Mãe, compra pra mim?
Por Maria Belintane, doutora em Educação e especialista em Desenvolvimento Humano, e Valéria Cantelli, doutora em Educação, membro do Laboratório de Epistemologia Genética/Faculdade de Educação/UNICAMP e especialista em Educação para o Consumo. Ambas são integrantes da Rebrinc.
Nas oportunidades que temos para conversar com famílias a respeito de publicidade e consumo percebemos que elas estão duplamente vulneráveis. Primeiro porque prevalece o desconhecimento dos seus direitos enquanto consumidoras, de que podem denunciar situações abusivas e mais, quando manifestam o desejo de denunciar, não conhecem os meios para fazê-lo e como proceder com os papéis necessários para isso (no site Prioridade Absoluta é possível encontrar a quem se dirigir e como). Segundo, porque apesar de terem consciência de que a publicidade interfere nas escolhas que as crianças fazem, acham que é impossível proteger as crianças do assédio do marketing e diante das inúmeras solicitações de compras dos filhos muitas vezes não sabem como agir.
Atento a essa demanda de pais e mães, o GAEEC (Grupo de Alfabetização Econômica e Educação para o Consumo/Faculdade de Educação/Unicamp) realizou uma investigação com pais moradores em cidades da Região Metropolitana de Campinas e de uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais no ano de 2012, com filhos matriculados em escolhas públicas e particulares. Essa investigação teve como objetivo recolher relatos empíricos sobre o estresse que as famílias vivenciam nas situações de compra e sobre como lidam com os inúmeros pedidos de “compra pra mim” que ouvem dos filhos. Foram coletados 172 relatos de famílias, pertencentes aos níveis socioeconômicos baixo, médio e alto.
As respostas foram categorizadas, procurando responder a duas perguntas: 1) O que os pais sentem nessas situações? 2) Como os pais agem diante dos pedidos de compra dos filhos?
Em relação à primeira questão, o que os pais sentem, foram relatados os seguintes sentimentos:
constrangimento, diante da embaraçosa situação que os filhos lhes colocam;
nervosismo, quando não conseguem convencer o filho do motivo de não poder comprar tudo o que querem;
raiva, pela insistência dos filhos, chegando em algumas ocasiões a “perder a cabeça”;
impotência e vergonha, não se vendo como bons pais, por não conseguirem atender aos pedidos dos filhos;
frustração, pois acreditam que é o seu dever atender aos pedidos dos filhos e garantir-lhes uma vida boa e feliz;
sentem medo dos filhos ficarem doentes, por não terem o que desejam tanto;
insegurança, pois preocupam-se com o fato de o filho não ser aceito pelo grupo, por não possuir determinados bens;
cansaço e desânimo diante da dificuldade de estabelecer limites e lutar contra os apelos publicitários;
felicidade, pois acham que tem sorte dos filhos serem “bonzinhos” e compreensivos e aceitarem os argumentos.
Quanto à segunda questão, como lidam com a situação, as respostas revelam as seguintes estratégias utilizadas pelas famílias:
conversam e procuram “entreter a criança” com outra coisa;
cedem logo para evitar escândalos;
tentam explicar que não podem comprar naquele momento, mas se não é algo muito caro ou o preço é bom acabam comprando;
ficam nervosos e apelam para castigos e, às vezes, chegam a usar agressão física;
trocam por algo de menor valor, caso o pedido envolva a compra de algo muito caro;
negociam a compra para que ocorra em uma data especial ou condicionam a compra se os filhos apresentarem bom comportamento ou boas notas na escola;
utilizam crédito quando percebem que a criança quer muito, recorrem ao cartão de crédito ou outras formas de compra a prazo;
não levam as crianças às compras para evitar situações difíceis;
conversam e antecipam o que vão fazer e onde vão antes de sair de casa, ou seja, explicam que vão ao supermercado e que não haverá qualquer compra extra;
orientam a elaboração de listas e a prática da poupança, ensinando as crianças priorizem o que é necessário e a contribuir para a conquista de seus sonhos;
são firmes e explicam as razões pelas quais não podem comprar no momento e, mesmo que as crianças continuem a insistir, mantém sua posição.
Os resultados revelam que menos de 25% da amostra apresentam estratégias mais coerentes com uma educação para o consumo. Utilizam-se do diálogo, explicam o porquê; estabelecem limite e, educam para uma prática racional e consciente.
O tema é preocupante e certamente exige maior investigação, no entanto, nos aponta para a necessidade não apenas de ajudar as famílias a formarem um juízo critico diante do consumismo mas, principalmente, de construírem instrumentos de resistência que apoiem os filhos a enfrentarem a sua relação com o consumo e com a publicidade.
Acreditamos que ações de resistência e de denúncia de publicidade nada inocente das empresas e sua avalanche de situações sedutoras e desleais em cima das crianças precisam ser exercidas por toda a sociedade. Defendemos que a família e as crianças necessitam de estratégias de resistência pessoal à essa avalanche de publicidade e isso poderia ser possível a partir de uma educação para o consumo consciente, realizada pela família em parceira com as escolas.
Compartilhamos do desejo de que as crianças estejam livres da exposição excessiva ao consumo e para tanto defendemos que a regulamentação da publicidade deve ser uma realidade em nosso país. Nossos lares precisam estar protegidos do bombardeiro mercadológico que incita na criança o desejo por consumir bens e serviços como forma de alcançar uma vida boa e feliz. Por isso, apoiamos toda e qualquer ação que lute pela proibição da publicidade dirigida à criança, mostrando a falta de ética das campanhas publicitárias, pois isso afeta diretamente a construção da identidade das crianças, sua relação com seus pares e com sua família.
Há um longo caminho a percorrer nessa conscientização. E, a escola, por ser a instituição mais próxima das crianças e das família, pode auxiliar muito nesse processo.