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Crianças e adolescentes em risco no mundo virtual

Crianças e adolescentes em risco no mundo virtual

Por Desirée Ruas é jornalista e pós-graduada em Educação Ambiental e Sustentabilidade. Integrante da Rebrinc.

Publicado originalmente em Consciência e Consumo.

Você deixaria seu filho sozinho na porta de casa conversando com um estranho durante horas? Certamente não. Mas é isso que acontece com crianças e jovens na internet, em sites de relacionamento, salas de bate-papo e programas de mensagens em computadores, tablets ou celulares. Ao usar um computador com acesso à internet, mesmo quando estão sob os nossos olhares, ou de algum responsável, nem sempre sabemos de fato onde estão e o que fazem em suas atividades virtuais. Além do bombardeio de publicidade, exposição a conteúdos inadequados, como pornografia e violência, e contato com pessoas mal-intencionadas são alguns dos riscos do uso da tecnologia sem supervisão. Mesmo o contato com pessoas conhecidas e amigos pode trazer problemas como quando ocorre a divulgação de imagens ou informações que deveriam estar restritas ao campo privado. O bullying, que nos ambientes virtuais causa um efeito ainda mais devastador em suas vítimas, também preocupa pais e educadores.

Crianças e adolescentes precisam de diversão e interação para crescerem de forma saudável. Com a possibilidade de conversar com pessoas diferentes, viajar por locais desconhecidos, ter acesso a muita informação, poder compartilhar fotos com vários amigos, ver vídeos divertidos e usar jogos, a internet é um grande parque de diversões, tanto para adultos quanto para os mais jovens. Privar nossos filhos de todas estas atividades prazerosas pode parecer um ato de injustiça. Mas se as crianças e os adolescentes não estão preparados para fazer um uso seguro da rede mundial de computadores porque o acesso é liberado pelos pais? Falta a consciência da responsabilidade pelos atos no mundo real e virtual, que deve ser ensinada desde cedo. Julgamentos indevidos, ofensas, preconceito e discriminação são comuns e muitas crianças e adolescentes acham que podem fazer o mesmo devido ao mau exemplo de outros usuários e a força do anonimato. Muitas vezes os próprios pais não têm informação suficiente sobre o uso responsável e seguro da internet nem sabem ser educados e respeitosos ao usar rede sociais. Como o exemplo é a mais poderosa forma de ensinar uma criança, é preciso coerência entre o que se fala e o que se faz.

Afinal, o acesso à internet, seja em casa ou na escola, deve ser acompanhado de perto por adultos. E adultos com conhecimento e discernimento para avaliar onde a criança pode navegar e onde não pode. E os pais estão conseguindo fazer este acompanhamento?O mesmo vale para a TV, seja a aberta ou por assinatura. Quantos pais e mães supervisionam o que seus filhos assistem e também colocam senhas e bloqueiam os canais que consideram inadequados na TV por assinatura? As empresas de TV por assinatura facilitam e estimulam essa ação por parte dos pais? Se não fazem deveriam fazer.

Na escola ou em casa, para a realização de tarefas escolares, o uso do Google tornou-se obrigatório para os estudantes. Lembro da boa e velha enciclopédia Barsa ou Delta Júnior, com todos os seus volumes bem colocados na estante da sala décadas atrás. Se a professora pedisse um tema para ser pesquisado, era certo que a enciclopédia teria o conteúdo para o trabalho, feito em folha de papel almaço ou cartolina. Também fazíamos pesquisas em revistas e jornais em papel. Nostalgia à parte, antigamente fazer pesquisa escolar era muito mais simples, sem perigos, não dependia de modem ou eletricidade. Mas hoje o computador é um imperativo na vida escolar dos alunos. Todos os dias, professores exigem pesquisas pela internet. Mas será que as escolas refletem sobre essa exigência? Haverá sempre um responsável para supervisionar a tarefa? Nem mesmo dentro da escola, o uso da internet consegue ser segura. E os sites de busca podem levar os estudantes a locais indesejados. Usamos programas para barrar sites inadequados? Estaremos sempre por perto para garantir o acesso apenas aos sites seguros? E como colocar limites na curiosidade, principalmente na dos adolescentes? No caso do Facebook, a idade mínima permitida para se ter um perfil é 13 anos. Quantos usuários com 12 anos ou menos você conhece? Se esta regra é infringida com o consentimento dos pais, por que não desrespeitar outras regras também?

