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Como está a saúde de nossas crianças?

Como está a saúde de nossas crianças?


Entrevista com a médica, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, e também integrante da Rebrinc, Noemia Perli Goldraich, sobre saúde, publicidade infantil e o papel da nova rede em defesa da infância

De quem é a responsabilidade por termos os atuais níveis de obesidade infantil e outros problemas de saúde no Brasil entre crianças e adolescentes? Podemos estabelecer uma relação entre o poder da publicidade de alimentos e a saúde das crianças brasileiras?
Eu coordeno um projeto, realizado desde 2013, em parceria entre a minha universidade, a UFRGS, e a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre em todas as escolas públicas de educação infantil da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Avaliamos crianças de 0-5 anos. A prevalência de excesso de peso (sobrepeso-obesidade) é de 32% e, mais preocupante ainda, a ocorrência de hipertensão arterial é de 22%, em crianças de 2 a 5 anos. É assustador! Lamentavelmente a medida da pressão arterial, nesta faixa etária, não faz parte da rotina do exame pediátrico. A análise estatística dos dados mostrou uma associação significativa entre sobrepeso-obesidade e hipertensão. Além de tentar estabelecer políticas públicas quanto à prevenção de obesidade nas escolas de educação infantil, estamos, junto com a Secretaria Municipal de Saúde começando a construir, uma linha de cuidados para atender essas crianças.

A responsabilidade pelos altos níveis de obesidade e hipertensão é multifatorial. Hoje a obesidade deixou de ser um problema individual e passou a ser uma doença social. Vivemos num ambiente obesogênico e hipertensogênico. A indústria da alimentação é muito poderosa e tem um marketing muito eficaz e onipresente. As facilidades da vida moderna transformaram o modo de viver das famílias, sem que a gente fosse se dando conta das consequências, apenas das facilidades. A prevenção das doenças, pela sua simplicidade, não tem apelo algum, enquanto o tratamento com técnicas altamente sofisticadas, que exigem altas tecnologias, são matérias do Fantástico.

Você é a favor da proibição da publicidade dirigida à criança? Por quê?
Sim, além de tudo que já se disse sobre os efeitos da publicidade sobre o comportamento de crianças e adolescentes, eu gostaria de acrescentar um dado recente e muito significativo ligado à minha área de atuação. As doenças crônicas não comunicáveis (doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, acidentes cerebrovasculares – os derrames e as tromboses, doenças renais, alguns tipos de cânceres, para citar as mais frequentes) são as principais causas de mortalidade e morbidade de adultos antes dos 60 anos, tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento, como o Brasil. Essas doenças progridem lentamente e uma vez estabelecidas, não há cura. Elas estão associadas, em geral à obesidade e podem ser prevenidas pelo controle de quatro fatores: alimentação saudável, atividade física, tabagismo e uso abusivo de álcool. A prevenção, para ser efetiva, deve ser iniciada desde os primeiros meses de vida. Evidências científicas recentes mostraram que duas medidas são realmente eficazes, em termos populacionais, na prevenção dessas doenças crônicas: a redução do sal na alimentação e a publicidade de alimentos dirigida à criança. Isso reforça ainda mais todo o empenho para se proibir a publicidade dirigida à criança, que passa a ser uma questão de saúde pública.

Qual é o papel e a importância da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc no contexto atual do bombardeio mercadológico sobre a infância?
A Rebrinc tem uma importância muito grande. Penso que a Rebrinc deve se manifestar sempre e marcar posição em todo o Brasil, assim como o Instituto Alana que se tornou conhecido por brigar contra a publicidade infantil. A Rebrinc é uma rede, nacional, que congrega diferentes profissionais, que atuam em todo o Brasil e que se junta ao Alana, que é uma organização. Precisamos pressionar os diferentes agentes e constrangê-los. Tivemos uma ação contra a Coca-Cola, aqui em Porto Alegre, em que se procurou o Ministério Público que barrou a entrada da Coca-Cola nas escolas públicas do município. São essas ações que a Rebrinc precisa fazer, simultaneamente, em todo o Brasil e mostrar a força de uma Rede.

Como as escolas podem ajudar para proteger as crianças do consumismo tendo como foco a promoção da saúde?
A escola é o cenário ideal, porque é um local de aprendizado. As crianças estão ali e estão receptivas para receber a mensagem. Precisamos cooptar os professores. Os pais vêm à escola e se oportuniza também um momento de encontro. Os berçários e as escolas de educação infantil devem ser os nossos alvos preferenciais. Os hábitos alimentares e de atividade física são formados até os 2 anos de idade. Nesta fase, os pais vêm mais frequentemente aos berçários e às escolas de educação infantil para levar e buscar os filhos e exatamente neste período eles estão muito mais abertos às orientações que recebem dos professores. Nem sempre as orientações nutricionais dos pediatras estão adequadas, já que a Nestlé é muito poderosa e a interação entre ela e a Pediatria brasileira e internacional é muito forte. Precisamos lutar para que a educação nutricional seja incluída no currículo das escolas e para que o “dia da porcaria” seja abolido. Aniversários saudáveis são tão possíveis como aqueles cheios de doces e refrigerantes. Uma mudança de paradigma precisa ser obtida e para isso é preciso conscientização e é preciso acreditar todos os dias.