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O que eu quero no Dia das Crianças?

O que eu quero no Dia das Crianças?

 

Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia

“Trata-se do preconceito de que as crianças são seres tão distantes e incomensuráveis que é preciso ser especialmente inventivo na produção do entretenimento delas. É ocioso ficar meditando febrilmente na produção de objetos – material ilustrado, brinquedos ou livros – que seriam apropriados às crianças. Desde o iluminismo é esta uma das mais rançosas especulações do pedagogo. Em sua unilateralidade, ele não vê que a Terra está repleta dos mais puros e infalsificáveis objetos da atenção infantil”
Walter Benjamin

No Dia das Crianças eu quero…
Um sapato. Isso era o que dizia um comercial de uma loja famosa aqui da cidade. E disse por muitos anos sempre com a mesma musiquinha. Percebi que agora, ao invés de “eu quero um sapato”, eles usam “o Dia das Crianças é dia de pá pé pio”, embora a melodia seja a mesma. Brincamos por aqui que a gente só sabe quando o Dia das Crianças está chegando quando ouve essa musiquinha. Meus pais dizem que já ouviam quando a gente não tinha nem nascido. Esses dias vi na frente de um hipermercado, desses que vendem de tudo, uma placa que dizia: “Faltam 10 dias para o Dia das Crianças!”. Lembrei imediatamente da dita musiquinha do comercial e fiquei refletindo sobre esse dia. Felizmente, eu me remeti a algumas lembranças da minha infância que falam um pouco da minha relação com brinquedos.

Quando eu era criança, ficava enlouquecida com os comerciais de brinquedos na TV. Tinha um que a gente ia colocando o nariz, os óculos, as orelhas e formava um rosto engraçado. Certo dia, passeando com a minha mãe no shopping, vimos o brinquedo. Lembro que até eu que não tinha muita noção de dinheiro, vi o preço e disse: “é caro, né, mamãe?”. Ela respondeu com um sorriso meio triste que sim, era sim caro. Mas esse não era o único que passava na TV e teve um deles que eu até cheguei a ganhar. Era um que a gente plantava umas sementes num coisa equivalente a um rosto e a plantinha crescia como um cabelo verde no bonequinho arenoso. Procurei na internet e percebi que dá pra fazer um desses em casa e deve ser super divertido!

O fato é que, no final das contas, eu tinha poucos brinquedos “de marca”. Eu tinha uns balões com goma dentro que formavam rostinhos maleáveis; tinha uma marionete toda feita de material reciclado; tinha um carneirinho que eu amava e que eu fingia ser o carneirinho de um desenho que eu amava na época “A nossa turma – Get Along Gang”; tinha um esquilo que eu colocava na mão e fingia que ele estava falando… e eu me divertia tanto com eles! Arrisco a dizer que até mais do que, por exemplo, com um parque aquático da Polly que me deram de aniversário, que eu achava chato demais devido ao imenso número de pecinhas pequenas que insistiam em se perder. Dois dos meus brinquedos preferidos eram um soldado que se arrastava no chão (sim, um soldado) e um Power Ranger preto. Os dois eu achei não lembro onde, mas lembro que não foram comprados e acho que por isso que eu tanto gostava. Eu olhava para eles e imaginava que outra pessoa já tinha brincado com eles também.

Galhos caídos no chão viravam varinhas mágicas nas minhas mãos. Os dedos da minha mãe se transformavam em pessoas e em até famílias inteiras com a ajuda de uma caneta. Os meus também! Nos dias de chuva, nós duas brincávamos de dominó. Amarelinha era uma brincadeira que a gente fazia inteira com pedras. Para brincarmos de corda e elástico nós precisávamos de… bom… corda e elástico. Coisas que a gente pedia encarecidamente para a Dona Francisca, costureira da rua. E ela cedia. Quantas e quantas brincadeiras não eram possíveis com uma bola? Sete pecados, carimba (queimada), vôlei. E com nossos chinelos? Bandeirantes! Com nossos pés? “Pisapé”! Lembra daquela de jogar pedrinhas pra cima? Se eu tiver um filho ou uma filha, eles serão craques nisso! As possibilidades eram imensas! Brinquei assim até pelo menos meus 13 anos e pretendo reunir uns amigos nas próximas férias para relembrar esse tempo. Como era é bom brincar…

O primeiro Dia das Crianças que eu tenho na memória aconteceu assim: primeiro, eu devia ter uns cinco anos e não sabia o que existia tal data. Estava em casa com uma amiga mais velha e minha mãe saiu pedindo para que ela cuidasse de mim. Minha mãe chegou depois de mais ou menos meia hora. Ela disse:
– Toma filha.
– O que é isso, mãe?
– Seu presente de Dia das Crianças.
Não entendi o que era dia das crianças, mas aceitei. Ela deu para minha amiguinha também. Era uma bonequinha pequena e simples. Achei linda e já tratei de incluí-la na brincadeira.

Bom, essas lembranças me fizeram perceber que no Dia das Crianças eu quero que as crianças estejam livres da publicidade, que elas precisem de menos sapatos, menos brinquedos caros, menos eletrônicos, menos viagens à parques caríssimos, menos personagens e mais fantasia, mais gargalhadas, mais olho no olho, mais abraço de pai, mais colo de mãe e, por favor, mais amor.

 

“Brincar é essencial ao desenvolvimento da criatividade, da empatia, do pensamento crítico, da solução de problemas e da atribuição de sentido” – Susan Linn

Vídeo:

Conheça o Projeto Território do Brincar

Livros:    

Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação – Walter Benjamin (Editora 34)
Em defesa do faz de conta – Susan Linn (Ed. BestSeller)

Literatura infanto-juvenil:

Meninos da Rua Paulo
Meu pé de Laranja Lima

foto_amarelinha_aldemirmartins

Imagem: Amarelinha – 1974 (Aldemir Martins – Brasil,  CE, 1922- Argentina, Buenos Aires, 2006) Óleo, 35 x 70cm

Publicado em 10 de outubro de 2016

 

Colunista Rebrinc

* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:

Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

2 Comments

  1. Minha infância foi bem parecida com a sua. Nunca passamos necessidades, mas meus pais não tinham 200 reais(ou mais) sobrando para comprar 2 presentes, um pra mim e outro pra minha irmã, todos os dias das crianças. Faziamos comidinhas com lama e folhas das árvores que tinham em nosso quintal e brincávamos correndo de um lado pro outro em nosso quintal enorme.
    Alguns pais acreditam que comprando coisas caríssimas para crianças que nem entendem ainda o “Dia das Crianças” é a melhor forma de celebrar essa idade mas, na maioria das vezes uma criança se lembra muita mais de uma ida ao cinema pra ver aquele novo filme do que um brinquedo caro

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