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O impacto da TV sobre as crianças austríacas

O impacto da TV sobre as crianças austríacas

 

Como são os apelos para o consumo sobre as crianças que vivem fora do Brasil? Será que temos formas para financiar os programas infantis na TV que não sejam ligadas à veiculação de publicidade? Vamos saber como funciona a programação voltada para crianças na Áustria. A brasileira Ana Dietmüller conta na seção De Olho na Mídia o que vivencia por lá ao lado do filho.

 

De olha na Mídia - REBRINC

Por Ana Dietmüller* – Graduada em Direito e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo

 

Preciso ser justa com o título: o impacto da TV sobre as crianças austríacas é bastante baixo, em comparação ao que conheço, e conheci, enquanto morava no Brasil.

Tudo começa pelo sistema televisivo adotado pelo país: a televisão é majoritariamente estatal (a partir dos anos 2000, surgiram alguns canais privados) e é o povo quem paga pela programação, ou seja, há um tributo (em torno de 25 Euros/mês) que afasta – quase que por completo -, o bombardeio de marketing e propagandas sobre os pequenos e os adultos durante a programação.

Para o raciocínio brasileiro, é um pouco estranho ouvir que “se paga para assistir TV”, mas para que não se tenha mídia massiva, alguém precisa – por óbvio – custear a infraestrutura e toda a grade de programação. E o povo assumiu esse encargo sem maiores questionamentos, porque, ao fim e ao cabo, a meu ver, entende que assim tem maior controle sobre o que está assistindo.

A ORF (Österreischische Rundfunk), inicialmente difusora de rádio, desde a década de 20, consolidou-se também como mídia televisiva após a II Guerra Mundial, na década de 50. É administrada por um Conselho, cujos membros são cidadãos e políticos. E são eles que decidem o que as crianças e adultos irão assistir em seus lares.

Muito bem! Mas como tudo isso influencia os pequenos telespectadores?

Dos quatro canais da grade transmissora, apenas um contempla programação infantil. Os demais veiculam excelentes atrações, englobando entretenimento, notícias, esportes, documentários, cultura, teatro, ópera e história. Dessa forma, como pais, detemos total controle sobre quais canais podemos acessar em frente a nosso pimpolho e quais não seriam adequados para seus três anos de idade.

Atualmente, a programação diária para os pequenos, no canal ORF 1, se inicia às 6:00 e se encerra às 07:57 e fim! É isso o que há na TV austríaca para crianças. Creio que o recado que a administração do país queira transmitir seja: a televisão deve ser usada com muita moderação junto às crianças. Exposição excessiva: jamais!

Há outro fator de igual importância: a partir dos dois anos e meio de idade (em alguns Estados, como é o nosso caso. Em outros, com três anos completos), os pimpolhos já estão aptos a frequentar o Jardim de Infância. Então, por via lógica, praticamente não existirão telespectadores mirins em frente à TV após às 08:00 da manhã (a maioria dos Jardins abre suas portas a partir das 07:30). E, após o retorno da escola, sempre que possível, é muita pracinha, caminhada pelos bosques, ou brincadeiras na rua ou nos jardins de casa.

Como temos acesso a canais do mundo inteiro via satélite, utilizamos também o canal infantil da Alemanha. Lá, assim como aqui, paga-se igualmente um tributo para se assistir TV.

Pois bem, o KiKa (iniciais de Kinder Kanal: “canal das crianças”) transmite programação unicamente para crianças e adolescentes, desde cedo da manhã até às 19:00 (quando já se iniciam atrações para o alcance adolescente).

Há detalhes, porém, nesse esquema, que precisam ser explicados:

  • Não existem comerciais durante toda essa grade de entretenimento. As crianças não são expostas a propagandas, portanto.
  • Dentre tantas horas de transmissão, raros são os desenhos animados que trazem algum traço de violência. E já ouvi de vários amigos brasileiros – que vieram nos visitar -, o seguinte comentário quando assistem conosco o KiKa: “a programação é, de verdade, para crianças. Inocente e informativa.
  • Para evitar fidelizar a criança a um determinado desenho, a grade de transmissão é móvel. Explico-me: meu pequeno adora um desenho que se chama Yakari (menininho de origem indígena, Sioux, que passa por diversas aventuras na sua tribo e na floresta onde vivem). Todos os dias às 17h passava o Yakari. Muito bem, durante o período de férias, o Yakari desapareceu. Por casualidade, reencontramos o Yakari às 07:00 da manhã. E assim eles procedem com muitos cartoons. Creio eu que seja para não “viciar” a criança.
  • Ao final de algumas transmissões, nos créditos, é impressionante o número de pedagogos e experts em educação listados. Sinal de que há pessoas, de fato, pensando aquilo para as crianças. Não parece ser nada feito aleatoriamente só porque se trata de crianças, não. A impressão que se tem é de haver, sim, um fundo claramente formativo!

