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A Páscoa e o consumo

A Páscoa e o consumo

Por Maria Belintane, doutora em Educação e especialista em Desenvolvimento Humano, e Valéria Cantelli, doutora em Educação, membro do Laboratório de Epistemologia Genética/Faculdade de Educação/UNICAMP e especialista em Educação para o Consumo. Ambas são integrantes da Rebrinc.

 

A Resolução nº 163 define que é abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança. Esse posicionamento é um marco regulatório importante na história de nosso país em prol das crianças. Ele nos dá, mais ainda, segurança para conversarmos com pais e educadores sobre a fragilidade que se encontram nossos pequenos diante das estratégias de marketing.

Para construir uma relação de empatia com as crianças e persuadi-la a consumir o produto ou o serviço, o marketing se utiliza de recursos muito eficazes. São eles: a linguagem infantil, a imagem de atores, de jogadores e outras celebridades que têm empatia com as crianças, os personagens de desenhos e de filmes, os apresentadores infantis, efeitos especiais e músicas envolventes, dentre outros.

Nessa época de Páscoa, observamos campanhas publicitárias utilizando-se de coelhos simpáticos que saltam de ovos de chocolate, conversam com as crianças, divertem-se com os “presentes surpresas” que há dentro dos ovos. E se não fosse tudo, os personagens queridos das crianças emprestam seus superpoderes para vender “ovos especiais”.

É quase impossível resistir a tantos recursos fantásticos que o produto promete às crianças. O efeito amargo de tanta doçura fica para a família. Em primeiro lugar, os preços são abusivos, em segundo, a “deliciosa” fantasia se revela assim que se abre o ovo: o brinquedo não tem o tamanho, nem executa as piruetas que são observadas pelas crianças no comercial, e os superpoderes não correspondem ao esperado.

A segmentação do mercado é uma estratégia para aumentar os lucros e atingir um número maior de consumidores. Quando o cliente é a criança, fica mais interessante o lançamento de produtos com personagens que são os preferidos das crianças. A tradição da Páscoa e o faz de conta saudável, que auxilia a criança a compreender o significado do ovo, do coelho, da partilha, vai sendo “sutilmente” substituído por outros produtos.

Foi pensando nessas situações que envolvem família e os sentimentos das crianças que resolvemos elaborar algumas dicas para que famílias e crianças possam viver momentos importantes juntos nessa Páscoa.

Acreditamos que discutir valores, estabelecer vínculos de confiança e atitudes sustentáveis são os maiores desafios que as famílias vêm enfrentando na formação dos filhos.

Por isso, pensamos que qualquer momento é especial para analisarmos criticamente como a publicidade entra em nossos lares e influencia nossas crianças. A Páscoa é um bom momento para investir em ações saudáveis e minimizar o estresse das compras, educando para o consumo consciente.

Lembramos que a Páscoa é comemorada por diferentes credos e de várias formas, trazendo, na maioria das vezes, o sentido de renascer para uma vida melhor.

Se você é um pai ou uma mãe que fica divido entre fazer as vontades dos filhos e gastar um valor que, talvez, não esteja conveniente para o orçamento, convidamos a refletir sobre alguns pontos.

1º – Denuncie. Como pais, educadores e cidadãos, não podemos ser ingênuos e temos que nos informar sobre as ações de questionamento do consumismo em datas comemorativas. Acompanhe as discussões que envolvem famílias, profissionais de educação, de saúde, de comunicação e de defesa dos direitos das crianças. O Movimento Infância Livre de Consumismo, Milc, está com uma campanha no ar que fala da importância das famílias denunciarem os ovos de Páscoa com apelo infantil. Veja aqui como fazer as denúncias. A página do Mamatraca está reunindo chocolateiros do país para que as pessoas tenham a opção de comprar ovos de Páscoa de quem faz, sem personagens ou brindes. A Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc, por meio desse texto e de outros como o da Tamara Amoroso Gonçalves, também estimula a reflexão sobre o consumo na Páscoa. Informe-se e participe!

2º – Saiba dizer “não”. Não tenha medo de com isso não ser uma boa mãe ou um bom pai. Como pais, queremos que nossos filhos sejam felizes. Mas, às vezes, esse desejo entra em conflito com a necessidade de colocar limites. A felicidade também implica em saber lidar com os “nãos” da vida, isso faz parte do processo de formação. A possibilidade de um “não” saudável começa quando reconhecemos os sentimentos da criança que se encanta com tantas variedades de ovos de chocolate.

