Por que 2015 é um ano diferente?
2015 chegou e com ele muita expectativa para todos que atuam pela proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Afinal, 2014 inaugurou um novo tempo. Há anos, grupos e organizações levantam a bandeira das temáticas infância e consumo pelo viés contrário ao que o mercado insiste em fazer: explorar intensamente as crianças para o consumo de novos produtos e serviços. A Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, e seus integrantes defendem a proteção de meninas e meninos ao bombardeio publicitário e aos valores consumistas que deseducam, geram estresse familiar, são prejudiciais à saúde integral das crianças e ao planeta.
O ano de 2014 nos presenteou com dois grandes acontecimentos: um deles foi a resolução 163 do Conanda, que reafirma o que já está no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 37, e que considera abusivo e portanto ilegal o direcionamento da publicidade para a criança. E desde 4 de abril de 2014, data da publicação da resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o assunto, antes restrito a grupos e movimentos que questionam a prática, passou a ser um debate de toda a sociedade. Leia aqui parecer sobre a resolução do Conanda.
Já em novembro, a publicidade infantil no Brasil foi o tema da redação do Enem 2014. Mais de 8 milhões de jovens escreveram sobre a questão que levantou discussões nos meios de comunicação e na sociedade como um todo. Quem nunca tinha pensado no assunto teve que refletir sobre a comunicação mercadológica feita para convencer crianças de que elas precisam deste ou daquele produto.
Sabemos que estamos em uma sociedade de consumo mas acreditamos também que não podemos aceitar que as mesmas armas usadas para convencer adultos sejam direcionadas para crianças. Mesmo os adultos têm cada vez mais reivindicado uma vida mais simples e com menos incentivo ao consumo. Afinal, crianças devem ser alvo de estratégias de marketing? E o desrespeito à legislação que define que toda publicidade deve ser facilmente identificada como tal? Não é abusiva e ilegal toda publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança? Como as crianças diferenciam publicidade de outros conteúdos? Enquanto muitos acham que as famílias devem cuidar sozinhas da questão, movimentos e instituições que compõem a Rede Brasileira Infância e Consumo defendem que é preciso uma união de forças para garantir uma infância plena de direitos.
2014 foi um divisor de águas para a relação infância e consumo pois inaugurou um novo capítulo para a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Sim, eles têm direito de serem protegidos de conteúdos da mídia que sejam prejudiciais ao seu desenvolvimento e de ações que induzem ao consumo, persuadindo e fazendo uso de sua inexperiência, e apresentando valores nada saudáveis. Quem lucra com a prática da publicidade infantil evoca a defesa da liberdade de expressão. Mas como fica o dever de toda a sociedade, e não apenas das famílias, de zelar pela proteção da infância? O argumento de que a publicidade educa e informa é convincente?
Apesar dos avanços, o desrespeito continua e há muito o que fazer acerca da comunicação mercadológica direcionada a crianças e adolescentes, do comércio de lanches com brindes, das ações de marketing nas escolas, da pressão do mercado para que tudo continue como sempre foi. Os grupos contrários ao questionamento da publicidade dirigida à criança – empresas de comunicação, agências de publicidade, profissionais de criação, empresas de vários segmentos, etc. – continuam se manifestando assim como pais, mães, educadores, profissionais de diversas áreas ligadas à infância, à saúde e ao meio ambiente que apoiam a resolução.
Sabemos que nenhuma criança ficará totalmente afastada dos estímulos para o consumo. Continuam os comerciais para a venda de produtos e serviços para adultos, e que também têm influência sobre as crianças, mas que não usam os recursos que sabidamente têm um efeito mais persuasivo sobre a infância. Outras formas de pressão também vão continuar: os amigos, as vitrines, os produtos em exposição nas gôndolas… Mas não são ações feitas para convencer quem ainda não tem discernimento para entender o que está por trás da mensagem publicitária.
Nossos filhos não serão criados em uma bolha, alheios ao mundo. Educar filhos é também educar para o consumo. E os que defendem uma mídia que respeite a infância não são pais ausentes que querem que o Estado tome conta de seus problemas domésticos. São pessoas que se importam com o que chega para seus filhos e para todas as outras crianças, pensando nos reflexos diários que cenas e slogans de marcas exercem sobre a mente dos pequenos. É possível fazer publicidade de produtos infantis direcionada para os adultos e não para crianças. Precisamos repensar a publicidade, a mídia e o consumo como um todo. O planeta exige que tenhamos consciência antes do consumo. Também precisamos que pais sejam o exemplo e os meios de comunicação assumam o compromisso de zelar pela infância, o que não temos visto nem nos intervalos comerciais nem durante os programas. O combate ao sistema de Classificação Indicativa pelas empresas de comunicação é um exemplo claro de como os interesses comerciais estão muito à frente do cuidado com a infância.
Debates pelo Brasil
A Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, comemora o debate do tema em eventos realizados em 2014, como o III Seminário de Educação para o Consumo pelo Procon-MG, em Belo Horizonte, no mês de outubro, e a Jornada Brasilcon de Estudos de Direito do Consumidor: Publicidade e Proteção da Infância, realizada em novembro, em Porto Alegre. Dois eventos que contaram com integrantes da Rebrinc, dentre muitas outras ações de questionamento que aconteceram pelo país, nas salas de aula, nas praças e também no meio virtual.
Esperamos que 2015 mobilize mais pessoas para o debate dos temas infância e consumo e que os meios de comunicação possam ser mais democráticos, ouvindo o que a sociedade tem a dizer acerca dos conteúdos da mídia, incluindo a publicidade. 2014 plantou boas sementes que a gente espera ver crescer e gerar novos frutos que ajudem as famílias a construir ambientes saudáveis e seguros para nossas crianças com valores que priorizem a vida e a preservação do planeta.
Por Desirée Ruas – Jornalista e integrante da Rebrinc
Imagem: freepik.com
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