Crianças, adolescentes e tabaco
Quem não se lembra dos comerciais de cigarro que mostravam pessoas praticando esportes radicais, caubóis a cavalo ao pôr do sol ou jovens artistas com muita coisa em comum com você? Durante muito tempo, cigarros foram anunciados na TV. Mas com o aumento das evidências científicas sobre os males do tabagismo, vários países criaram medidas para controlar esse grave problema de saúde pública, de acordo com o previsto pela Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco.
No Brasil, no ano 2000, entrou em vigor uma legislação que proíbe a publicidade de cigarros nos principais meios de comunicação de massa, como TV, rádios, revistas, jornais e outdoors. A propaganda ficou permitida na parte interna dos pontos de venda, isto é, em área fisicamente delimitada que se localiza no interior do estabelecimento comercial onde os cigarros são vendidos. Patrocínios de eventos culturais ou esportivos por marcas de cigarros também não é permitido.
Embora as empresas de tabaco aleguem publicamente que não querem que crianças e adolescentes fumem, seus documentos internos, tornados públicos em ações judiciais nos EUA, revelam que os adolescentes e jovens, além das crianças, são importante público alvo da propaganda de cigarros. Pesquisas comprovam que 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 19 anos. Para não perder participação no mercado, uma estratégia adotada pela indústria tabagista foi o redirecionamento de seus investimentos de marketing para ampliação e sofisticação da publicidade em pontos de venda.
Atraentes displays luminosos, geralmente posicionados próximos aos caixas, chamam atenção dos clientes, especialmente dos jovens. Pontos de venda são instalados em baladas, festas, eventos populares como carnaval, festivais de verão e de música e rodeios, visando se aproximar ainda mais dos jovens e adolescentes, os futuros fumantes em potencial. Os cigarros, posicionados junto aos caixas, local privilegiado e de grande visibilidade, ficam lado a lado com produtos de grande apelo ao público jovem, como balas, chicletes e chocolates.
Outra importante estratégia de comunicação são as embalagens de cigarros. Estudos realizados pela indústria mostram que elas são vistas pelos fumantes de 15 a 20 vezes por dia, o que explica as constantes e criativas inovações visando atrair cada vez mais o público consumidor.
Para chegar a essa estrutura, fabricantes e suas agências tiveram de mergulhar fundo no estudo do comportamento do consumidor nos locais de venda de cigarros.
O poder de atração dos pontos de venda de cigarros
A restrição à propaganda de cigarros, a partir de 2000, resultou num aumento explosivo no número de pontos de venda e na sua sofisticação. A visão é responsável por 83% da percepção humana e, sabendo que os nossos olhos praticamente “escaneam” a 100 km/h as mercadorias e os materiais promocionais num PDV, não é de se estranhar que as empresas de cigarros invistam cada vez mais nos lugares onde a decisão de compra acontece.
O PDV é a única mídia que reúne três elementos essenciais para uma compra: consumidor + dinheiro + produto. O índice brasileiro de decisão no PDV é o maior do mundo: 85% de todas as compras são resolvidas dentro dos pontos de venda, não planejadas anteriormente.
Apesar da proibição atual, o PDV precisa também ser entendido como mídia. O merchandising no PDV feito para cigarros garante o melhor posicionamento perante a visão do consumidor nos check outs, com displays glamorosos, mensagens fáceis, embalagens sensacionais e uma forte associação com a categorias de doces, balas e outras guloseimas.
Os displays com iluminação, sofisticação, boa localização e fácil acesso geram impulso de compra para adultos e mais fortemente para crianças.
Para mais informações sobre esse tema, leia o relatório final sobre os pontos de venda e consulte nosso hotsite: www.propagandasemcigarro.org.br Lá, é possível assistir a depoimentos de crianças e adolescentes sobre a influência dos pontos de venda de cigarro e ver o que dizem especialistas em marketing e psicologia.
Estudos demonstram que entre 40% a 50% dos estudantes compram cigarros em lojas, bares ou em camelôs. E que entre 76% a 97% deles não foram impedidos de comprar cigarros nesses locais devido à sua pouca idade.
Pesquisa da ACT, feita com 560 jovens de 12 aos 22 anos, de seis capitais brasileiras, confirma a influência do ponto de venda para os jovens.
Segundo os dados, mais de 70% dos entrevistados identificam os cigarros sendo vendidos em padarias e supermercados, 71% acham que a propaganda em ponto de venda influencia o consumo do produto, e 70% acreditam que pessoas da sua idade podem sentir vontade de fumar ao ver os cigarros expostos em pontos de venda.
Outra pesquisa mais recente da ACT mostra como as empresas de cigarro investem na publicidade para jovens, com propaganda acentuada especialmente em estabelecimentos com alguma escola de nível fundamental ou médio próxima. Além dos adultos, a maioria desses estabelecimentos é frequentada por crianças até 12 anos, em 72% dos casos, e adolescentes de 12 a 18 anos, em 81%.
Entre outros pontos interessantes está o fato de padarias, bancas de jornais e estabelecimentos de maior porte terem presença quase maciça de crianças e adolescentes. Na maioria dos casos (82%), os cigarros encontram-se expostos em displays, e, em 84% dos estabelecimentos, são visíveis para as crianças. Além disso, cartazes de propaganda de cigarros estão visíveis para as crianças em 66% dos estabelecimentos.
A solução encontrada por alguns países para diminuir a iniciação e o consumo entre a população foi a proibição da propaganda em pontos de venda. Estudos internacionais indicam que este tipo de ação provoca queda nas vendas de cigarro entre 12% e 28%, o que leva também à redução no número de fumantes. Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Tailândia estão entre os países que adotaram algum tipo de medida para evitar que a exposição dos cigarros influencie o consumo, principalmente entre jovens e adolescentes. A ACT encomendou um parecer jurídico sobre a constitucionalidade da proibição total da publicidade de cigarros, feito pelo Prof. Dr. Virgílio Afonso da Silva, catedrático de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo.
Conteúdo reproduzido do site da Aliança de Controle ao Tabagismo + Saúde – ACTbr+ que integra a Rebrinc.
Foto: ACTbr+