Para que serve uma escola de princesas?
Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia
Ficar sabendo que existe uma escola de princesas é um choque para qualquer pessoa que se debruça um pouco sobre a questão do consumo, seja como mãe, pai, educador, pesquisador… Quando falamos em princesas, de quem lembramos? De uma das mais poderosas marcas do mundo. Uma marca conhecida por fidelizar clientes desde a mais tenra infância. Uma marca que vende sonhos. Vende de uma forma tão forte e sedimentada que adultos gastam muito dinheiro para se casarem onde? Num parque de diversões. São feitos vestidos de noiva, lingeries e acessórios com base nas suas personagens. Maquiagens, eletrônicos, enxovais, tudo que você possa imaginar. Ou seja, não apenas a criança já deseja tudo o que é de licenciado da marca, como muitos adultos também.
O consumismo é algo que, sim, esse tipo de marca adora que seja estimulado em seus clientes. Por um motivo óbvio: o lucro. Mas além disso há outros problemas e vou citar dois aqui. O primeiro deles diz respeito aos valores que são transmitidos pelos filmes de princesa. Quanto aos valores morais, por exemplo. O que é certo? O que é errado? Deixar que um homem desconhecido me beije enquanto eu estou desmaiada é certo, bem ok. Principalmente se eu tenho 14 anos de idade. Arrumar a casa que os homens deixam bagunçada é certo. Não fazer isso é errado; aliás, “aprenda uma canção, que isso ajuda muito a uma tarefa [doméstica] terminar”. Veja que o problema aqui não está em fazer tarefas domésticas, mas em achar que vai ser aceita na casa dos “pobrezinhos” se limpar a sujeira que eles fazem. Fora o felizes para sempre, que dá a ideia de que uma vida conjugal só se concretiza em momentos mágicos e felizes. Talvez seja um pouco mais fácil falar, já que só fui ter contato com esses filmes depois de adulta. Mas penso que, por isso mesmo, é de extrema importância que esses filmes, se os pais acharem necessário passar para seus filhos e filhas, sejam passados na presença de um adulto que possa ajudar a questionar alguns valores. Os valores estéticos, por exemplo. A maioria das princesas é branca e magra. Quando não é branca, pelo menos magra tem que ser. Cabelos impecáveis, peles rosadinhas e com pelo menos um batonzinho básico.
O segundo problema diz respeito à imaginação. O capítulo 10 do livro “Em defesa do faz de conta” da psicóloga estadunidense Susan Linn, começa assim:
“- Vamos brincar de princesa – Sugere Abigail, de 4 anos.
[….]
– Tudo bem, concordo.
– Que princesa você é? Ela pergunta.
Fiquei confusa. Sua questão sugeria um conjunto de princesas específicas e era uma solicitação de informação menos aberta que: Qual o seu nome? Decidi arriscar um nome qualquer, o primeiro que vi à cabeça.
– Eu sou a princesa… Anna.
Ela respondeu imediatamente com uma mistura de autoridade e irritação divertida.
-Essa não é uma princesa.
– Ah, não? Indaguei espantada.
Ela recitou uma lista que incluía a Bela, de A Bela e a Fera; Ariel, de A pequena Sereia; Aurora, de A Bela Adormecida; e a eterna Cinderela. As principais propriedades da coleção de personagens da Walt Disney Company, princesas extraídas de filmes animados, baseadas primariamente em contos de fada.”
Imaginação, cadê você? A princesa tem que ser a do filme, o Harry Potter tem que ser o do filme, o enredo das brincadeiras devem seguir passos iguais ou muitíssimo parecidos com os dos filmes. Aos poucos a imaginação vai cedendo espaço a roteiros preestabelecidos e seguidos por milhares e milhares de crianças.
E aí que a brincadeira que, como se não bastasse estar dominada por imagens fixas de filmes e desenhos animados, é capitalizada com o intuito de colocar num molde rígido o comportamento de crianças e adolescentes, já que a tal da Escola de Princesas acolhe um público que vai de quatro a quinze anos. Sabe aquilo que falávamos sobre um matrimônio perfeito? Para os idealizadores dessa empresa, o casamento é o passo mais importante da vida de uma mulher e elas estão ali para alimentarem o sonho de toda princesa, que é o “felizes para sempre”, muito mais que a realização profissional. Palavras do site oficial.
Na escola de princesas, tem muito rosa e muito dourado. Tem esmaltes, na escola de princesas. Coroas e limusines para as pequenas Altezas. Tem curso de culinária para que elas aprendam a fazer deliciosos doces para seus maridos, digo, príncipes no futuro. Elas tiram fotos umas das outras com seus gadgets. Posam para fotos vestidas de princesas Disney. Fazem festa no castelo com luz negra.
Quando eu penso que não há mais espaço para transformar o brincar em um negócio, percebo que estou redondamente enganada. Quando eu acho que as pessoas estão se conscientizando a respeito do consumo, descubro uma empresa empenhada em estimular o desejo de consumir coisas caras e carregadas de status em crianças e adolescentes. Quando eu sonho que nossas mentes estão mais abertas e atentas contra valores machistas e opressores, eis que eu vejo um empreendimento tão século XVII fazendo o maior sucesso.
Gente, para o mundo que eu quero descer.
Leia também: Dilemas de uma princesa
Imagem: Arquivo
Publicado em 14/10/2015
* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:
Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.
Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br
Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.