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Por que somos contra a publicidade infantil?

Por que somos contra a publicidade infantil?

 

Por Desirée Ruas – Jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e integrante da Rebrinc

A proteção da criança aos apelos publicitários tem respaldo legal há quase 25 anos. Desde a criação do Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37, a legislação já estabelece como abusiva e ilegal a publicidade que “se aproveita da deficiência de experiência e julgamento da criança”. Também desrespeita a legislação vigente toda publicidade discriminatória, que desrespeita valores ambientais, incita a violência, explora o medo ou a superstição, ou que induza o consumidor a se comportar de maneira prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Mas como determinar como cada um desses casos se concretiza em imagens ou palavras nos milhares de comerciais que chegam às pessoas diariamente no país?

Há um ano, em 4 de abril de 2014, entrou em vigor a resolução 163 do Conanda, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que explicita os critérios para determinar o que é uma publicidade infantil e como ela tenta convencer a criança para o consumo. E o que há para comemorar nesse período? Para quem defende a reflexão sobre a infância e o consumo, a resolução inaugurou um debate importante mas não gerou medidas concretas por falta de fiscalização e punição para os que desrespeitam a medida. E a dúvida persiste: até quando a criança vai continuar sendo alvo de mensagens comerciais nos diversos meios de comunicação?

É natural que quem sempre fez publicidade para crianças não aceite a mudança de bom grado. O que não é natural é que, mesmo após um ano da resolução em vigor, o mercado não se esforce para encontrar caminhos para anunciar seus produtos sem se valer da desigual relação publicidade e infância. Não dá para entender. Vão continuar na tecla do “é inconstitucional”, “Conanda não tem competência para tal” e outros argumentos assim. É importante lembrar que a Constituição Federal, no artigo 227, coloca a responsabilidade de todos para proteger a infância de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e também de exploração.

O cuidado com a infância de forma integral passa necessariamente pelos conteúdos da mídia que são oferecidos para as crianças assim como pelo incentivo ao consumo e os valores que estão embutidos na publicidade. Sabemos que nenhuma criança vai ficar imune à publicidade. Mesmo sem a publicidade direcionada para a criança, continuaremos tendo os demais comerciais, as ações nos pontos de venda, os encartes promocionais, os outdoors, a influência dos amigos da escola que também afetam meninas e meninos. Não há uma tentativa de se isolar a criança do mundo do consumo mas entender que a publicidade infantil, aquela que faz uso dos elementos listados na resolução 163 do Conanda, tem um impacto muito grande sobre as crianças. Ela é feita com o objetivo de persuadir e cristalizar um modo de ver o mundo que não é nem saudável nem sustentável. Os movimentos em defesa da infância e contra a publicidade infantil, que aglutinam pais, mães, educadores, profissionais de saúde e de outras áreas, repudiam estratégias de convencimento específicas para as crianças e não a publicidade em geral.

Sabemos que toda criança tem direito ao consumo, o que significa ter acesso a alimentação, vestuário e produtos e serviços necessários ao seu desenvolvimento. Mas isso não significa que a criança tenha condições de decidir o que quer consumir ou que possa consumir qualquer tipo de alimento, produto ou conteúdo. O processo de construção da autonomia da criança não pode ser confundido com a pressão para que as crianças se tornem consumidoras. Crianças não são consumidoras porque não têm condições de estar numa relação de consumo. A escolha dos itens que serão consumidos é uma responsabilidade da família. Mas se o mercado cria mecanismos que fazem com que a persuasão para o consumo recaia sobre a criança, e não sobre os adultos, estamos diante de uma prática abusiva.

O Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade do consumidor, parte mais frágil da relação de consumo, e por isso tem que ser protegida. Se o adulto é vulnerável, segundo o CDC, a criança é ainda mais vulnerável. Por isso ela não pode ser tratada como um miniadulto que vai ser alvo de estratégias de marketing como é feito com o restante da sociedade.

É uma conversa muito desigual. De um lado temos neuropsicólogos, pedagogos, publicitários e diversos especialistas em marketing reunidos em uma sala, por semanas ou até meses, para chegar ao produto perfeito e à campanha perfeita que serão usados para persuadir a criança para o consumo. Quem aprova este bate-papo entre especialistas e nossos filhos por meio de peças de comunicação com bichinhos fofinhos e cenários repletos de magia?

Não importa o produto, o veículo ou o estilo, se a publicidade fala com a criança, que não tem condições de fazer uma leitura crítica da mensagem, ela é abusiva e ilegal. Além de abusivo, por ser direcionada para a criança, a publicidade que induza o consumidor ao erro, por divulgar informações falsas, é uma publicidade enganosa, também ilegal segundo o CDC, como brinquedos que parecem se movimentar sozinhos. Apesar dos lindos cenários e da comovente atuação das crianças, a publicidade com apelo infantil deveria sair de cena. É o caminho a seguir pela proteção ampla da infância e por uma sociedade mais responsável, sustentável e ética.

 

Texto publicado no site Outras Palavras

 

 

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