Nessa hora, não entre em combate com a criança. Procure se comunicar na linguagem dos pequenos, considerando seus desejos e sua vulnerabilidade para analisar a pressão para comprar. Mas deixe claro o limite. Você pode dizer:  Já pensou se a gente morasse num castelo cujo teto fosse como esse? Cheio de ovos de Páscoa? Teríamos chocolate para comermos a vida toda. Mas, esse ano vamos comprar um só, o mais gostoso de todos.

3º – Reconheça a manipulação dos pequenos e não ceda a ela. Os pedidos de compras de ovos acontecem a todo o momento, com base nos mais variados argumentos: “Faz muito tempo que não como ovo de chocolate…; A mãe de fulano comprou…; Meu amigo já ganhou…; Você não me ama…”.

Esteja preparado para os choramingos, resmungos, chantagens, carinhas de tristeza e birras. Esse comportamento de insistência mostra a capacidade de persuasão do seu filho e é comumente usado para alargar os limites e para conferir a nossa consistência e coerência. Ou seja, ele quer saber se NÃO é NÃO!

Em vez de sermão, suborno ou ameaça ofereça orientação. Ensine a criança a esperar, a cultivar as tradições, a acompanhar no calendário quantos dias faltam para a Páscoa, converse sobre o sentido dessa data e envolva a criança na decoração da casa, na elaboração de cartões, enfeites. Essas são excelentes oportunidades para aprender a esperar pelos presentes, a encantar-se com a brincadeira de encontrar os ovos. O ditado já dizia: O melhor da festa é esperar por ela.

4º – Concentre-se nas necessidades e não nas vontades das crianças. Frequentemente nos deparamos com os constantes “eu quero”. O modo para lidar com esse comportamento de insaciedade é ensinar-lhes desde cedo a diferenciar necessidade de desejos. Isso é difícil e por um longo tempo somos nós pais e mães que precisamos auxiliar os filhos a diferenciarem o que eles precisam e o que eles querem.

O fato de a criança expressar um desejo não implica que os pais tenham que responder prontamente com um sim ou com um não. O primeiro passo é deixar claro o que é possível ser comprado.

A definição dos valores cultivados pela família é outro importante passo. Essas atitudes ajudam a criança a se organizar internamente para reconhecer os limites e compreender que não precisa comprar sempre o que se quer.

Sugira que a criança olhe todos os ovos em exposição e escolha o da sua preferência, ajudando-a a fazer uma lista das características dos ovos e escolhendo pelo melhor deles.  Não precisa comprar ovos toda vez que vão ao supermercado. Diga: – “Hoje não viemos para comprar ovos, mas colocaremos esse ovo na sua lista de pedidos de Páscoa”. Mas com isso não espere que as crianças concordem prontamente e lhes deem um largo sorriso e não fiquem desapontadas. A frustração faz parte do processo de crescimento, o que não significa que devemos aceitar comportamentos de desrespeito e má educação.

A escolha de qual ovo comprar também não é uma tarefa fácil. A variedade de oferta e os apelos publicitários fazem com que as crianças tenham dificuldade para escolher. Os brindes que acompanham os ovos fazem com que elas se concentrem mais no brinquedo do que no chocolate, ou então, no personagem. Então, ensine a criança a escolher. As ajude a analisar os preços, a verificar a quantidade de chocolate, a pensar nos outros brinquedos do mesmo tipo que ela já tem, etc..

5º – Pratique a consistência. Seja firme em suas ações e deixe claro seus valores. Ajudar seu filho a se tornar uma criança do bem e para o bem deve ser a prioridade. As boas ações devem ser valorizadas, pois geram uma sensação de satisfação e de felicidade necessária para a construção de valores.

Ajude as crianças a pensarem: Como as crianças que não ganham os ovos se sentem? Ou como é a vida de uma criança cujos pais não podem comprar os ovos de chocolate que elas desejam? Converse sobre a possibilidade da doação de alguns dos ovos que receber. Escolham juntos uma instituição para entregar os ovos. Programe uma visita, fotografe o contato com as crianças, contem sobre essa iniciativa para os avós, tios e os incentivem a fazerem a mesma coisa. Divulguem suas boas ações.

Ah! Se ainda restar dúvida sobre se deve ou não ceder aos pedidos de consumo do seu filho…

Lembre-se que o excesso desses pedidos podem ser um alerta para o vazio afetivo que cresce na vida dele. Lembre-se do que realmente eles precisam: uma boa saúde, educação, apoio, respeito, confiança, tempo de convivência com os pais e familiares.

Então, nessa Páscoa, comece a cultivar um tempo extra para ficar com os filhos. Plante a semente de uma vida com mais harmonia. A convivência familiar com as crianças sempre foi o maior de todos os presentes.

Feliz Páscoa! Feliz vida nova!

 

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Imagem: internet

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

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