Pela infância, as famílias precisam se engajar na defesa das áreas verdes
Qual é a relação entre a defesa dos direitos da infância e a proteção das áreas verdes nos espaços urbanos? Para o médico pediatra Daniel Becker essa ligação existe de forma concreta. Segundo ele, é preciso um esforço de toda a sociedade para garantir a conservação da natureza porque ela é uma condição básica para uma infância feliz, saudável e bem vivida. Becker, que é pioneiro no conceito da Pediatria Integral e referência quando o assunto é saúde na infância, participou da palestra “A medicalização da infância” no Sesc Palladium, em Belo Horizonte, no dia 12 de maio. O defensor do “brincar lá fora” falou para mães e pais sobre os desafios atuais para promover a saúde e o bem-estar das crianças, alertando para o consumismo de remédios, de tecnologia e de produtos não saudáveis.
A natureza e o brincar livre como remédios
Ao falar da atual situação das crianças que têm pouco tempo e espaço para brincar, estão imersas em um contexto que bombardeia com publicidade e consumismo e medicaliza de forma desnecessária a infância, o médico ressalta o dever de todos na garantia dos direitos de meninas e meninos.
Para transformar as carências da infância, na sua opinião, a saída é transformar a cidade, ocupar os espaços públicos e garantir o contato das crianças com as áreas verdes. Daniel frisa a importância das pessoas se engajarem nas causas ambientais porque são causas também ligadas à proteção da infância, do direito da criança de brincar, de sair do sedentarismo, e de viver em um ambiente saudável. “Uma infância mais feliz passa pelo engajamento das pessoas na defesa do verde e na transformação dos espaços públicos”, enfatizou o médico. “O contato com a natureza é poderoso. Nós precisamos de natureza. E o livre brincar das crianças depende da criação destes espaços e da preservação integral do verde que resta nas cidades”, afirma Becker.
Movimentos em defesa do verde
Sensibilizado com os movimentos em defesa do verde que acontecem por todo o Brasil, o pediatra fez um apelo para que uma área de 120 mil metros quadrados existente na capital mineira seja abraçada e defendida integralmente. “E aqui em Belo Horizonte tem um movimento acontecendo nesse momento tentando impedir que um espaço verde com Mata Atlântica e nascentes, fundamental para a cidade, seja destruído. A Mata do Planalto, na região norte da capital, corre o risco de virar 760 apartamentos, o que significa a destruição de metade desse espaço verde que é tão precioso para cidade”, alerta Daniel Becker.
Medicalização da vida
Por que a infância precisa ser medicalizada? A pergunta do médico pediatra Daniel Becker alerta para uma realidade preocupante. O uso abusivo de remédios para tratar transtornos de atenção em crianças por todo o país e os riscos que essa prática oferece. Ele explica que, em muitos dos casos, as crianças precisam apenas de atenção e de brincar livre.
“A publicidade usa a ciência da forma como quer para colorir os produtos com sabor científico. Essa prática do mercado leva ao aumento do consumo de suplementos, vacinas, remédios diversos e outros produtos considerados mágicos. É impressionante como vendemos remédios para pessoas saudáveis, como antidepressivos, ritalina etc.”, explica Becker.
Para ele, o processo de medicalização da vida começa no parto já que são vergonhosos os índices de cesárea no Brasil. “Depois, no início da vida, encontramos a amamentação ser substituída por fórmulas que concorrem com o leite materno, resultado da pressão da publicidade e de pediatras”, conta. Ele lembra como o conhecimento dito científico é hoje financiado por indústrias farmacêuticas, assim como todas as sociedades profissionais da área da Medicina em congressos e outras atividades de formação.
Mudança de hábito
“Remédio para criança vende igual água. E isso acontece sem pensarmos nos efeitos colaterais do uso de tais substâncias que, na maioria das vezes, é desnecessário”, explica. Para ele, o melhor que podemos oferecer para as crianças é a presença, o afeto, o limite necessário e o tempo e o espaço para brincar em contato com a natureza.
No debate com os participantes do evento, ficou claro que o desafio é grande já que as famílias estão ainda muito ligadas aos apelos da publicidade, aos aparelhos eletrônicos, aos passeios a shoppings e ao incentivo ao consumo. Para reverter esse quadro, Daniel Becker citou o trabalho de grupos como o Na Pracinha, de Belo Horizonte, que incentiva a ocupação de parques e praças pelas crianças, e de movimentos como a Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, que reflete sobre o consumismo infantil.
Veja também:
Ted – Crianças, já para fora, com Daniel Becker
Os salvadores da Mata do Planalto
Desirée Ruas – Jornalista/Rebrinc
Fotos: Arquivo