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Mata do Planalto e o que ensinamos para nossas crianças

Mata do Planalto e o que ensinamos para nossas crianças

 

Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia

Não sou mineira, é verdade. Mas tenho um carinho que sabe-se lá de onde veio por esse estado. Na verdade, suspeito. Minas me remete à natureza, mas também à história. Quando penso em Minas, penso em cachoeiras, muito verde, mas também construções de épocas outras. É como uma história viva. Aqui, no Ceará, não costumamos preservar nossa história assim. Nossa capital vem sendo cada vez mais consumida por prédios imensos e casas com muros enormes.

Não sou mineira, como disse, mas sei o sofrimento que é a tentativa de preservar as áreas verdes da capital, enquanto o prefeito nitidamente se preocupa mais com carros que pessoas. Mais viadutos, menos árvores. Menos sombra numa cidade tão quente. Mais prédios, menos casas antigas e preservadas. Menos jardins, menos quintais, mais garagens.

Venho acompanhando a luta pela preservação da Mata do Planalto há alguns meses. Enquanto BH periga perder sua área verde para um empreendimento do setor imobiliário, fico estarrecida com um relato: uma mãe que descobre que, na escola, a professora falou com a turma de sua filha sobre o problema que a Mata do Planalto está enfrentando. Seria ótimo, se não fosse o fato de que a professora resolveu que deveria convencer os alunos que o empreendimento deve ser executado. Duas coisas em questão que já foram mencionadas no texto: mais prédios e, consequentemente, menos verde.

Resolvi escrever sobre isso porque hoje, num grupo de estudos, falávamos sobre como é difícil resistir dentro de um sistema que, quando não nos pega por um lado, pega por outro. Somos levados a acreditar que: derrubar árvores, interferir na fauna local, reduzir a área verde de uma cidade grande (como se já não fosse pequena), deformar um espaço que a natureza sabiamente sozinha construiu – e que, até então, serve de refúgio em meio ao caos urbano – e privatizar um espaço público em que todos podem ter acesso para construir prédios com “espaços verdes de lazer” (que serão utilizados apenas por determinada parcela privilegiada da nossa sociedade)…é, realmente, muito mais vantajoso do que preservar uma área verde importante para a cidade. Muito mais do que isso! Nossas crianças são levadas a naturalizar um absurdo desses pela própria instituição escolar.

Essa situação toda me lembrou o triste vídeo cômico do pessoal do Porta dos Fundos, chamado “Colonizado”. Os índios estão aqui tranquilos, vivendo duas vidas, sem doenças causadas pela imundície das cidades grandes europeias e, de repente, não mais que de repente, são arrancados à fina força de seus espaços, para serem escravizados, colonizados. A ironia fina do vídeo consiste na cena em que o colonizador tenta e consegue convencer o líder da tribo de que o melhor mesmo é ceder para os portugueses. O líder da tribo, por sua vez, apresenta sua espécie de slides primitivos aos demais índios para convencê-los do grande empreendimento que será realizado com os lusitanos. E os índios que não gostam dessa ideia é pura e simplesmente porque não têm visão de futuro, enquanto o líder (que se assemelha aqui ao líder de marketing) está vendo longe, para lá de 1500 anos.

Ah, se eles soubessem…

Obs.: Como professora, estudante e membro de uma rede que pretende dialogar com professores, instituições escolares e formadores de opinião, senti-me impelida escrever sobre isso. Mas como cidadãos que somos, devemos nos sentir na obrigação de, no mínimo, refletir sobre questões como estas.

 

Leia aqui o texto Mata do Planalto: uma luta pelo direito ao verde e pela infância

 

Publicado em 05/05/2016

Imagem: Reprodução

Colunista Rebrinc

* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:

Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.