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As crianças e a cidade: observando o entorno da escola e propondo mudanças

As crianças e a cidade: observando o entorno da escola e propondo mudanças

 

Ana Carolina Pereira Martins dos Santos – Pedagoga pela Faculdade de Filosofa, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP) e Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Campinas-SP. anacarol_pedagogia@yahoo.com.br.

Darleng Arten Cavaletti – Pedagoga pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com Especialização em Ética, Valores e Saúde na Escola pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Campinas – SP. darlengac@gmail.com.

 

Observando os espaços da cidade, notamos o quanto os automóveis têm dominado o cenário e, mesmo a legislação sempre garantindo a preferência ao pedestre, sabemos que na maioria das vezes ela não é respeitada. Isso também se reflete na ampliação do número de estacionamentos, tanto privados quanto públicos, calçadas estreitas e na rapidez do semáforo para pedestres. Desde a mais tenra idade, é fomentado o desejo de consumo pelos automóveis através dos estímulos publicitários. Entretanto, aquele que deveria ser um meio para facilitar a vida das pessoas, tem se tornado um complicador. Fácil perceber o caos no trânsito das grandes cidades ou, ainda, a irresponsabilidade de alguns que assumem sua direção, o que contribui cada vez mais para que as pessoas se recluam em suas residências e deixem de ocupar os espaços urbanos, principalmente quando se tem crianças, devido à falta de segurança.

A preferência pelo automóvel tornou a rua, antes também espaço para brincadeiras, num ambiente perigoso, hostil, inapropriado à infância, prejudicando assim a apropriação do espaço público e da cidade como espaço para múltiplas relações e convivência na diversidade de maneira harmoniosa. Já não vemos muitas crianças circulando pelos espaços urbanos, conhecendo-os e explorando-os; ademais, são poucos os espaços pensados para elas, e isso pode ser observado na redução do número de praças e áreas verdes, além da deterioração daqueles já existentes, indicando que os tempos mudaram e junto dele, a configuração urbana. Segundo Tonucci (2014, p. 6), “uma cidade sem crianças que andem sozinhas pelas ruas, nas calçadas, nas praças, é uma cidade pior, mais feia, mais insalubre, mais insegura” formando crianças que não brincam, e crianças que não brincam, não crescem bem, segundo ele próprio.

O entorno do Centro de Educação Infantil (CEI), em que desenvolvemos nossas atividades, também não está imune a estas transformações. Os arredores de nossa escola não condizem com o de uma área escolar, não há qualquer sinalização indicando tal espaço, lombadas ou faixas de pedestre. Percebemos crianças e famílias arriscando-se pelas ruas, dividindo-as com os carros que passam, na maioria das vezes, sem respeito ou conhecimento da escola. Falta de informação, sinalização ou de respeito? O que falta para que o espaço escolar e o espaço das crianças e famílias sejam respeitados e enxergados com sua devida importância?

Acreditamos que se os centros urbanos apresentassem as condições adequadas para o deslocamento das crianças, propiciando diferentes graus de autonomia, “a interação entre pessoas desconhecidas e a copresença urbana poderiam ser percebidas e vividas de forma distinta daquela que atualmente experimentamos” (LANSKY, 2014, p. 11). Assim como Nascimento (2009), percebemos a invisibilidade das crianças nos espaços urbanos, dado que a cidade é pensada por e para adultos. As vozes infantis não são ouvidas, suas reais necessidades não são alcançadas; sendo assim, elas acabam excluídas do cenário urbano. O que lhes resta são os espaços construídos para elas tais como, plays dos prédios, quintais, escolas e salões de festas ou playgrounds de shoppings.

Pensando nestes apontamentos, resolvemos conversar com as crianças a respeito do entorno do CEI, para descobrir suas percepções sobre o mesmo e sobre um campinho de futebol que fica bem ao lado do prédio da Unidade Escolar – já que acreditamos que nossas crianças têm o direito de transitar pelos espaços públicos, conhecer o bairro onde estudam e vivem, utilizar os ambientes comunitários, divertirem-se e se relacionarem com espaços e pessoas para além dos universos familiar e escolar, pensando em novas formas de olhar e se apropriar do espaço urbano. A partir dessas conversas iniciais, decidimos juntos que iríamos passar uma tarde no campinho, brincando e conhecendo o espaço. No dia combinado, quatro turmas de crianças entre três e seis anos foram ao local, com bolas, cordas, bonecas, carrinhos e outros brinquedos, além de uma imensa vontade de brincar. Todavia, não conseguimos permanecer por muito tempo no espaço, devido à falta de estrutura. Retornando à escola, avaliamos nossa tarde e, dentre vários aspectos apontados, as crianças levantaram os seguintes: falta de água para beber; ausência de sombra; grades e alambrados deteriorados; traves quebradas.

