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O mundo não venceu o trabalho infantil

O mundo não venceu o trabalho infantil

 

* Por Antônio Coquito – Jornalista e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo – Rebrinc

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro, no último dia 4 de julho, foi infeliz ao fazer a defesa do trabalho infantil. “Trabalhei desde os oito anos de idade plantando milho, colhendo banana, com caixa de banana nas costas com dez anos de idade e estudava”, declarou. No Brasil, onde os indicadores de pobreza tem aumentado, tendo 14 milhões de desempregados e quase 30 milhões de subempregados, transferir obrigação no legitimar o trabalho infantojuvenil é desconsiderar a vulnerabilidade familiar.

A realidade está denunciando que as políticas de geração de emprego e renda, cidadania e inclusão social não são efetivas em atuar na raiz do problema. A ausência ou inoperância delas sinalizam que o Brasil precisa oferecer oportunidades e retirar da situação de vulnerabilidade e da exclusão os pais, famílias e comunidades onde estes meninos e meninas vivem.

Mobilização mundial 

O mundo está em uma agenda permanente de mobilização pela dignidade da população infantojuvenil. Governos, sociedade e empresas têm o compromisso de, em todos os dias, eliminar esta realidade diante de nós, provocando-nos a atitudes e a respostas. Um dos grandes desafios da proteção é a ocorrência do problema na agricultura e pecuária. Entidades internacionais e brasileiras atuam na investigação de uma série de violações dos direitos, pressionando governos e organizações a juntarem suas vozes para exigir cidadania, políticas e práticas favoráveis ao desenvolvimento integral das crianças e adolescentes.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é uma Agência das Organizações das Nações Unidas (ONU), do qual o Brasil é signatário, ratifica a posição de proteção total à infância. A entidade afirma em documento que “o trabalho infantil é ilegal e priva crianças e adolescentes de uma infância normal, impedindo-os não só de frequentar a escola e estudar normalmente mas, também, de desenvolver de maneira saudável todas as suas capacidades e habilidades”. A OIT reflete os prejuízos ao desenvolvimento econômico dos países. Segundo a organização, “o trabalho infantil é causa e efeito da pobreza e da ausência de oportunidades para desenvolver capacidades. Ele impacta o nível de desenvolvimento das nações e, muitas vezes, leva ao trabalho forçado na vida adulta”.

No Brasil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) lançou no dia 12 de junho de 2019, quando se comemora do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, a campanha nacional – “Toda criança é nossa criança – Diga Não ao Trabalho Infantil’. A mobilização tem o objetivo de chamar a atenção da sociedade para que “toda criança tenha condições de se desenvolver, estudando e brincando e, dessa forma, garantir um futuro com mais oportunidades”. O MPT  registrou mais de vinte e uma mil denúncias de trabalho infantil no período de 2014 a 2018.

Acesse o vídeo da Campanha 2019 do Ministério Público do Trabalho – MPT:

 

Ciclo de pobreza e vulnerabilidade

Os defensores dos direitos e especialistas são unânimes em esclarecer que o trabalho para a população infantojuvenil, que está em fase peculiar de crescimento, gera prejuízos físico, intelectual, emocional e psíquico. Para estes especialistas, o desenvolvimento integral e saudável das crianças acontece no acesso e permanência na educação nas suas diversas possibilidades. Portanto, a cidadania e o direito humano destas crianças só acontecem quando na história de vida delas e de seus pais têm garantidos o acesso à escola, às condições dignas de sobrevivência, ao lazer e à convivência familiar e comunitária (Art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente – E.C. A).

Raymundo Mesquita, irmão salesiano, ex-conselheiro do Conselheiro Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e um dos idealizadores do E.C.A., fazendo a interpretação da fala do presidente, desabafa que “o trabalho infantil é resposta à miserabilidade com que vive e é tratada a família brasileira”. Mesquita, que também foi o idealizador e um dos primeiros coordenadores do movimento Marcha Global pela Educação e contra o Trabalho Infantil, faz um alerta lembrando que “muitas dessas crianças não só trabalham, mas chegam a viver em condições subumanas, até escravidão”.

Para muitos pais, diante da conjuntura de negação e pobreza, as crianças nestas situações deixam de serem crianças. Elas são encaradas como produtivas; não são imaturas para o trabalho, são lucrativas. As idades da infância se diluem numa rede de necessidades da sobrevivência familiar. E conjuntamente, nos interesses imediatos do mercado e num certo silêncio da sociedade adulta.

A realidade da fragmentação da família que leva à vulnerabilidade da criança é apontada, também, pela professora e pesquisadora Rita Leal, do Curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas. Vivendo num contexto de urgência diante do sobreviver, Leal explica que “essa prática é agravada pela contratação de toda a família no trabalho das grandes lavouras”.

A negação da infância

O mundo tem, conforme dados da OIT, mais de 150 milhões de crianças e adolescentes trabalhando. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), os números aumentaram para três milhões de crianças e adolescentes exploradas na área rural. Os números crescem desde 2013. O Norte e o Nordeste concentram 60% (sessenta por cento) da mão de obra infantojuvenil.

Esta infância “trabalhadora rural  ou na cidade e economicamente ativa” aponta sinais de um quadro perverso. A realidade denuncia que as políticas públicas ainda não os acolheram como cidadãos brasileiros em desenvolvimento – prioridade absoluta como previsto na lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – o E.C.A.

A ausência das políticas penaliza os meninos e as meninas brasileiros em suas expectativas e sonhos. Eles estão em situação única de desenvolvimento. Suas habilidades físicas, motoras, cognitivas e psicológicas estão em formação. Exigir deles e delas significa agredi-los. A psicóloga Zlatica Sasaki alerta: “o abuso e a exploração causados pelo trabalho geram desequilíbrios orgânicos na criança ainda em formação”.

A psicóloga enumera as consequências sendo “disfunções metabólicas, traumatismos, infindáveis moléstias e doenças de fundo emocional”. Estas refletirão de forma pontual na fase adulta. “Fobias, medos, desencontros e rompimentos abruptos ou agressivos nas relações, comportamentos compulsivos e repetidos, manias e, em casos extremos, a tentativas de autoflagelação chegando ao suicídio”, adverte Sasaki.

Disque 100 para denunciar o trabalho infantil ou procure os Conselhos Tutelares.

As denúncias são sigilosas e não precisa identificação do denunciante.

 

Imagens: Campanha MPT

*Antônio Coquito é Jornalista Profissional MG06239JP – Especialista em Marketing e Comunicação – Ênfase Temáticas Sociopolíticas, Responsabilidade Socioambiental, Gestão Pública, Políticas Públicas, Saúde e Qualidade de Vida, Segurança Alimentar e Nutricional, Desenvolvimento Sustentável, Cidadania e Direitos Humanos.

Saiba mais sobre o colunista:

Sou Antônio Coquito – jornalista,  escritor e um pouco poeta – amante da palavra como forma de transformar o mundo. Sempre fui e sou inquieto, quando o assunto é justiça e inclusão social. Os temas humanos e de cidadania,  segurança e soberania alimentar, socioambientais e planetários  são  importantes para análises e construções do meu fazer pessoal e profissional. Minha ligação com a promoção, defesa e garantia da cidadania e dos direitos infantojuvenis começou nos temos de estudante de jornalismo.  Entendo que uma sociedade melhor começa com acreditarmos e construirmos possibilidades para as novas e futuras gerações. Acredito na proposta da Rede Brasileira Infância e Consumo – REBRINC como espaço de interação e construção do pensamento e da prática coletiva para uma sociedade justa, humana e boa de viver para todos.