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O que as crianças aprendem com um cartão de mesada?

O que as crianças aprendem com um cartão de mesada?

Por Carolina Delboni – Jornalista, redatora do Small+, consultora em comportamento e tendência infantil e integrante do grupo de discussão da Rebrinc

Publicado originalmente no site Brasil Post

Pow! Polêmica. Mega. Leia de novo o título para ter certeza que você entendeu o que irei desenrolar aqui. Sim, a equipe do Mauricio de Souza, criador da Turma da Mônica e seus amigos, acaba de lançar no mercado (sim, mercado, porque o mundo é capitalista, lembra?), um cartão de mesada para crianças. Ou seja, os pais depositam o dinheiro dela ali e ela gasta como quer. Com um pedaço abstrato de plástico.

Para gente. Para tudo porque está BEM errado e o negócio tá ficando sério demais!!! Primeiro de tudo, claramente, isso configura publicidade infantil de forma descarada e descabida. Desrespeitosa. Criança não precisa de cartão. Aliás, nem adulto deveria precisar porque nem nós temos controle humano sobre aquele pedaço de plástico. Nem nós, sabemos quando parar, quando não gastar mais. Quem costuma dar o aviso não é o bom senso. É a maquininha que avisa “compra não autorizada”. Mas que fique claro: falo do cartão, da forma, e não do conteúdo. Ganhar mesada, sabendo a hora certa, é extremamente educativo e importante para a criança. Mesada é sim uma fonte rica e importante de educação financeira.

Mas há quem acredite que não tem problema algum a criança receber mesada num cartão, afinal, dessa forma ela não corre o risco de perder o dinheiro. O assunto já está gerando polêmica na internet. Óbvio. Agora pergunto: se uma criança ainda não tem condições de exercitar sua responsabilidade para aprender a guardar dinheiro de forma a não perdê-lo, será que a mesma está pronta a receber mesada? Aliás, quando as crianças estão prontas para receber mesada? Porque cada vez mais cedo, como tudo nessa geração de crianças (infelizmente), as coisas chegam e acontecem mais cedo. Crianças de 7/8 anos já ganham semanada ou mesada. Crianças que estão no começo do ensino fundamental, se alfabetizando, aprendendo a somar e subtrair, ganhando dinheiro. Dinheiro sem propósito, sem finalidade. Dinheiro fácil. Porque é bonitinho ver seu filho ganhar um dinheiro e poder comprar uma bala ou sei lá o que. Mas vou te contar que não é bonitinho ensinar nossas crianças que dinheiro se ganha por ganhar. Não é bonitinho ensinar nossas crianças que dinheiro se ganha de forma fácil. Dinheiro a gente ganha suando, trabalhando, se matando (literalmente).

Criança pra receber mesada/semanada precisa, primeiro de tudo, saber fazer contas – e bem. Tem que saber contar, perguntar quanto custa, contar o troco, saber fazer perguntas, questionar, avaliar (minimamente) se vale a pena gastar nisso ou naquilo. E isso é um exercício que exige o mínimo de maturidade. Deve-se começar sempre com valores pequenos, como dar o equivalente à idade da criança. Deve-se começar com espaços curtos de tempo, como semanada, para ela conseguir exercitar o controle em períodos curtos, dentro da capacidade infantil. Deve-se decidir dar uma semanada a seu filho no momento em que aquilo fizer sentido na vidinha dele. Por exemplo, quando ele começa a almoçar na escola, ou tem que comprar seu lanche na escola. Ou quando fica à tarde no clube e precisa de um lanche. Quando seu filho começa a ter pequenos desejos e eles são cabíveis dentro de uma infância saudável. Um parágrafo todo no imperativo, mas que são propostas de educadores financeiros, não são apenas frases minhas. Cursos de educação financeira hoje pra criança (Casa do Saber tem e Itaú também tem um programa), exploram esses “deve-se” que eu falei acima.

Mas nunca a primeira forma de receber esse dinheiro deve ser via cartão. Muito menos da Turma da Mônica. Por uma razão simples: aprende-se matemática de forma concreta. As crianças começam a fazer contas com pedrinhas, feijões, sementes, e dedos. Em qualquer ensino, qualquer pedagogia, ensina-se matemática de forma concreta. A criança pega em algo pra poder somar ou subtrair. Ela precisa desse concreto para entender o processo lógico da conta. Só quando ele foi seguramente interiorizado, ou seja, aprendido, é que a matemática torna-se abstrata. Daí entram as contas de cabeça. Saem os dedos e os feijões e entra o raciocínio puramente lógico e abstrato. Isso acontece lá na frente. Até lá precisa ter na mão. Ou seja, a criança precisa visualizar a semanada. Se são 10 reais, tem que ter a nota ali na mão. Com cor, cheiro, tamanho e número. Precisa-se entender o sentido de gastar e receber menos como troco. Entender que não é porque ela ganhou uma de R$ 5 e duas de R$ 2 que tem mais do que os R$ 10 que tinha antes. Isso só com os olhos e as mãos. Nunca com cartão. Nunca. Cartão é infinito. É sem limites. Não se vê o fim nunca. Porque este é o principio que nos faz gastar mais. Sem limites. Sem fim. Mas este não pode ser o princípio de uma educação financeira infantil.

Não deem cartões de mesada a seus filhos. Ajudem eles a montarem mesinhas na calçada da vila ou lá embaixo no prédio pra vender gibi, desenho, pedrinha, flor… E que felicidade que é quando passa aquele morador, aquele vizinho, que acha uma graça aquela pessoinha ali vendendo gibis e resolve comprar um pra ajudar. E seu filho vem correndo mostrar a moeda que ganhou trabalhando. A criança se orgulha. Enche o peito de alegria. Porque teve trabalho, teve esforço e daí sim, teve conquista. Mesada não pode estar associada a limite ilimitado, não pode estar associada a merecimento (tipo você se comportou bem por isso vai ganhar a mesada), não pode estar associada a trocas (faça isso que te dou aquilo), não pode estar associada a cumprir tarefas (lista de afazeres e valores associados). Dinheiro é coisa séria! Olhem ao redor do mundo em que vivemos e o tamanho do problema que estamos enfrentando. Dia a dia. Mauricio de Souza e Visa, vocês erraram feio! Muito feio. As maçãs a gente engole, mas o cartão… E pais, vamos começar pelo concreto, pelo palpável, pra depois abstrairmos como os tempos modernos pedem. Tudo devagar e pequeno. Pequenas quantidades. Por pequenos valores. Na proporção da infância. Na proporção do que elas são capazes. Isso é cuidado. Isso é amor.