Além do próprio campinho, conversamos também sobre o acesso ao mesmo, que se faz por uma rua não pavimentada, sendo que as crianças destacaram a irregularidade do terreno, a quantidade de lixo jogado onde deveria ser a calçada, obrigando-as a transitar pela rua, bem como mato alto e ausência de sinalização, sendo que elas sugeriram a instalação de semáforos para organizar o trânsito. Assim, ao ouvirmos as considerações e sugestões das crianças e levarmos em conta seus desejos e necessidades, as incluímos como usuárias do espaço público, bem como iniciamos o desenvolvimento das noções de cidadania e responsabilidade social. Diante de tudo isso, como na escola temos o hábito de escrever cartas para nos comunicarmos, ficou decidido que encaminharíamos nossos pedidos através de uma carta à Prefeitura Municipal de Campinas. E o fizemos, com nossas críticas e sugestões. As cartas das turmas foram protocoladas junto à Prefeitura.

Sem obtermos resposta, como tínhamos um passeio agendado ao Museu, localizado ao lado do prédio da Prefeitura, conseguimos o agendamento de uma conversa com o vice-prefeito da cidade. As crianças estavam muito ansiosas pela conversa e cheias de vontade de solicitar as melhorias. O vice-prefeito nos atendeu com muita atenção, ouviu todas as solicitações das crianças, desde o cercamento do campinho para não ocorrer nenhum acidente até a colocação de asfalto na rua que vai da escola até ele. E ainda questionaram o porquê da prefeitura não ter respondido às cartas enviadas. Para nossa surpresa, alguns meses depois, foram plantadas árvores ao redor da escola e no espaço do campinho. Pouco tempo depois, vieram funcionários de outro departamento para pintarem as ruas do entorno, adequando a sinalização e indicando o espaço escolar. As crianças ficaram muito felizes por terem seus pedidos atendidos, mas ainda aguardam outras melhorias solicitadas e, para isso, mais uma carta foi escrita para ser encaminhada.

Entendemos que a cidade para além de ser um lugar de lazer, brincadeiras, é também um espaço de encontros, de relações, de socialização. Dessa maneira, como destaca Moacir Gadotti (2006, p. 138), a escola educa para a diversidade da cidade e “precisa estar aberta para a diversidade cultural, étnica e de gênero, e às diferentes opções sexuais. As diferenças exigem uma nova escola”. Tonucci (2005, p. 21) constata aquilo que apresentamos no início deste relato: que nas últimas décadas, as cidades têm sido modificadas com base no trabalho dos adultos, e sugere um possível encaminhamento para essa situação: devolver a qualidade de vida das cidades a partir de um novo projeto que considerasse como eixo condutor o “jogo das crianças”, ou seja, que privilegiasse o direito e dever das crianças de brincar. Consideramos que a formação de cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade perpassa a instituição de Educação Infantil, na medida em que as crianças tem voz e são ouvidas, tanto no ambiente escolar quanto fora dele. Percebemos, com o passar do tempo, que as crianças passaram a ter um olhar mais atento para o entorno da Unidade, nos questionando sobre a realização das mudanças solicitadas, outras que ainda poderiam ser feitas, bem como fazendo referência à responsabilidade do poder público nesta tarefa. Dessa forma, entendemos que cabe à escola, em parceria com as famílias e o poder público, garantir que nos espaços urbanos as crianças tornem-se visíveis, que suas vozes sejam ouvidas e que sua liberdade seja garantida – assim como é para os adultos.

 

Referências:

GADOTTI, Moacir (2006). A Escola Na Cidade Que Educa. Cadernos Cenpec – Educação e Cidade. São Paulo, n 1, p. 133-141, primeiro semestre de 2006.

LANSKY, Samy. Segregação e encontro entre a escola e a casa. Revista Pátio – Educação Infantil. Grupo A Editora, Porto Alegre, Ano XII, número 40, Julho/Setembro 2014.

NASCIMENTO, Nayana Brettas. A cidade (re)criada pelo imaginário e cultura lúdica das crianças – um estudo em sociologia da infância. 2009. Tese de mestrado em Estudos da Criança. Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, Portugal, 2009.

TONUCCI, Francesco. Quando as crianças dizem: Agora Chega! Porto Alegre: Artmed, 2005. _________. As crianças e a cidade. Revista Pátio – Educação Infantil. Grupo A Editora, Porto Alegre, Ano XII, número 40, Julho/Setembro 2014.

 

Artigo publicado na Revista Diversidade e Educação

Acesse a versão completa em PDF (Vol 3 n.6 Jul-Dez 2015): revista_diversidade_e_educacao

 

Foto: Desirée Ruas/Arquivo REBRINC

Publicado em 15 de novembro de 2016