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Por que a hora de ir para a cama é a hora de conteúdo adulto na TV?

Por que a hora de ir para a cama é a hora de conteúdo adulto na TV?

 

Por Débora Figueiredo* – Graduada em Filosofia e mestranda em Psicologia

Minha mãe sempre dizia: “aqui em casa tem horário para tudo. Tem hora de acordar, hora de dormir, hora de comer”. Ainda lembro dos tempos em que minha mãe me colocava para dormir às sete horas da noite. Lembro bem porque, aos poucos, fui conquistando um pouquinho mais: sete e quinze no outro ano, sete e trinta, sete e quarenta e cinco, oito da noite. Dormir às 8 horas era como uma pequena conquista da vida.

Dia desses, pensando sobre o sistema de Classificação Indicativa – que se encontra ameaçado, já que não querem ter a obrigação de passar conteúdo inadequado para crianças apenas em determinado horário – lembrei de uma cena bastante incômoda. Estava deitada com a minha mãe assistindo televisão quando, de repente, uma cena de beijo. A droga de um beijo que eu pensava que nunca, nunca mesmo ia acabar. Eu tive sentimentos horríveis nessa hora. Nojo, vergonha, vergonha por ter nojo, vergonha, vergonha, vergonha. Deve ter sido uma das primeiras vezes em que me senti verdadeiramente constrangida na vida.

Não sei como minha mãe se sentiu. Eu mesma só queria sumir. Mas ela agiu naturalmente e até fez brincadeiras. O que me deixava mais constrangida, embora eu imagine que a intenção dela fosse fazer o papel da mãe que “conversa sobre tudo” com os filhos, que é aberta, que está ali para escutar. Mas eu não queria isso. Só queria que a porcaria da cena sumisse da minha frente e aquilo não tivesse passado de um pesadelo. Contando assim, parece exagerado, mas relembrando do momento, chego a sentir um pouco daquilo de novo.

Contei isso no grupo de discussão da Rede Brasileira Infância e Consumo – Rebrinc, numa postagem sobre o tema, e recebi essa resposta: “Mas hoje cena de beijo nem incomoda mais as crianças (eu imagino) porque elas estão se acostumando com cenas muito mais ousadas”.  Assim, que li, lembrei de outro acontecimento.

Desde os meus 16, 17 anos, já usava um pouco do meu tempo para dar aula de reforço para crianças. Certa vez, já com meus 19, ensinando matemática para um garotinho de 8, ouço, sabe-se lá por quê:

– Débora, tu já assistiu aquele filme?

– Que filme, João?

– Aquele que vai passar na Globo hoje à noite.

Eu, que nunca fui tão chegada assim a televisão, respondo:

– Não sei qual é. É bom?

– É! Tem cena de sexo! Minha mãe deixa eu assistir.

– Oi?

– É, minha mãe me conta tudo e deixa eu assistir os filmes.

Eu, tentando controlar o espanto:

– Resolve essa continha aqui, João, por favor…

Não se trata de um falso moralismo. Crianças possuem sexualidade também. Isso há muito é sabido. Mas… alguns questionamentos ficam:

“Qual a maneira ideal de lidar com essas questões com uma criança?”

“Seria através de filmes que espetacularizam toda sorte de relações íntimas de forma descontextualizada?”

“Quais os riscos de uma educação sexual via produções midiáticas culminar em adultização precoce?”

“Se nossas crianças já estão acostumadas nesse nível a conteúdos adultos, o que mais falta?”

“Estar acostumadas com esse tipo de cena significa saber lidar com maturidade com as questões que envolvem sexualidade?”

Pensemos. Pensemos junto com a questão da Classificação Indicativa.

E que, enfim, possamos achar as soluções mais adequadas.

 

selo_CI

 

Saiba mais em Classificação Indicativa em risco.

Publicado em 22/03/2016

Imagem: Reprodução da TV

 

Colunista Rebrinc

* Saiba mais sobre a colunista Débora Figueiredo:

Possuo um nome que faz referência a um bichinho e uma super árvore: Débora, que significa abelha, em hebraico; e Figueiredo, que faz referência às figueiras. Amo a natureza, embora viva numa metrópole lotada de obras, carros e prédios: Fortaleza, tão linda quanto frágil. Sou graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará e atualmente faço mestrado em Psicologia com o intuito de entender um pouco sobre as consequências que podem surgir a partir do contato dos pequenos com as novas tecnologias. Antes de ingressar no mestrado, fui professora de Filosofia por três anos em uma escola pública militar e foi essa experiência que fez com que eu despertasse interesse por temas como infância, consumo e novas tecnologias. Sou fruto de uma infância sem hambúrgueres, brindes, cinema e brinquedos em excesso, mas com muita rua, esconde-esconde, pega-pega e amarelinha. Eu também faço parte da Rebrinc e espero poder continuar contribuindo e aprendendo cada vez mais com a Rede.

Fale com a autora: contato@rebrinc.com.br

Texto feito especialmente para o site da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. Caso queira reproduzi-lo, pedimos que mencione a fonte e o autor, com link para o site. Ajude-nos a valorizar os autores e a divulgar o nosso trabalho pela infância.

 

 

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