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Quem se preocupa com a programação infantil na TV aberta?

Quem se preocupa com a programação infantil na TV aberta?

 

A seção De olho na mídia pergunta: onde estão os programas infantis da TV aberta? Podemos ter programas para crianças sem publicidade infantil? Conversamos com a advogada Ana Dietmüller, integrante da Rebrinc, que faz um paralelo entre a TV no país onde ela mora, a Áustria, e o Brasil

 

No Brasil, a TV analógica vai aos poucos saindo de cena, as emissoras SBT, RedeTV! e Record afirmam que vão ficar de fora dos pacotes de TVs por assinatura e uma dúvida permanece constante: qual é o futuro da TV aberta? Quem tem em casa uma TV digital ou uma analógica com conversor continua tendo acesso aos canais da TV aberta normalmente. Mas, o que vem acontecendo com o seu público e o seu conteúdo?

Não é novidade a migração dos telespectadores para a TV por assinatura, TV por demanda e também para a Internet. Para o futuro, imaginamos ou tentamos prever as mudanças tecnológicas, pensamos nas cifras milionárias que a publicidade ainda vai gerar mas, além disso, queremos saber como as emissoras enxergam seus telespectadores, quais os parâmetros que orientam a programação dos canais e como definem seu conteúdo. E, mais especificamente, também perguntamos: o que esperar da TV aberta em termos de programação infantil?

Em 2015, o jornalista Laurindo Lalo Leal Filho escreveu, com preocupação, em sua coluna na Carta Capital: “os programas infantis estão desaparecendo da TV aberta brasileira”. No texto, ele esclareceu a relação entre o fim da programação infantil e a proibição à publicidade infantil. Explicou que o desprezo das emissoras pela programação infantil é bem anterior à Resolução 163 do Conanda (de abril de 2014) que reforçou a proibição da publicidade dirigida às crianças.

Importante lembrar que desde 1990, com o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37, a publicidade dirigida à criança já é considerada abusiva e, portanto, ilegal. Lalo reforça que as emissoras, movidas por seus interesses mercadológicos e na busca por um público mais diversificado para seu merchandising, foram trocando desenhos e programas infantis por outros que permitiam uma gama maior de anunciantes.

Quando olhamos com mais atenção para o que aconteceu na TV brasileira ao longo dos anos, verificamos que a substituição dos programas infantis no período vespertino e depois no matinal por programas de entrevistas, culinária e variedades foi acontecendo de forma gradativa em todas as emissoras. E a TV aberta foi deixando de lado a programação infantil que ficou restrita aos canais por assinatura. Na TV aberta, apenas o SBT e a TV Cultura mantêm programação infantil diária, seja com desenhos animados, programas ou novelas. Na Record e na Band apenas alguns desenhos animados são exibidos nos fins de semana.

Sabemos que quanto menos tempo a criança ficar em frente às telas (TV, tablets, celulares, notebooks) mais poderá ter atividades que exercitam o corpo e a mente de forma saudável, estimulam o convívio social real, permitem correr, explorar a natureza, lidar com o outro…

Mas sabemos também que as emissoras da TV aberta, concessões públicas, devem cumprir com suas obrigações como determina o artigo 221 da CF, que as obriga a dar preferência a programas com “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”. E as crianças também fazem parte do público que tem direito à programação na TV. Importante lembrar que a TV por assinatura é paga, o que limita o seu acesso. A TV aberta é gratuita e acessível a todos. Crianças têm direito a ter programação infantil de qualidade na televisão aberta, sem publicidade escancarada ou disfarçada ou anúncios em seus intervalos.

“No Brasil, o abandono das crianças pelas emissoras comerciais exige uma resposta institucional. É necessário que no ato de outorga das concessões de TV exista uma cláusula obrigando as emissoras a reservarem espaços generosos e bem localizados de suas grades de programação ao público infantil”, escreveu Lalo em 2015.

 

A TV fora do Brasil

Vivendo na Áustria há cinco anos, a brasileira Ana Dietmüller acompanha de perto a programação infantil por lá. A advogada e mãe de um menininho de 4 anos conta como é custeada a programação infantil da TV no país em que mora no artigo O impacto da TV sobre as crianças austríacas. Na Áustria, a programação infantil é restrita a duas horas por dia (apenas) e é a população quem financia os programas.

Ana é integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo e conta que considera errada a afirmação de que o fim da publicidade infantil acabou com o direito das crianças de ver TV no Brasil. “Penso ser inadequado vincular formação infantil com empresas que têm objetivo em fazer lucro. São coisas totalmente incompatíveis e é previsível que os grandes conglomerados retirem qualquer pauta do ar (não só a infantil) que não lhes traga retorno financeiro. É necessário repensar os paradigmas e os pilares da formação televisiva infantil brasileira,” questiona Ana Dietmüller, editora geral do blog Brasileiras pelo Mundo.

Ela defende a regulamentação rígida da publicidade e acha que o Brasil pode encontrar um modelo para sua programação televisiva com base no que já é feito em algumas partes do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma regulamentação rígida da publicidade infantil e ainda tem a programação infantil obrigatória, no mínimo três horas semanais. “Há vários modelos que podem servir de inspiração para o Brasil. Eu moro em um país onde só existem duas horas de programa infantil por dia. Depois, nada mais”, enfatiza.

O fim dos desenhos animados na TV aberta é preocupante?

Para Ana, os desenhos animados exibidos na TV aberta deveriam ter o objetivo de instruir, divertir e formar o público infantil, com um propósito pedagógico, inclusive. “Se os desenhos que estão desaparecendo da TV são aqueles que apenas estimulam a competição, violência e desarmonia entre iguais não precisamos nos preocupar. Esses desenhos vão fazer falta mesmo? Precisamos discutir proteção à infância e não apenas consumo”, questiona.

Uma pergunta que sempre surge quando se discute o fim da publicidade infantil – se as empresas de brinquedos vão falir – Ana Dietmüller dá a sua opinião: “moro em um país onde não existe publicidade infantil pela TV e as empresas de brinquedos continuam firmes e fortes. Ninguém foi à falência.” Ela conta que as empresas de brinquedos, em conjunto com grandes lojas, fazem catálogos e expõem seus produtos ali. Os catálogos são enviados pelo correio e ficam à disposição nas lojas para serem levados para casa. O alvo da propaganda, em maioria, são os adultos e crianças que já estejam alfabetizadas.

Para Ana Dietmüller, o fim da publicidade infantil na TV é uma meta importante porque ela atinge em cheio crianças de todas as idades. “As crianças não têm discernimento nenhum de compra e atendem a apelos visuais, ou seja, são movidos a instintos e não ao raciocínio que o mercado exige”, alerta.

 

 

Quer saber mais sobre o tema ou enviar sua opinião? Escreva para contato@rebrinc.com.br

Por Desirée Ruas – Jornalista/Rebrinc

Imagem: Pixabay

 

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O impacto da TV sobre as crianças austríacas (Ana Dietmüler)

O fim dos programas infantis na TV (Lalo Leal Filho)