O perigo mora (na tela) ao lado
Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia
Alguma vez na sua infância você lembra de ter brincado de ficar sem respirar? Eu já. Ficava brincando de contar quantos segundos eu conseguia ficar naquela situação, nem lembro direito o porquê. Brincava sozinha mesmo, sem ninguém que me desafiasse. Curiosidade infantil? Superação de limites? Não sei mesmo. Venho pensando nesse tipo de brincadeira há mais ou menos um mês, desde que participei, em agosto desse ano, do I Colóquio Internacional sobre Brincadeiras Perigosas: Prática, Riscos e Prevenções no Mundo, realizado pelo Instituto DimiCuida, com apoio do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Ceará, SINEPE-CE e do Sindicato dos Médicos do Ceará. Até então eu não tinha dimensão do quanto devemos levar a sério esse tipo de brincadeira.
Sul-africanos, franceses, estadunidenses e brasileiros reuniram-se em Fortaleza, no Ceará, para discutir sobre o tema. Entre os presentes estavam psicólogos, educadores, advogados, e profissionais da saúde, além de familiares e amigos que perderam entes queridos em consequência de jogos perigosos. Até então eu não fazia ideia do que me esperava. Primeiro porque eu cheguei sem o mínimo conhecimento sobre o assunto e segundo que eu não imaginava que eu seria fortemente tocada por todos os depoimentos dados, sobretudo pela pessoa que ficou comigo durante um tempo e me contou um pouquinho de sua história. Por várias vezes tive que segurar o choro, mas em algumas nem me dei ao trabalho.
Uma das primeiras coisas que eu aprendi nesse encontro foi que brincadeiras perigosas não devem ser confundidas com tentativas de suicídio. Não é fácil diferenciar as duas coisas para quem nunca ouviu falar sobre esse tipo de prática. Mas a família tem o direito de saber e por isso mesmo esse tema deveria ser amplamente divulgado e sobretudo estudado por profissionais das mais diversas áreas. Ouvi relatos emocionantes de pais que passaram anos angustiados com a certeza de que seus filhos não cometeram suicídio, mas sem ninguém que pudesse conversar com eles e esclarecer o que aconteceu de fato.
Confesso que eu, particularmente, fui com o interesse de saber que lugar as tecnologias ocupam no contexto desses jogos. Descobri, não com tanta admiração assim, que elas ocupam um lugar bastante grande. O psicólogo Inácio Diógenes, especializado em psicanálise da infância, tocou em um ponto muito interessante. Ele lembra que crianças e adolescentes se sentem influenciados pelos pais, professores, amigos, mas também por personalidades de blogs e vlogs. Essa observação se torna ainda mais importante quando unida à fala da psicóloga Juliana Guilheri, que mostra que em 2010, quando as brincadeiras do desmaio eram procuradas no YouTube, a plataforma apresentava cerca de 500 resultados contra 9.000 resultados em 2015 no Brasil e 200.000 nos Estados Unidos. Fora isso, uma das mães presentes no evento alertou sobre grupos no whatsapp formados por amigos que praticam as brincadeiras/jogos/desafios travestidos de grupos de estudos.
Quando a gente assiste a vídeos que mostram os rostinhos de garotos e garotas de 17, 15, 13, 11 anos… meninos e meninas do mundo todo que perderam suas vidas para esse tipo de brincadeira, a gente sente uma necessidade enorme de falar bem alto que é preciso chamar a atenção de autoridades, empresas, sociedades inteiras para esse problema. Uma das histórias mais emocionantes que eu ouvi foi a de Gavin Cocks, um pai sul-africano que perdeu o filho para o jogo e que sozinho, sem qualquer tipo de apoio, viaja pelas cidades de seu país para tentar conscientizar o máximo de pessoas que ele consegue; e não desiste, mesmo que muitas portas sejam fechadas para as suas falas. Que se multipliquem os ativistas como Gavin Cocks, que se multipliquem os institutos como o DimiCuida. Que se multiplique a informação e a vida.
Dia 28/09/15 o Instituto DimiCuida realiza novo evento sobre o tema em Fortaleza. Saiba mais aqui.
Criado em 2015, o Instituto DimiCuida nasceu após um jovem brasileiro de 16 anos perder a vida praticando o jogo do desmaio. Visando a preservar a vida de outros jovens, o Instituto desenvolve pesquisas e estudos, mantendo uma troca permanente de informações com outras entidades do mundo.
Saiba mais – Visite o site do Instituto DimiCuida
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Publicado em 24/09/2015
* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:
Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.
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