Enquanto o acesso à web dependia do único computador da casa e de uma conexão por um fio de telefone o controle era mais fácil. Agora os equipamentos estão menores e mais acessíveis para os pequenos, podendo acontecer o acesso também via jogos, TVs e até máquinas fotográficas. Quantas crianças ganharam um tablet de presente no último Natal? Mesmo que a intenção seja exibir um desenho animado no Youtube ou baixar um joguinho, eles estão aprendendo muito cedo a entrar no mundo virtual e com isso outras questões se fazem presentes.

Na escola, o uso dos celulares com câmeras fotográficas e acesso à internet pode representar um problema. Os vídeos e as fotos que mostram pessoas em situações engraçadas e constrangedores são sucesso na internet, principalmente entre os jovens. Registrar cenas curiosas e também embaraçosas tem sido a meta de muitos. O bullying ganha reforço com a possibilidade do registro associados de palavras e imagens. Cenas que deveriam permanecer privadas chegam ao conhecimento do público com um simples clique. Divulgar comentários ofensivos, exibir o próprio corpo, com ou sem roupa, ou expor um colega têm se tornado cada dia mais frequentes entre crianças e adolescentes. Apesar de proibido durante as aulas, o uso dos equipamentos acontece nos recreios e em todos os momentos em que não há vigilância nas escolas. A vida pessoal do aluno e também de colegas de sala e de professores pode ganhar exposição indevida. Grupos de alunos se reúnem no recreio para exibir conteúdos inadequados para sua faixa etária, ou seja, mesmo que as famílias estejam presentes em casa para impedir que seus filhos acessem sites com conteúdo adulto a exposição acontece na própria escola ou na rua, na casa de um amigo, no clube ou na praça.

Como pais e escolas podem encontrar um caminho para educar os filhos, sabendo da curiosidade e o gosto pelo proibido naturais da adolescência? Falta um pouco de iniciativa para dizer ‘este jogo não é bom para você’, ‘novelas são para adultos’, ‘você não pode fazer algo que prejudique alguém dentro ou fora da internet’. E talvez as crianças, tão habituadas a TVs e computadores, desejem, na verdade, ouvir: ‘que tal desligarmos o computador e irmos brincar lá fora?’.

Conversas frequentes que incluam a questão da importância da privacidade em um mundo onde quase tudo é público e da liberdade associada à responsabilidade devem ser acompanhadas por medidas mais eficazes por parte das famílias e das escolas. As escolas podem promover debates e atividades com pais e alunos sobre o tema para mostrar os efeitos danosos do uso irresponsável das tecnologias. Além do diálogo constante com os filhos, pais podem estar mais próximos dos outros pais e da escola. Podem participar de grupos de discussão na internet formado apenas por pais para saber o que anda acontecendo na escola e nos grupos de amigos. Usar as redes sociais para proteger os filhos do uso das mesmas redes pode ser um caminho estratégico. Proibir o acesso, limitar, estabelecer regras e fiscalizar o cumprimento dos combinados são medidas importantes e cada família vai definir o que deve ser adotado. O que não pode é permitir o acesso geral e irrestrito. Vale lembrar também que o uso de celulares por crianças pode representar um risco para a saúde, como mostram algumas pesquisas. O uso excessivo das demais telas – computadores, televisão, joguinhos – também causa impactos no desenvolvimento global das crianças. Enfim, necessária e urgente a integração escola, alunos, famílias e especialistas, buscando sensibilizar todos os envolvidos do poder, positivo ou negativo, das novas tecnologias em casa e na escola e o seu uso responsável e seguro. Um grande desafio dos tempos atuais.

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