo de brinquedos tem, as feiras de trocas crescem no país inteiro…

Então há uma mudança aí que é meio que inevitável, o tempo que ela vai levar para se acomodar eu não posso dizer pra você. Mas que ela vem caminhando numa velocidade até maior que a gente que tem essa luta há anos acreditava é verdade. E quando esse tema vai pro Enem com 8 milhões de jovens pensando sobre isso. Eu tive acesso a algumas redações que foram muito pouco comentadas porque ninguém quis dar destaque na grande mídia para o tema da redação do Enem esse ano. Mas se você multiplicar por três nas famílias que foram obrigadas a pensar no assunto… Pessoas que nunca tinham pensado antes nas consequências da publicidade infantil foram obrigadas a pensar porque o filho teve que escrever sobre isso no Enem. São 24 milhões de pessoas no país que passaram a pensar sobre isso.

Então é só perceber que mudança é como mar, ele vem em ondas e ele vai e volta vai e volta vai e volta… Até que um dia é proibido fazer propaganda de cigarro, uma coisa impossível de se pensar porque ia destruir o patrocínio da Fórmula 1, o patrocínio dos esportes… Porque nós éramos um país que tinha cigarro ligado ao esporte profundamente. Isso não mudou? Alguém faliu? Deixou de acomodar, deixou de vender cigarro, deixou de ter Souza Cruz? Não. Apenas a sociedade escolheu que isso não é um valor para ser anunciado e repetido em um país em que as crianças ficam em frente a televisão por seis horas (por dia), em média.

 

EBC: Agora, proibindo a propaganda direcionada à criança e aos adolescentes como é que os produtos que são feitos para esse público iam ser divulgados?

Nádia Rebouças: Através dos pais. Eu vou falar com os pais que os produtos que eles podem comprar para os seus filhos. Não são eles que devem decidir? Então convença-os a comprar um brinquedo, por exemplo, que voa. No comercial ele voa e quando você abre a embalagem ele não voa. Muitas vezes eu já vi a criança olhar aquilo decepcionada porque ela encheu a paciência da mãe para comprar o brinquedo. Porque a publicidade nasceu para seduzir, para enganar de alguma maneira. Você olha uma propaganda e você quer ter aquilo desesperadamente. Você não pode ser feliz se você não tiver aquilo.

Essa visão de mundo não está mudando por causa da criança. Ela está mudando porque o planeta está gritando e dizendo não aguento. Então, há uma mudança muito mais profunda acontecendo debaixo disso tudo. Então você vai fazer a propaganda para o adulto. Você vai dizer para o adulto. Aí, claro, que existe um exagero do lado de lá dizendo que as embalagens vão ficar brancas. Não é nada disso. É uma adaptação a um novo valor: prioridade absoluta para nossas crianças que aliás é um projeto do Instituto Alana que descobriu que na nossa Constituição está escrito que criança tem prioridade absoluta. Eu só relembro uma notícia dessa semana que é de uma criança tomando banho no bueiro com cinco anos de idade.

Então, criança é prioridade absoluta no Brasil? Não é. Educação é prioridade absoluta no Brasil? Não é. E nós precisamos fazer isso ser. E nesse caminho a publicidade é um dos focos de mudança que está aí porque a sociedade quer. Então o Maurício de Sousa está fazendo pesquisa, o Conar está reagindo, todos os publicitários estão reagindo não é à toa. É porque existe um movimento na sociedade pedindo essa mudança.Agora isso vai andar no processo natural das ondas e nós vamos ver o que vai acontecer. Agora certamente quem está preocupado com educação e com criança no Brasil tem argumentos e perspectivas muito claras de que isso não vai acabar com a economia. Aliás ninguém é contra o lucro, ninguém é contra a propaganda, ninguém é contra nada. É contra a propaganda para a criança diretamente porque ela não tem capacidade para ter senso crítico que nós adultos temos.