Lugar de criança não é no shopping
Por Carolina Delboni – Jornalista, consultora em comportamento e tendência infantil e integrante do grupo de discussão da Rede Brasileira Infância e Consumo
Feriado chuvoso, ficou na cidade e não tinha o que fazer. Bingo. Foi pro shopping com as crianças. A cena é comum aos finais de semana na cidade. Shoppings cheios, restaurantes cheios, corredores cheios. Tudo cheio. Final de semana parece sinônimo de passeio em shopping. Pelo menos é o que mostra o comportamento de 70% das famílias brasileiras. Passear no shopping aos finais de semana é programa. Fato. Agora reveja a cena: toda essa lotação + barulho e adicione crianças. Crianças pequenas, muitas em carrinhos, que passam a tarde fechadas num shopping vendo vitrine, andando por corredores de lojas. Aprendendo que consumo é sinônimo de diversão, de lazer.
Criança tem energia, e dentro do shopping não pode correr, vamos combinar! Não pode correr, não pode rolar no chão, não pode entrar no meio das araras, não pode pôr a mão suja na vitrine, não pode gritar, não pode lutar com o irmão, não pode um monte de coisas. E daí que chega um certo momento, depois de umas três horas que essa criança está ali, que ela se joga no chão, dá chilique. Ela está estafada de barulho e de não fazer nada. Tá pedindo pelo amor de Deus, me leva embora daqui! Mas os pais pedem um pouco mais de paciência, querem passear mais um pouco. A criança não tem e dá mais um chilique. A família corre pra loja de brinquedo e logo compra alguma coisa. Ou para pra comer um doce. Assim seguram mais um pouco a criança ali. Com isso nossos pequenos crescem aprendendo que basta dar um ataque que se consegue o que quer. Valores roubados.
Criança deveria estar no parque com a família. Deveria ir andar de bicicleta, brincar na praça, subir em arvore, balançar, brincar no parquinho e mais uma infinidade de coisas que a cidade oferece. Criança precisa ver a cor do céu, respirar ar puro, ter contato com valores mais verdadeiros, mais cheios de intenção. Precisam gastar energia de forma correta. Energia de criança, de infância. Chegar suada no final do dia de tanto brincar e capotar na cama. Ah! Pois é, brincar cansa! Isso significa que você vai cansar também, porque não dá pra sair pra passear e ficar 100% do tempo sentada na grama mandando seu filho brincar. Vai lá. Brinque junto. Empurre-o no balanço, ajude-o a subir numa árvore… Mexa-se junto com ele. Afinal finais de semana em família são feitos pra gente ficar junto.
Não dentro de um shopping passeando por corredores de loja. Não podemos fazer da eventualidade uma rotina e achar que isso é normal. Tem um ditado que diz que a vida é feita de escolhas. E escolhas cujas consequências dentro da infância não avaliamos é um tiro no pé. Shopping não é um lugar adequado para uma criança passar a tarde de um final de semana em família. A frase foi comprida pra ser completa. Um reforço aqui no meio do texto.
E pra que se faça diferente é preciso que os pais façam escolhas mais equilibradas, pra que as crianças não se preencham de vontades e “querer”. Preencher esse “querer” com vitrines e consumo é certamente um programa vazio de infância. As cidades proporcionam muito mais às famílias e às nossas crianças. Vamos procurar fazer melhores escolhas para construir um futuro mais saudável e feliz a nossos pequenos. Onde possam preencher suas escolham com algo muito maior do que sacolas e compras. Criança aprende brincando, e consumo não é brincadeira.
Publicado originalmente no Brasil Post