Adolescentes, jogos eletrônicos e hiper-realidade
Certo dia, enquanto um de nós coordenava um grupo terapêutico para adolescentes escutou de um deles: “vocês viram que o pessoal tá assustado, não tá saindo na rua com medo dos assaltos a banco que estão acontecendo?”. Você deve estar pensando que o adolescente se referia a uma realidade concreta, ao contexto de criminalidade vivido em seu bairro, alguma espécie de “toque de recolher”, infelizmente comum na realidade brasileira. Mas não!
Enquanto a conversa fluía, tranquilamente para os jovens e cada vez mais confusa para o terapeuta, tudo finalmente fez sentido: eles não estavam referindo-se à vida concreta, mas sim a um acontecimento na realidade virtual. Trata-se do jogo Grand Theft Auto (GTA 5) que, no seu modo online, permite ações compartilhadas entre muitos jogadores, em um contexto que impressiona pela perfeição gráfica e precisão dos cenários, sendo estes cópias extremamente fiéis a cidades reais.
Em nosso primeiro post do blog, levantamos alguns pontos a respeito dos jogos eletrônicos e seus efeitos. Existem muitos fatores em jogo, mas a situação descrita acima nos fez lembrar do conceito de “hiper-realidade”, desenvolvido pelo sociólogo francês Jean Baudrillard. Na hiper-realidade, com a ajuda da tecnologia, criam-se cópias perfeitas de situações, contextos e objetos de consumo. Paradoxalmente, essas cópias são tão perfeitas que substituem a própria vida real, de modo que facilmente podemos nos aprisionar no hiper-real e perder contato com as coisas mesmas.
Exemplos de hiper-realidade não faltam no mundo contemporâneo: a comida industrializada é vendida como a mais caseira do mundo, “igualzinha à comida da vovó”, mas nem sequer tem os ingredientes originais; os reality-shows que aparentam mostrar cenas absolutamente cotidianas de uma família ou um grupo, embora essas pessoas sejam personagens milimetricamente produzidos e maquiados; e os filmes da indústria pornográfica, que reproduzem e exaltam a atividade sexual ao ponto do consumidor investir mais no simulacro do que no sexo em si.
No mundo hiper-real, os espaços e objetos são neurolinguisticamente programados de modo que você possa se sentir na vida tal como ela é quando, na verdade, está imerso na ilusão. Baudrillard usa o exemplo de Las Vegas, construída em contraste absoluto com o deserto árido que a rodeia.
Os jogos eletrônicos, no seu atual nível de desenvolvimento, extraem cada vez mais seus cenários e situações de jogo da nossa própria vida cotidiana. Mas também maximizam-as, tentam torná-las mais “apetitosas” do que a realidade em si, promovendo um efeito de sedução em quem joga e, quem sabe, até um afastamento da realidade concreta. Os jogos de hoje podem lançar os jogadores em um caminho sem volta do hiper-real? Ou continuam sendo espaços oportunos para o jovem “ensaiar” os desafios que enfrentará ao longo da vida, estimular sua criatividade e até desenvolver sua capacidade de cooperação?
Artigo de Bruno Espósito, Bruno Mangolini e Tomás Bonomi publicado originalmente em Conexões Clínicas.