Pages Menu
Categories Menu
O que a indústria de brinquedos traz de novo para as crianças?

O que a indústria de brinquedos traz de novo para as crianças?

 

Por Desirée Ruas – Jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e integrante da Rebrinc

 

Celebrar a infância não tem nenhuma relação com compra de brinquedos. Ou não deveria ter. Mas a data – assim como o Dia das Mães ou Dia dos Pais – foi criada para movimentar o comércio. A publicidade diz que devemos mostrar o nosso amor com presentes comprados, à vista ou parcelados em 10 vezes. Mas comprados. Não interessa ao mercado feiras de troca de brinquedos, nem outras alternativas para celebrarmos a vida de nossas crianças, como passeios, atividades e brincadeiras ao ar livre.

E o que mostram os comerciais? O que o mercado oferece  para presentear no Dia das Crianças? Em primeiro lugar, é bom lembrar que persiste a publicidade abusiva, que é proibida, anunciando para o público infantil. Um desrespeito à legislação hoje vigente que proíbe o direcionamento da publicidade para a criança. Se o brinquedo é bom para o desenvolvimento e a diversão da garotada, a indústria de brinquedos deve convencer os adultos: os pais, as mães, os avós, os tios… Os publicitários, com toda a sua criatividade, podem fazer isso, inclusive em anúncios de brinquedos. Em segundo lugar, fazem publicidade enganosa por mostrar situações que não condizem com a realidade: carros que voam, bonecas que andam e por aí vai. E em terceiro lugar, vemos que as opções de brinquedos deixam pouco espaço para o brincar livre e criativo e buscam ensinar nossas crianças a consumir cada vez mais.

Nos intervalos da programação infantil até as crianças percebem que algo mudou e tudo é anúncio de brinquedo e incentivo ao consumo. São vários os lançamentos neste Dia das Crianças. A Aline Pierote, de Belo Horizonte, mandou o seguinte comentário para a Rebrinc: “Dia das Crianças chegando e as propagandas vêm pesadas anunciando muitos brinquedos deslumbrantes. O aumento desse tipo de publicidade é tão gritante que até meu filho de oito anos comentou: ‘mãe, só tem propaganda de brinquedo na televisão!’ ” E ela, claro, aproveitou para explicar o porquê de tanto bombardeio. Mas um brinquedo específico chamou sua atenção. Ela explicou: “o comercial em questão mostra duas meninas vestidas como moças fazendo compras em uma loja de roupas e comprando com o cartão de crédito que vem junto com o ‘brinquedo’. O comercial coloca o consumo como uma brincadeira super divertida! Fiquei imaginando quantas meninas e meninos de hoje em dia devem presenciar o consumo exagerado de seus pais e ainda têm a ideia do quanto isso é divertido reforçada por um brinquedo desse tipo. É o sistema assegurando a formação de uma nova geração de consumidores compulsivos que o sustente”.

O que o “brincar de consumir” representa na vida das crianças? Ricardo Alves, de São Paulo, também se sentiu incomodado com o brinquedo, a caixa registradora de uma boneca famosa. “Não sei se isso é falta de imaginação para criar um brinquedo legal, ou se é muita imaginação para transformar uma caixa registradora em um brinquedo. O problema está no resultado dessa criação que, na minha opinião, parece ser um grande prejuízo. Honestamente, acho esse brinquedo perverso por colocar o capital como centro da atenção da criança. Não é como imaginar ter uma padaria e fazer bolinhos de barro. Nesse caso, a criança não cria nada, ela só cobra e brinca de cartão de crédito, brinca de ter ou não ter e acaba reproduzindo a linha divisória de classes sociais.”

E a gente pergunta: será que os pais e as mães têm um olhar crítico sobre os produtos anunciados e procuram saber se os brinquedos são interessantes para seus filhos, de fato? Ou cedem aos pedidos sem reflexão? E se o produto é muito anunciado ele é sempre o campeão de vendas na data. Então já sabemos que teremos muitas caixas registradoras por aí, pois o bombardeio sobre as crianças é poderoso, infelizmente.

Qual é o espaço que nós, pais, mães, educadores, ativistas do consumo e da infância, temos para expor nosso descontentamento com brinquedos caros, pouco criativos e sobre a publicidade abusiva que recai sobre a criança? Não esperem que o mercado estimule a consciência no consumo, nem que a indústria de brinquedos contribua para o combate ao consumismo infantil. É a cultura do consumo tomando conta de todos os espaços da infância, incluindo o dos brinquedos e brincadeiras. E o brincar muitas vezes passa longe dos brinquedos que o mercado apresenta. Quem nunca viu uma criança que prefere brincar com a caixa do que com o brinquedo que vem dentro dela?

Atenção aos pedidos das crianças, aos comerciais, às promoções, à conversa do vendedor da loja, aos sites de compras, ao endividamento, ao desperdício de recursos e ao comprar por comprar. Criança merece sim estímulos para brincar. Isso é um bom presente. Mas o brincar não depende do comprar. Vale buscar alternativas, sair do piloto automático, refletir com as crianças, reinventar o que se tem em casa e participar de feiras de trocas de brinquedos sempre que possível. E esperamos que o Dia das Crianças de 2016 seja um pouco diferente, sem publicidade infantil e com mais respeito à infância. Quem sabe!

E lembre-se: Dia da Criança é todo dia. É o ano todo, em todos os momentos. Vale celebrar cada ação e iniciativa em que pessoas e organizações estão trabalhando pelos direitos da infância, quando as famílias estão oferecendo carinho, cuidado e amor, quando as escolas estão sendo espaços de descobertas e crescimento, e a cidade sendo mais humana e acolhedora com nossos pequenos.

 

Quer se juntar a nós da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, e conversar sobre o consumismo na infância? Participe conosco do grupo de discussão e da nossa página no Facebook.

Veja aqui o comercial da caixa registradora.

 

Publicado em 7 de outubro de 2015

 Imagem: Internet

selo_desiree_01abr

Saiba mais sobre a colunista Desirée Ruas:

Sou jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, palestrante e ativista da infância. Atuo como multiplicadora em educação para o consumo desde 2004 e coordeno o Consciência e Consumo, um movimento que integra educação, mídia, cidadania e sustentabilidade. Sou mãe de duas meninas, vivencio as questões da influência da publicidade e da mídia em casa e nos outros espaços onde atuo. Moro em Belo Horizonte, capital de um belo estado que vem perdendo suas belezas naturais por causa da destruição gerada pela mineração. Lido com temas como água, resíduos, consumo, mobilidade urbana, mobilização e transformação das pessoas e dos ambientes. Buscar caminhos para a construção de cidades mais humanas é um desafio diário. Pensar em nossas crianças nos ajuda a medir o quanto temos avançado nessa busca. Acompanho a temática infância e consumo há alguns anos e o incentivo a uma leitura crítica da mídia sempre fez parte de minhas conversas, textos e apresentações. Fazendo parte da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, desde sua criação, pude me conectar a pessoas e movimentos que informam, refletem, questionam e inspiram pela construção de uma cultura do cuidado e da paz, pela infância e por todos nós.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

 

 

Post a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *