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Quem se importa com os adolescentes alcoolizados?

Quem se importa com os adolescentes alcoolizados?

Por Desirée Ruas* – Jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo

O carnaval mostrou o seu poder levando as pessoas para as ruas, reunindo a diversidade, a criatividade e a alegria por todo o Brasil. O que presenciamos nos dias de folia? Vimos o espaço público sendo ocupado com música e com arte, em uma bela forma de apropriação da cidade. Vimos que as pessoas podem se organizar, mobilizar a comunidade, criar blocos, fantasias, ter dias de diversão gratuita, sem precisar comprar nada e sem serem bombardeadas por marcas e empresas, como aconteceu em muitas cidades. Um carnaval do povo, das ruas e não de prefeituras ou empresas.

Mas um outro cenário que se mostra ainda mais nítido no carnaval acontece durante todo o ano em eventos que reúnem o público jovem. Meninos e meninas usam e abusam do álcool imersos em uma lógica de que se não tiver bebida não tem diversão. Sem entrar na discussão das outras drogas, lícitas e ilícitas, vamos falar apenas do álcool e pensar na sua relação com o carnaval e os jovens. A bebida alcoólica gera, em muitos casos, um comportamento de desrespeito, seja ao próprio corpo, à saúde, à segurança, à legislação, aos demais usuários dos espaços públicos e à coletividade. É importante ressaltar que é crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, bebida alcoólica a uma criança ou a um adolescente. Os responsáveis por estabelecimentos comerciais que vendem bebida alcoólica a menores estarão sujeitos à pena de detenção e multa. Mas como fiscalizar? Como fazer valer a lei?

Muitos Juizados da Infância e da Juventude estiveram em ação por todo o país. Mas a fiscalização é difícil e o apelo ao consumo continua sendo muito maior que as campanhas. O convite ao consumo da bebida não é pontual, acontece todos os dias e de variadas formas. A cultura etílica que predomina entre os jovens está atrelada também à publicidade de cerveja a qualquer hora do dia na TV aberta, aos anúncios de bebidas estampados na banca de revista e no ponto de ônibus, ao patrocínio para a realização de blocos e eventos… E contamos até com ônibus patrocinado por marca de cerveja rodando nos dias de carnaval. Até nos blocos infantis vemos marcas de bebidas. Enfim, parece que carnaval é sinônimo de cerveja. Como separar?

Os adultos que bebem em excesso já criam um problema para a sociedade. Muitos vão precisar de atendimento médico. Os hospitais ficam cheios daqueles que abusam do álcool e também há reflexos no aumento de acidentes de trânsito, conflitos nas ruas, depredação de patrimônio público, exploração sexual, violência nas ruas e dentro de casa, sobretudo contra a mulher e a criança. Os profissionais de saúde cuidam de pessoas que beberam demais ou que foram vítimas do álcool enquanto poderiam atender pacientes com outros tipos de enfermidade. E quem paga a conta?

Mas quando o álcool é consumido por adolescentes o problema é ainda maior, com ou sem necessidade de atendimento médico, com ou sem atos de vandalismo e irresponsabilidade. Espaços públicos tomados por adolescentes alcoolizados são um problema nosso. Talvez porque sejam tantos, uma multidão de meninos e meninas, sem nenhum responsável por perto, todos com a latinha de cerveja na mão, a catuaba, a vodca… parece que não há o que fazer. São centenas, milhares, milhões de jovens que, sob os efeitos do álcool, estão sujeitos a se envolver em brigas e a ter um comportamento sexual inconsequente. As bebidas com teor alcoólico baixo, em grande quantidade, e as destiladas com teor alcoólico muito alto, mesmo em pequena quantidade, fazem com que muitos jovens não se lembrem do que fizeram após beber.

As famílias, em casa, não imaginam os riscos e a exposição que seus filhos e filhas estão vivenciando. Mesmo que não sejam meus filhos, nem meus sobrinhos ou filhos de amigos, somos solidários enquanto pais e mães. Precisamos de uma rede de apoio para que todos nós cuidemos de todas as crianças e adolescentes, principalmente em situações de desrespeito aos direitos deles. E com relação ao álcool a nossa mobilização tem que ser muito grande para enfrentarmos o poder das grandes marcas, os comerciais, as festas com bebidas.

Quem passou pelo carnaval com olhos atentos ao comportamento dos jovens viu muitos deles aproveitando o carnaval de forma saudável e positiva mas também flagrou cenas difíceis de se descrever. Há uma visão de que no carnaval pode tudo, uma cultura que permite o álcool na adolescência e também aceita os excessos para os maiores de dezoito anos. Há uma ideia de que não há nada a fazer. E seguimos com o consumo de álcool cada vez mais precoce e com um saldo triste de um carnaval de excesso de bebida. Mas por que nos esquecemos que é responsabilidade de toda a sociedade o cuidado com a infância e com a adolescência também em dias de carnaval? Hora de refletir sobre a publicidade de cerveja nos quatro cantos e sobre os patrocínios aos eventos voltados para o público jovem.

 

Imagem em destaque: campanha 2016

Leia também: Publicidade de cerveja tem adolescente como alvo (Entrevista com o médico Daniel Becker)

 

* Saiba mais sobre a colunista Desirée Ruas

Colunista Rebrinc - Desirée Ruas

Sou jornalista, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, educadora ambiental, palestrante e ativista da infância. Atuo como multiplicadora em educação para o consumo desde 2004 divulgando temas como educação, mídia, cidadania e sustentabilidade. Moro em Belo Horizonte e faço parte da Rede Brasileira Infância e Consumo desde sua criação. Na Rebrinc pude me conectar a pessoas e movimentos que informam, refletem, questionam e inspiram pela construção de uma cultura do cuidado e da paz, pela infância e por todos nós. Cocriadora do movimento BH pela Infância.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

 

 

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