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É possível falar de consumo nas aulas de Filosofia!

É possível falar de consumo nas aulas de Filosofia!

 

Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia

O texto desse mês vai direto para os professores de Filosofia de plantão. As aulas no ensino médio costumam despertar emoções fortes nos estudantes, que podem nutrir um severo desprezo, um ódio profundo ou um amor incondicional pela Mãe de Todos os Saberes (que lindo!). Brincadeiras à parte, sabemos que a Filosofia nos ensina a refletir, a questionar, a duvidar, a admirar o belo e a se espantar com o comum. A Filosofia nos ensina a investigar, a tentar descobrir o que existe por trás daquilo que é dado como verdadeiro. Ela nos ensina a sair da caverna, abandonar as sombras e ir em busca da luz, com todos os riscos que essa atitude nos confere.

Para os colegas de profissão que atuam numa escola que, em seu programa, trabalha com a História da Filosofia, introduzir com o tema do consumo cai bem quando a matéria chega na parte de Filosofia Contemporânea. Um dos primeiros passos pode ser apresentar os pensadores da Escola de Frankfurt à garotada. Falar um pouco da pluralidade de saberes daqueles que resistiam e decidiam pensar em meio à barbárie da primeira metade do século XX. Filósofos, sociólogos, economistas e psicólogos juntos, cada um com sua singularidade, para pensar a sociedade contemporânea. Benjamin e sua difícil trajetória enquanto judeu na Alemanha Nazista; Marcuse e sua influência na Europa e nos Estados Unidos; Adorno e Horkheimer com a importante obra Dialética do Esclarecimento.

Obviamente, com o tempo restrito que os professores de Filosofia dispõem semanalmente, é humanamente impossível aprofundar em cada uma das temáticas e em cada um dos autores. Entretanto, vale a pena focar em alguns conceitos, como o de Indústria Cultural, de Adorno e Horkheimer. Os filósofos mostram a maneira como a cultura foi abraçada pela indústria. Desde a segunda metade do Século XIX, a humanidade passou a produzir em massa não apenas bens materiais, mas também bens culturais. Entretanto, como qualquer indústria, o objetivo final dessa produção era (e ainda é) o lucro.

“O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.” [Adorno & Horkheimer, 1985 p. 100]

Os autores criticavam o modo como a cultura popular, que surgia espontaneamente do povo, e a cultura erudita, fruto de conhecimentos técnicos sofisticados, eram apropriados pela indústria com o único objetivo de gerar lucro. Pedir alguns exemplos nessa hora é bem interessante! Lembro que nas minhas experiências era bastante comum que surgissem exemplos vindos principalmente da música: o forró pé de serra, que vira forró eletrônico; as músicas clássicas que servem de pano de fundo de comercial de carros, etc.

Lembra desse comercial? Você também não acha que Mozart choraria se visse um negócio desses?

https://www.youtube.com/watch?v=v27KRpm6DYw

Passar vídeos como esse é uma boa opção!

Como no ensino médio lidamos com adolescentes, uma boa alternativa é pensar junto com eles sobre as referências que eles já possuem da Indústria Cultural. Eu costumava falar sobre a Disney. Mas para chegar até ela, o professor pode perguntar: pessoal, que personagens mais marcaram a infância de vocês? Mas não espere que saiam muitas respostas como “Saci Pererê”, “Curupira”, ou mesmo “Emília” e “A bruxinha atrapalhada”.

Antes de falar da Disney, eu costumava falar sobre os contos que eram transmitidos para as crianças pelas famílias europeias na Idade Média, depois falava sobre como os Irmãos Grimm se organizaram para reunir esses contos e, por fim, no modo como a Disney aproveitou esses contos para construir sua “fábrica de sonhos”. Aquela que rende milhões aos empresários envolvidos, que licenciam seus personagens para produtos que vão desde brinquedos até material escolar e “alimentos” açucarados. Produtos que são vendidos não apenas pelo seu valor de uso, mas por aquilo que eles simbolizam quando trazem estampadas as princesas X ou Y, que encontram o príncipe encantado e vivem felizes para sempre.

[Aliás, o que é viver feliz para sempre? Questionar os valores (estéticos, morais, utilitários…) transmitidos via cultura midiática é super válido!]

Branca de Neve

Foto: reprodução/internet

Vale a pena, dependendo da disponibilidade do professor, reservar um momento extraclasse para passar alguns documentários. O brasileiro “Criança, a alma do negócio” e o estadunidense “Consuming Kids” são muito interessantes para mostrar como a Indústria Cultural costuma agir quando o assunto é infância. Vale tudo para fidelizar uma criança a uma marca desde sua mais tenra idade. É legal perceber a reação deles depois dos filmes. Sempre tem alguém querendo contar as semelhanças daquelas situações com a própria infância ou mesmo contar como o irmãozinho já é tão consumista tão novo!

Bom, embora nossa rede trate principalmente de temas relacionados à infância e o texto acima tenha falado sobre aula de Filosofia para adolescentes, devemos lembrar que esses garotos e garotas um dia foram crianças e que, muitos deles têm irmãos mais novos e um dia poderão ser pais. Então, nada mais relevante para a infância do que pensar sobre ela, refletir sobre como ela pode resistir diante de uma sociedade que diariamente nos seduz a consumir… e nos consome.

Já tratou desse assunto em sala de aula? Conta para a gente a experiência! Tem dicas e sugestões? Pode mandar! contato@rebrinc.com.br

Livros:
Dialética do Esclarecimento – T. W. Adorno e M. Horkheimer (Ed. Jorge Zahar)
A república – Platão (http://www.filosofia.art.br/MojoPortal/download/filosofia/Platao_A_Republica.pdf)
Narcisismo e Publicidade: uma análise psicossocial dos ideais de consumo na contemporaneidade – M.F. Severiano (Annablume)
Escola de Frankfurt: inquietudes da razão e da emoção – Org. J. C. SOARES, J. C. (EdUERJ)

Documentários, filmes e vídeos:

Criança, a alma do negócio:

A comercialização da infância:

A história das coisas:

 

Publicado em 24/08/2015

 

Colunista Rebrinc

* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:

Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

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