E mesmo com tanta qualidade, há ainda famílias que nem TV possuem. Isso, aqui, não é incomum. Eu mesma tenho uma amiga que não tem televisor em casa. Quando deseja que sua pequena assista algo, acessa o Youtube e escolhe, exatamente, o que ela pode ver.

Embora seja a Áustria um país de livre mercado – e uma das nações mais ricas do mundo -, a selvageria por publicidade de consumo junto às crianças, via TV pública, não existe. O que há, quando transmitido, é voltado ao público adulto: são poucos comerciais veiculados após terminarem os programas (aqui, não existem propagandas interrompendo uma transmissão. Após concluída, vem um aviso bem grande, Werbung, que significa propaganda em alemão, e aí, sim, são passados dois ou três comerciais).

Durante o carnaval, as crianças têm sua própria festinha na escola. Então, vi muitas coleguinhas do meu filho fantasiadas de Rainha do Gelo. Sinal de que existe algum tipo de mídia – diverso da TV – que chega até as crianças. Cinema, DVDs, boca-boca, enfim. Ainda não descobri exatamente qual, mas pela emissora estatal, com toda certeza, não.

Repito, é um país de livre mercado, mas percebo que o comportamento de consumo infantil daqui é bem mais controlável por não haver tantos apelos direcionados ao público mirim. Trago um exemplo bem esclarecedor: meu filho não sabe o que é Coca-Cola, nem McDonald’s.

O que quero dizer é que ele não sabe os nomes dessas marcas porque propaganda de uma ou de outra, na TV, ocorra talvez uma vez a cada seis meses e fim. Nós não consumimos refrigerantes, e, quando vou ao McDonald´s com ele, é só para comer ou a batatinha ou o sorvete, nada mais. E, ao invés de refrigerante, peço sempre suco de maçã. Pronto! Então, para o meu pequeno, o nome do McDonald’s é “batata”. “Mamãe, vamos na batata?”, pergunta-me ele quando quer frequentar.

Não se trata aqui de querer implantar o sistema de um país no outro. Bem pelo contrário: cada um tem suas culturas e hábitos que devem ser preservados. O que trago apenas, a título de reflexão, é o procedimento que conheço, vivendo aqui. E garanto que algo nesse estilo assegura um pouco mais de preservação dos pimpolhos, bem como um pouco mais de paz de espírito e melhor controle por parte dos pais/responsáveis.

E isso, não tem preço!

Até a próxima!

Colunista REBRINC - Ana Dietmuller

Saiba mais sobre a colunista Ana Dietmüller

Nascida em Porto Alegre, em 1974.

Graduada em Direito pela PUC, também de Porto Alegre/RS, em 1996; pós-graduada em Direito Internacional pela UFRGS, em 2008.

15 anos de experiência profissional, militando na advocacia corporativa. Solução, diplomática, de conflitos tanto judiciais quanto de relacionamentos interpessoais, é um diferencial.

Infância feliz, cheia de brincadeiras ao ar livre, na pracinha, com os amiguinhos do condomínio. Muita amarelinha, 5 Marias, bola e bicicleta; aniversários dentro do apartamento mesmo e docinhos feitos pela mãe e avó.

Adolescência inquieta, questionadora e de muito estudo, mas também, de muito cinema, passeio com as amigas, violão e muitas amizades.

Juventude de muito estudo e trabalho, mas, também, de muitas relações humanas, viagens e trocas de experiências.

Moradora da Áustria há quatro anos, casada com um austríaco e mãe de um austro-brasileirinho. Vida simples, mas em um mundo diferente, rodeado de educação, cultura, civilidade e muito investimento no ser humano, sobretudo na diversidade cultural.

Apaixonada por literatura e, por consequência,  amante das letras, aventuro-me a escrever minhas próprias linhas.

Meus interesses? História, literatura, filosofia, música, gastronomia, viagens, línguas, mas, principalmente, o ser humano!